quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Uma questão de saudades

Ria Formosa O meu conceito de saudade está totalmente mudado, não é que não tenha saudades de Faro quando estou em Varsóvia mas as saudades de Varsóvia que sinto quando estou em Faro são maiores. Se calhar porque são cada vez mais as coisas que me prendem a Varsóvia do que as que me puxam para Faro e é disso que se faz a minha opção de permanecer em solo polaco por tempo indeterminado. O gosto de voltar à terra natal não se pode medir nem pesar, já contei como é indescritível o prazer quase comovedor que me dá aspirar o ar da Ria Formosa quando saio do avião, sentir o calor húmido e doce a colar-se à pele, o ruído manso do vento a acariciar as folhas das palmeiras que estão do lado de fora do aeroporto, uma série de situações muito agradáveis que conferem sempre a sensação de que Faro é um lugar único no mundo onde tudo é familiar e onde (quase) todas as pessoas são como eu.

Mas as saudades de Varsóvia começam a sentir-se ao fim de três ou quatro dias fora, Faro é uma cidade pequena onde tudo se sabe em 24 / 48 horas. É este o tempo suficiente para visitar toda a família, falar com todos os amigos e saber das últimas desgraças ou acontecimentos daAnoitecer em Varsóvia terra. A malta fala da crise e da falta de melhorias a curto-médio prazo e esse discurso acorda-me uma alergia, uma reação negativa que eu não sinto quando estou na Polónia. É o reflexo da falta de confiança que os portugueses sentem no seu País e que os algarvios sentem nos seus representantes que, por exemplo apoiaram a instalação inconstitucional de pórticos de portagem num troço de via rodoviária que foi construído com dinheiros comunitários – explicando: a parte da Via do Infante que vai de Albufeira à fronteira do Guadiana foi feita com dinheiro da UE e por isso o Governo de Portugal não pode cobrar a utilização dum bem para o qual não pagou, seria o mesmo que eu cobrar a renda dum apartamento que não construí nem comprei. Não admira pois os atos de vandalismo e de sabotagem que têm sido perpetrados contra as estruturas de portagem da A22, compreensíveis e até mesmo justificáveis. Houve também coisas muito boas, novas amizades que fiz e velhas que revi, qual das duas a melhor.

Então regressei à Cidade Capital com a habitual constipação portuguesa, outra inevitabilidade das noites húmidas da Ria, e aterrei numa chuvosa tarde de dezembro com aprazíveis 9ºC, confirmação de que é a estação outono-inverno mais quente desde que vivo na  Polónia. Em conversa com o taxista este confessou-me que a temperatura está morninha mas que os dias estão feios, sempre nublados. Acho que ele prefere neve e frio a estes dias indecisos que não são pão nem bolo, os polacos gostam mais de dias definidos do que coisas a meio-termo, ou bem que frio polar ou bem que calor, isto de não estar frio mas também não estar calor é que não pode ser. Eu não me queixo de não haver neve, pode ser bonito ver a cidade toda tapada por uma nívea camada mas é muito chato ter os sapatos e os tapetes do carro sempre sujos, dar fim das solas com o sal que os trabalhadores da Câmara Municipal espalham para a derreter, por isso é mais confortável viver e trabalhar na cidade se não tivermos essa gosma gelada nos pés.

Koszykowa E veio o primeiro dia de trabalho com alvorada marcada para as 6:20 da manhã e o metropolitano e o elétrico e a feiúra de um dia que ameaçava chuva. Na paragem da rua Koszykowa, ainda combalido pelo defluxo nasal resultado de cinco noites consecutivas de vinho, aconchegava-me no assento quando diviso uma loura de anca geométrica assentada numa saia curta de fazenda que lhe salientava o delgado da coxa, trança juvenil a dar um toque de inocência e a evidenciar o contraste entre uma autêntica bomba de sensualidade e o ar menino da trança. Ela desce da carruagem em passos curtos e felinos, a perna hirta, caminha em saltos altos com ar blasé sem perceber que no chão onde ela pisa nascem flores, carrega no botão do semáforo e espera pelo verde enquanto o elétrico segue viagem para o coração da cidade. Toca o telefone com um convite para a noite, aplaco o espanto que a loura me provocou assoando a coriza e compreendo que é (também) por estas coisas que gosto tanto desta terra e que as saudades que sinto de Varsóvia são sempre maiores do que as que sinto de Faro.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Natalgarve

Vem do Norte e entra no Algarve na diagonal, atravessado mas com o nariz apontado ao lugar esperado como que se já farejasse as filhozes e o bacalhau. Vai descendo à medida que se aproxima do mar, parece um mergulhão que viu um peixe na ria e que se precipita a pique sobre o futuro almoço. A Serra do Caldeirão vê-se em baixo, montes e valedos que se estendem até ao barrocal algarvio, região onde as elevações se tornam mais baixas empurrando as casas para o mar e assim continuam até a terra se espraiar no Atlântico, um espelho cristalino apenas rasurado pela espuma das ondas que beija a areia da costa. O avião desce mais um pouco e sobrevoa a Ria, o labirinto de canais desenhado no sapal, castelos de lodo onde moram caranguejos e bocas, petiscos que se apanham à mão nua e que vão diretos do parchal para a mesa. E vê-se a linha da costa, uma faixa alaranjada que define a província, um mimo para a vista a partir do céu. O meu país é bonito mas a minha região é linda, é uma pena muito grande vê-la a transformar-se num cemitério de ilusões.

Talvez por isso me doa mais ver no que Portugal e o Algarve se tornaram, terras que a esperança abandonou e nas quais as pessoas vivem num torpor que agonia, sem opinião nem reação. Parece que se submeteram a uma lobotomia coletiva e passam o tempo como o Jack Nicholson no final do “Voando Sobre Um Ninho De Cucos”, em transe, alienados só faltando o fio de baba escorrer ao canto da boca. É uma pena o que fizeram ao Algarve e aos algarvios. Não obstante toda a alegria inata que exibem percebe-se que é uma alegria contida, quase amordaçada, parece que são obrigados a evitar manifestações espontâneas com medo de algum fiscal dos Serviços Centrais de Controle Comportamental. Se calhar é esse estado de morbidez mental que leva muitos portugueses a seguirem a par e passo as aventuras idiotas dos protagonistas dos reality-shows e a comentarem com mais entusiasmo a expulsão da Fanny do que a perda do próprio subsídio de férias ou um primeiro-ministro que convida indecentemente os compatriotas a sairem de Portugal.

O Hugo, um rapaz que todos os dias sai de Portimão para trabalhar em Tavira, apontou o caminho a seguir de forma muito clara e acertada no meu ponto de vista. Diz ele:

- Trabalhem. Não leiam jornais, não ouçam rádios nem vejam as notícias na televisão, ignorem o que as pessoas dizem e façam o vosso trabalhinho tranquilos. Levantem-se todos os dias para trabalhar e desempenhem o vosso serviço sem dar ouvidos ao que para aí dizem.

Parece-me que ele tem razão, quanto mais lemos e ouvimos as declarações dos governantes portugueses e europeus menos confiança temos no futuro, ficamos mais pessimistas e com menos vontade de lutar contra as adversidades. Haja força nas canetas para ir bulindo e conservando a fé em dias melhores, é o que eu faço naqueles dias em que saio de casa às 7:00 da manhã com –15º C na rua.

Festas felizes com saúde e sorte!

domingo, 18 de dezembro de 2011

Honestidade acima de tudo

Rapina Ia a caminho de uma reunião de trabalho, passo apressado na gincana entre os vários buracos abertos pelas inúmeras obras que transformam Varsóvia atualmente num autêntico estaleiro, quando um sujeito alto de barba por fazer e com um casaco muito grosso me aborda e pergunta:

- Perdão, meu senhor. Tenho uma pergunta muito educada para si. Eu estou com grandes problemas pessoais, a minha mulher deixou-me e estou numa situação muito delicada. Preciso de quatro złotych  para comprar uma cerveja no supermercado para ver se aguento este dia. Peço desculpa se o incomodo mas preciso realmente de beber uma cerveja para suportar a minha vida.

Este pedido assaz invulgar surpreendeu-me e deixou-me a olhar para ele durante uns bons segundos sem saber o que dizer, fiquei ali de frente para aquele homenzarrão vestido como um esquimó, atarracado em casacos e pulôvers sujos e sebentos, com os argumentos dele a entoarem na minha cabeça, a fazerem-me confusão e eu sem saber porquê. Ao fim de uns segundos de reflexão compreendi o que me fazia tanta impressão. Era a clareza dele, a sinceridade que ele empregava nas palavras como se não tivesse nada a esconder, jogo limpo e cartas na mesa. Era mesmo aquilo que ele queria dizer, não eram uns centavos que lhe faltavam para o bilhete do comboio ou para um pão com manteiga que serviria de primeira refeição do dia. Nada disso! Dinheiro para cerveja tão somente era a aspiração do homem e ela comunicou-a sem rodeios nem patranhas.

Por regra não dou dinheiro a pessoas que não me dêem nada em troca, que toquem uma peça no violino ou na guitarra, que mostrem alguma habilidade ou talento de malabarista ou tocador de xilofone e eu dou o donativo de bom grado. Uma vez encontrei um fulano em Cracóvia que me pediu uma moeda em cinco idiomas diferentes – polaco, inglês, francês, italiano e alemão. Eu até pensei que se ele me pedisse em português eu recompensava-o com uma nota! Por isso demorei uns segundos de hesitação a reagir a esta solicitação até que a clarividência me atingiu e pensei com os meus botões:

- Então se eu ando a pagar o obsceno salário daquela matilha de salafrários a que chamo “classe política”, uma quadrilha de vigaristas, escroques, mentirosos e gatunos do pior calibre que nos roubam e prejudicam com a maior impunidade, porque raios não hei-de dar uma moeda a este tipo? Ok, é para cerveja, não é para os melhores fins mas ao menos foi honesto, não prometeu nada que não pudesse cumprir, não me enganou.

Tive pena de só ter moedas pequenas na carteira mas dei-lhe tantas quantas tinha, não lamento nenhum tostão. Foi dinheiro bem melhor empregue do que o ordenado que esta cambada de chulos e agiotas anda a sugar os contribuintes portugueses.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Quando os aprendizes tentam suplantar os mestres

Suseł Há uma espécie de esquilo terrestre que habita a Europa Central nos territórios da Bulgária, Roménia, Repúbica Checa, Ucrânia e nalgumas zonas a sul da Polónia. Há dias este bicho foi discutido numa das minhas aulas, é um animal que não consta que vivesse na Península Ibérica e por esse motivo pensei que fosse uma daquelas coisas para as quais a língua portuguesa não consagra nome. Se nós formos ver as coisas, os polacos têm uma designação própria de uma palavra (pralka) para um objeto que nós definimos com quatro (máquina de lavar roupa), então concluí que esse animal não tem nome em português porque não existe em Portugal. A Patrycja fita-me por cima dos óculos que lhe acentuam o ar intelectual de estudante de Direito, discorda e argumenta:

- Também não há elefantes na Polónia e nós temos uma palavra em polaco para eles.

Qualquer dia dou um par de chapadas a esta gente, já faltou mais!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Globalização é…

 aviso

… quando na Polónia ouves os operários das obras do metropolitano a falar italiano…

túnel do metro

… e quando um português é despedido duma fábrica inglesa por não saber falar polaco.

Isto é francamente assustador!

domingo, 11 de dezembro de 2011

Dezembro, o mês da mamagem

Bife tártaro - antes A reboque do dezembro andam muitas coisas, a primeira e talvez a mais importante é a minha festa de aniversário, evento no qual cumpro as amizades que mantenho, povo de sempre que se mistura com a gente de agora sob o mesmo denominador comum, a nossa amizade. Dá-me muito prazer ver a malta reunida na partilha de momentos e lugares, gente de terras tão diversas e dispersas que se encontraram no mesmo tempo e espaço por minha causa. É capaz de soar um pouco a vaidade mas não a posso evitar.

Outra coisa que entra no rol de efemérides são as jantas de Natal, verdadeiras touradas calóricas que são mais populares na minha casa do sul mas que vai ganhando adeptos no bosque do norte. Começou a época já ontem com uma bacalhauzada preparada pelo Chefe Costa, bem regada com caixas de tinto por atacado e com um "el classico" deBife tártato - depois sobremesa antes do massacre hepático (mas colírio ocular) que a noite varsoviana teve à nossa espera. Nas ruas agora molhadas da Cidade Capital muitas foram as portas abertas para este grupo de intrépidos lusitanos, cada um mais torto e empenado que o outro mas eufóricos com a antevisão de uma noite de festa. Carga semelhante à que vou apanhar em Faro, cardumes de minis natalícias no Pescas e no Zé Maria, a mesa viciada de póquer do Esgana onde já quase deixei um ano de PIB, espelunca infame a que volto sempre apesar das juras de só lá regressar armado de latas de querosene e caixas de fósforos para esfumar o azar. Também o almoço de dia 24 n’O Pontual do Cartaxinho onde se junta um perigoso plantel de respeito em torno duma extraordinária cabidela mais uma pajela de minis e de vinho, aperitivo para a tarde de desgraça à do Rogerinho onde a cerveja e os meios-uísques com água de Castello fazem a ponte entre o almoço e o jantar de Natal. Esse impreterível na Praia de Faro na casa da tia, bacalhau, fatias douradas e aguardentes velhíssimas antes de picar o ponto na festa tradicional do lançamento do balão com votos de Natal e Ano Novo.

Chlodnik Tempos de engorda, o dezembro, sempre rico em calorias quando vou a Faro devido à excessiva generosidade da família e amigos. O dezembro polaco não é muito parecido em termos de menu, as especialidades da Europa Central não são de todo semelhantes ao Algarve do céu azul mas também não são para desdenhar. A minha comadre tem uma mão para o assunto que não é brinquedo e há dias preparou-me um bife tártaro caseiro que me fez estalar o palato de alegria. As imagens se calhar não fazem juz à maravilha que sabia o petisco mas garanto que não foi sacrifício nenhum engolir a mistura de carne crua, cebola, alcaparras, couve e um ovo a cavalo, tal como não foi difícil saborear o chłodnik, a sopa fria de beterrabas e natas que encontrei dentro dum tupperware aí há meia dúzia de dias.

É preciso é haver flexibilidade e tolerância, não há frango assado mas há bife tártaro. Há muitos que nem isso têm.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

E agora… o tempo.

Previsão meteorológica para seis dias em Varsóvia (gentilmente facilitada pelo sultão Machado):

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Neve, neve, chuva, um sol radioso, neve, chuva. Uma pessoa precisa de ter um subsídio de vestuário e um roupeiro do tamanho do Palácio da Cultura para se aguentar nesta terra…

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Os munines, e um dos deles, em terra alheia

Na minha terra há muitos que comentam a minha mudança para a Polónia e que prometem visitas, curiosos sobre o modo de vida de um dos deles em terra alheia e interessados em saber como é que o tipo se adaptou a uma realidade tão diferente da algarvia. Há muitos que prometem mas poucos que cumprem, muitos que apontam dias no calendário mas poucos que confirmam a intenção, há até quem jure a visita e que acerte datas, poupe notas e marque voos para depois não aparecer no dia tal às horas tal como combinado sem dar mais cavaco cedendo à hesitação de última hora do tipo "agora vou eu bem daqui para aquele fim de mundo?". Compreendo-os e não os critico, também sou algarvio e sei que primeiro que o algarvéu dê um passo é preciso um batalhão de peritos convencê-lo que sim senhor, vale a pena sair do seu confortável cadeirão e conhecer o que se passa do outro lado da cerca. Não sei se a constante promessa que alguns (muitos, até) me fazem de que vêm visitar-me é um engodo para eu manter a ilusão, para mitigar a saudade ao emigrante que está lá fora a lutar pela vida longe do regaço familiar, um ato de piedade, essa mentira branca tão portuguesa de dizer que sim só para o outro se sentir bem. Também não me queixo, sei o que é o comodismo algarvio e também não me sinto tão longe de Portugal e do Algarve para que implore por sacas de bacalhau, talhas de azeite, tartes de alfarroba ou chouriços da terra, falo todos os dias com os amigalhaços e a saudade mata-se diaramente com a internet e com a tv por satélite. Além disso há gente que honra a palavra e não tem medo de se meter num avião, penetrar nas profundezas da Europa de Leste e conhecer o local de vida e de trabalho deste vosso escriba, casos dos ilustres parceiros de petiscadas e mesas de bar farenses, amigos da velha guarda, leoninos colegas de Liceu, Giga e Capitão Favinha.

Estes meus dois camaradas honraram a minha festa de aniversário com a sua inestimável presença e Varsóvia brindou-os com um leque de noites de regabofe como só ela consegue, uma quarta-feira imperial, uma quinta mais comedida devido ao rir excessivo da noite anterior, uma sexta de arromba com direito a rodízio brasileiro, DJ amigo e farra até de manhã e um sábado ao mais alto nível na companhia de outros portugueses da comunidade. Ao todo cinco excelentes dias nos quais estes dois munines descobriram mais pedaços de Varsóvia do que aqueles que vêm nos guias turísticos. Eu e a Ewa acompanhámo-los nas borgas, nos passeios, nos jantares e mostrámos-lhes o nosso futuro castelo que já quase que tem janelas e outros lugares de dízimo obrigatório (o tiro de vodca pura e fria à do sr. Roman é imperdoável) cirandando em sacerdócio ludico-etílico-gastronomico. No último dia até tiveram direito a uma peladinha no magnífico sintético de Bemowo onde ganharam mais conhecimentos para as visitas futuras e onde se provou que um português ressacado joga melhor à bola que dois polacos sóbrios juntos. Os meus amigos saíram agradados com o que viram, contentes com o que tenho conquistado e satisfeitos com a colheita que farei num futuro próximo numa cidade que evidencia pujança e índices de desenvolvimento há muito arredados de Portugal. Sentimentos genuínos sem inveja nem ciúme, apenas contentamento por assistirem ao triunfo de um dos deles em terra alheia.

O meu triunfo também é o deles, o das pessoas que sempre disseram para eu ir em frente, que nunca duvidaram e que têm estado comigo nestes quatro anos de Polónia. Celebrar o meu aniversário com estes meus irmãos (e com mais os formidáveis amigos que fiz em Varsóvia), proporcionar-lhes os passeios que tiveram e os momentos que viveram (finalmente consegui tocar para público de Faro!) foi o melhor presente de aniversário que podia ter recebido e olhem que este ano recebi prendas altamente! Pena que tantos nunca saiam debaixo do alpendre algarvio e não troquem por um fim de semana o medronho pela vodca, só lhes fazia bem aos horizontes.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Em Carnide anda-se a comer muito queijo

Dérbi Pela primeira vez em muitos, muitos anos abanquei-me em frente à televisão com vontade de ver um dérbi, com confiança que íamos fazer boa figura, certo que o Leão ia ser dignificado. Assim foi, os sportinguistas podem dormir descansados que temos um grupo de profissionais, jogadores, treinadores e dirigentes, que encarnam os valores do Sporting. Bravos e abnegados, com uma estratégia e um pensamento seguro, os jogadores leoninos demonstraram capacidade para discutir o resultado em qualquer momento do jogo e isso é uma coisa que não se via na equipa do Sporting há muito temmpo. Atitude e personalidade, como tem de ser sempre.

É óbvio que não há motivos de festa porque perdemos e o conceito de "vitória moral" não colhe na minha conceção, um jogo de futebol é para ganhar nem que sejam as peladas que faço ao domingo, mas tenhoMemória curta a clara noção que não deixámos de ganhar por sortilégios da bola e não por gritante inferioridade psicológica ou défice de qualidade como acontecia num passado recente. A magana é que não quis nada conosco só entre Schaars, Elias e Capel contei quatro ou cinco flagrantes oportunidades de golo daquelas que, se concretizadas, podem mudar uma partida do dia para a noite. Não aproveitámos e o nosso adversário, mais experiente e mecanizado nos seus processos, aproveitou o nosso esbanjamento.

Por isso fica a imagem que temos um projetinho de equipa bem interessante e que sendo devidamente adubada e regada esta equipa do Sporting pode ainda dar que falar num futuro muito próximo a contrastar com a carestia exibicional que se arrastava pelos relvados portugueses há meio ano, oxalá lhes dêem tempo e sossego para se prepararem.

Memória curta 2A polémica? Sinceramente não percebi a historieta em torno da tal caixa de segurança uma vez que é uma estrutura que está em voga nos principais estádios europeus e o conceito em si parece-me positivo porque sei o que passam os adeptos sportinguistas visitantes em dia de dérbi e é precisamente por saber o que passam esses adeptos (empurrados à entrada, espremidos por uma porta minúscula onde cabe meia pessoa e comprimidos em espaços manifestamente insuficientes) que compreendo a reação deles que originou o fogo na bancada da Luz. Compreender não significa aplaudir, acho que aquilo não se faz seja na Luz ou noutro estádio qualquer, mas recordo que as vozes que agora criticam o comportamento de alguns fãs leoninos pertencem ao mesmo clube que aqueles que incendiaram cadeiras em Alvalade velho há umas épocas atrás, não têm direito nenhum em armar-se em virgens ofendidas. Isto de uma pessoa só notar as ramelas dos outros tem mais que se lhe diga, por essas e por outras deviam era ter tento na língua e vergonha na cara, não fizemos nada que nunca nos tivessem feito e nós nunca matámos ninguém.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sexta à noite, nada para ninguém

Academia de Ciências À sexta-feira Varsóvia tem cara diferente, "é o primeiro dia do fim de semana", as gravatas e os blazers ficam nos roupeiros, os sapatos de pele dão lugar aos ténis - aos adidas como eles lhes chamam mesmo que sejam Nike ou Puma -, a barba não se corta, as saias são mais subidas deixando à vista aquela perna eslava trabalhada à plaina e a atitude é mais descontraída. Em suma, à sexta Varsóvia entrega-se ao relaxe, troca as horas extraordinárias no escritório por imperiais e bazucas de vodca com colegas e amigos, combina as jantas e as borgas ou vai às compras. Eu, (mal-)habituado a bulir 44 por semana, quatro delas na manhã de sábado, não sabia que isto não funcionava assim deste lado do muro e propunha reuniões às 16:00 ou 17:00 obtendo sempre negas com o mesmo argumento, que é sexta. Mas que diabo, lá por ser sexta não se trabalha?

Como em Roma se é romano também na Polónia se procura seguir os hábitos indígenas que mais lógicos pareçam, não sou daqueles que falam mal dos polacos por falar, que apontam os defeitos sem lhes reconhecer uma única virtude, que criticam as carências e insuficiências mas não reconhecem as qualidades e potencial. Para estar na Polónia sem ser exclusivamente entocado no seu casulo há que respeitar a cultura e os hábitos, assimilá-los como nossos e por isso deixei de trabalhar sexta à tarde para consagrar essa parte da semana a assuntos pessoais e a um cafezinho com a canalha em noite que eu não tenha que tocar nalguma festa. Hoje foi um desses dias de menor fulgor laboral mas como não posso abdicar totalmente de dar ao canelo, o meu vencimento é calculado em função das horas trabalhadas, tive de estar ao serviço até às 16:30 que é a altura em que habitualmente me preparo para iniciar o fim de semana. Recebo um sms da Universidade, a diretora quer falar comigo, a esta hora deste dia desta semana? O que será?

O caminho para as instalações da Universidade de Varsóvia é um primor, passear na garbosa rua Krakowskie Przedmieście e admirar os seus elegantes palacetes neoclássicos como o da Academia Polaca deUniversidade Ciências com Nicolau Copérnico a guardar a entrada junto do seu modelo heliocêntrico ou o da Academia Polaca de Belas Artes, a rua recém-pavimentada a granito, as igrejas de Santa Ana e a de Santa Cruz onde repousa numa urna o coração do virtuoso Chopin, a Residência Presidencial, o imponente Hotel Bristol, inúmeros documentos que provam a grandeza da Cidade Capital. Uma banda animava a rua com notas sopradas de jazz e atraía os passantes, do outro lado era um café-concerto que oferecia um piano aveludado, a arte e a cultura saíam de todos os lados, de todos os cantos. Num outro edifício grave, o do Instituto de Jornalismo e Ciências Políticas, alunos escreviam furiosamente inspirado por aquilo que dizia um senhor de microfone na mão e alheios à animação que se vivia do lado de fora da janela.

A conversa com a superior correu bem entre louvores – “tens feitio para isto, pá!” – e algumas recomendações para aperfeiçoamento da técnica de ensino chegando finalmente o momento de voltar a casa para acertar os papéis atrasados e atualizar correio pessoal. A cidade chama por mim, não quer que me vá embora, afinal é sexta-feira, tenta-me com montras de bares onde estão louras lindíssimas bebendo cerveja com xarope de amora por um palhinha e eu ainda demoro um pouco o passo, é uma visão belíssima, apelativa e apetece mesmo entrar para umas palavrinhas de circunstância. Mas não, o corpo pede repouso depois da atuação de ontem numa galeria de fotografia e torço o pescoço para a frente na direção do metropolitano.

Varsóvia é uma terra arriscada onde é fácil perdermos a cabeça e deitarmos a perder num minuto o que conquistámos numa vida, na mesma rua tem casas de folia com regabofe de primeira água e bueiros de esgoto a deitar fumo, imagem assustadora. Vim para casa, noite de pijama e portátil. Tenho trabalhos de casa para corrigir, jantar para fazer e um passatempo para cuidar. Neste último não posso faciitar porque a fasquia está elevadíssima como a imagem abaixo comprova q;)

Petroeuros

Amanhã logo vejo se bebo para esquecer ou para celebrar o Leão.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Os novos filósofos facebookianos – um artigo que tem muito pouco a ver com a Polónia


A crise que grassa pela Europa em geral e por Portugal em particular tem criado diversos problemas a muitos portugueses, portugueses que perderam o emprego, portugueses que perderam poder de compra, portugueses que perderam a esperança num futuro melhor pelo menos a curto-médio prazo. As únicas coisas que vão crescer em Portugal são as prestações dos créditos, os impostos e contribuições, a precariedade e incerteza no trabalho, o medo da vergonha grega. O panorama não é bonito porque esta conjuntura desfavorável abateu-se sobre um povo por natureza melancólico e fatalista, uma gente que apesar do rótulo de alegre e otimista não aposta um cêntimo no dia de amanhã. É como se tivessem mudado uma pessoa com tendências suicidas para um 15º andar, convidaram-no à depressão e miséria psicológica.

Vê-se esse miserável estado de espírito nas notícias, nas declarações públicas que anunciam mais cortes nas depauperadas regalias do Zé Pagante, na tristeza patente no rosto dos portugueses e nas suas comunicações ao mundo através das redes sociais, um dos poucos espaços onde ainda se pode ser verdadeiramente democrático e mandar à merda quem tem toda a obrigação de ir. Alguns portugueses fazem das redes sociais megafone da sua insatisfação, do seu estado de alma, choram o seu fado, solidarizam-se com o próximo, estendem lenços e oferecem ombros para o parceiro chorar. Multiplicam-se os apelos à insurreição, à contestação, à desobediência, até se discute se é a própria democracia que está ameaçada. O Povo parece unido mas também parece vencido, vencido pela luta desigual contra as tríades e contra os mercados, contra a inevitabilidade de sermos fodidos e sofridos. Assim andam os portugueses, assim andam alguns que eu conheço e devido a esse estado de coisas alguns deles dedicam-se agora a pensar e a refletir no que os rodeia, na atualidade e no ambiente.

Há uma mania recente de publicar nas redes sociais, no facebook concretamente, frases que supostamente têm alcance quase esotérico, pensamentos duma profundidade mística que teoricamente transmitem bem-estar e boas vibrações a quem as lê, vibrações essas que serão repassadas por todos quantos repitam o gesto. As palavras são bonitas, agradáveis e bem intencionadas mas as frases que formam são ocas, desprovidas de qualquer conteúdo aproveitável e têm tanto de importante e válido como a previsão do horóscopo de uma revista de donas de casa. Juntam um punhado de sílabas que consistem em ideias insípidas e inodoras, lugares-comuns que enervam de banalidade, clichês usados e abusados, uma pobreza intelectual que só consigo justificar devido à grave crise de confiança que mina alguns portugueses e que lhes tolhe o raciocínio. A auto-ajuda está aí para quem quiser sentir-se coitadinho e há uma frase feita para cada caso prontinha a sair do forno das vulgaridades, pleonasmos a granel para combater a tinha da crise e a lepra da tristeza, aqueles a quem a má-sorte lazarou têm nos novos filósofos pré-fabricados do feicebúque a panaceia para a escuridão dos seus dias, lê-se o lema do dia e a nossa vida fica como nova, por estrear, somos capazes de dar um pontapé numa estrela...

Eu daria crédito aos pensadores cibernéticos contemporâneos se houvesse nos seus escritos algum sumo, se encontrasse nos seus postulados algum motivo sério de reflexão, algum princípio, alguma conclusão concreta que se pudesse tirar. Mas não, a única coisa que eu vejo é uma estupidificação em massa de pessoas que eu muito prezo – porque são o mesmo que eu – mas que aparentemente abdicaram de pensar, de criticar, de apontar o dedo e vivem num ciclo de compaixão mútua, do “tenham-pena-de-mim”, do amiguinho que dá palmadinhas nas costas. Não me parece que seja assim que se deva encarar a vida mas como (ainda) vivemos em democracia também reconheço que não sou ninguém para negar o direito que as pessoas têm à patetice.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Eurogaldo!

Já está!

Agora espetem com os moços em Donetsk, não se esqueçam.

PS – Lamentável a campanha que alguns idiotas, para não lhes chamar coisas piores, fizeram contra o selecionador Paulo Bento na sequência dos afastamentos de Ricardo Carvalho e Bosingwa da Seleção. Paulo Bento é o mesmo homem que foi aplaudido quando Queiroz foi demitido, o mesmo homem que foi considerado salvador da pátria quando pegou na equipa e ganhou dois jogos seguidos, o mesmo homem que nos devolveu a esperança de estar presente no Euro2012. A esta hora aí muito menino a engolir sapos, bem podem temperá-los com o ketchup do Cristiano Ronaldo!

sábado, 12 de novembro de 2011

11-11, o Dia da Independência

11 de Novembro – Enquanto o Mundo manifesta o seu descontentamento perante a crise global, a Polónia celebra o Dia da Independência, uma oportunidade para os polacos exaltarem o seu patriotismo e o seu orgulho na história do seu país, uma história riquíssima em termos de eventos importantes.

Mudanças territoriais da Polónia A Polónia comemorou ontem o 93º aniversário da reconquista da independência, em 1918 viviam-se tempos de rescaldo da Primeira Guerra Mundial e o mapa-mundi após a assinatura do Tratado de Versalhes, documento que pôs fim ao conflito, era muito diferente da configuração que hoje apresenta. O território polaco tinha sido ocupado por três invasores – o Império Áustro-Húngaro, o Império Alemão (cuja província mais poderosa era a Prússia que se estendia desde a Bélgica à Estónia), e a Rússia – e há 123 anos que tecnicamente não existia, as suas principais cidades fazendo parte de outros países mas sempre com um profundo sentimento de Pátria que nunca abandonou os polacos. O desfecho da Primeira Guerra Mundial foi devastador para as potências ocupantes, a Rússia sofreu baixas consideráveis e tinha também problemas internos para resolver devido às Revoluções de 1917, os Impérios Alemão e Austro-Húngaro também entraram em convulsões interiores e o declínio destes dois grandes estados proporcionou as condições ideais para a composição de um governo polaco chefiado por Józef Piłsudski. A Polónia voltava assim a existir após mais de um século fora do mapa.

A Polónia atual também é diferente da Polónia do início do séc. XX, o país desempenha um papel importante no panorama estratégico e político europeu, atravessa um período de estabilidade governativa, tem uma economia com indicadores interessantes que representa um mercado de quarenta milhões de pessoas e foi o único país na União Europeia a não ter sido atingido pela recessão que contaminou os seusIndependência parceiros na sequência da crise económica de 2008. No entanto e apesar de todo este cenário positivo, a Polónia passa por uma fase de transição que não está a ser isenta de polémicas – os polacos decidiram virar ao centro nas últimas eleições e deram força aos partidos liberais e pró-europeus, coisa que não foi muito bem vista pelos setores mais conservadores da política e da sociedade polacas com a Igreja Católica e o seu braço político PiS a não desarmarem o discurso nacionalista e anti-UE. As consequências desta postura estiveram à vista nas manifestações que ocorreram em Varsóvia durante as comemorações do Dia da Independência e que culminaram em violentos confrontos entre a polícia e manifestantes de esquerda que protestavam contra os “fascistas” que governam a Polónia. Para cúmulo do azar, ou coincidência, para o mesmo dia estava marcada uma outra manifestação organizada por associações de tendências homossexuais e pacifistas. Deu-se o encontro da pólvora com a gasolina e sendo a polícia o rastilho as consequências foram conhecidas e transmitidas pela televisão para todo o planeta, mais de 100 detidos, carros incendiados, vidraças partidas, polícias e civis feridos, um pandemónio na Baixa da cidade.

Hoje Varsóvia acordou ainda atordoada com a noite anterior, uma noite de tumultos como há muito não se assistia, mas acordou também com o dedo bem apontados aos instigadores das batalhas, aqueles que se refugiam nos seus gabinetes e que usam os seus canais para continuar a inquinar a opinião pública polaca com propaganda retrógrada e quadrada. Estes sim, é que podem ser considerados os inimigos duma Polónia moderna e de progresso, duma Polónia pujante e esplendorosa. Piłsudski não havia gostado de presenciar as cenas de ontem à noite, porém não será por uma noite negra despoletada por políticos irresponsáveis que a magnitude e grandeza desta grande nação que é a República Polaca será afetada.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A vida explicada pela Matylda

Perdoem-se-lhe os erros de sintaxe porque a clareza de raciocínio merece essa tolerância.

“ gosto de trabalhar com homens. eles pedem o a e o b, eu faço o a e o b e todos ficam contentes. uma mulher pede o a e o b, mas o que quer na realidade são o b e o c. e encantava-a secretamente que se adivinhasse que precisa também do d. merda! se quer o c e d, era o bom momento para aprender a pedi-lo. eu não jogo a isso.  ”

Se podia ser assim? Podia… e devia!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Legia Gol!

Quinta-feira à noite a Legia de Varsóvia derrotou o Rapid de Bucareste por 3-1 no Pepsi Arena garantindo a passagem aos oitavos de final da Liga Europa, um feito para o clube e para o futebol polaco que não tem alegrado os seus adeptos no passado mais recente.

Legia Stadion A Legia tem uma massa de adeptos fiel e dedicada por vezes em demasia, os seus adeptos mais fanáticos concentram-se no topo norte do estádios e são responsáveis pela animação das bancadas através dos seus cânticos e coreografias que duram integralmente os 90 minutos desde o primeiro ao último apito do árbitro. A Żyleta (nome proveniente da bancada do antigo Wojska Polskiego que estes fãs costumavam ocupar e que ostentava um enorme cartaz da Gilette, advindo daí o nome) invova e contagia todo o estádio com ordens para que se levantem, que aplaudam, que cantem mais alto ou que pulem nos seus lugares. Os espetadores obedecem e criam um impressionante espetáculo de harmonia e precisão nas tribunas, é absolutamente incrível ver 30.000 pessoas na mesma coreografia, abraçados ao parceiro do lado, saltando e cantando em uníssono. Não é apenas a claque, é literalmente o estádio todo a cantar ou a erguer os cachecóis em tifo à voz de comando da Żyleta, a comunhão de sentimento e valores, um amor tremendo pelo clube que eu próprio testemunho com a regularidade possível como no caso de quinta.

Topo Norte Este fanatismo traz às vezes problemas à equipa, adeptos menos civilizados que causam rebuliços e distúrbios principalmente no estrangeiro - casos que poderão ser explicados por sociólogos e historiadores - mas que são inofensivos no seu reduto. Lá, um estádio moderno e perfeitamente seguro, eles defendem a sua dama como ninguém e durante todo o jogo proporcionam um apoio maciço aos seus joadores como não se vê (nem nunca se viu) em Portugal, quer a Legia marque quer sofra, quer ganhe quer não. Ver um jogo da Legia ao vivo no agora denominado Pepsi Arena é uma experiência que todo o adepto do futebol tem de presenciar, como ver um jogo na Bombonera, em Anfield Road ou no Fiyapı İnönü A qualidade técnico-tática do futebol pode não ser a melhor mas a paixão, a intensidade, a união entre adeptos e jogadores (que no final de cada vitória agradecem à claque trocando cânticos com eles) e a animação com que se participa no jogo é uma coisa digna de se ver in loco.

A Legia qualificou-se para a fase seguinte da Liga Europa e quase que foi o fim do mundo, nem consigo imaginar como será quando ganharem a Liga no seu campo.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Voo LO16, uma história com final feliz

Boeing 767 No passado dia 1 de novembro um Boeing 767 das linhas aéreas polacas LOT efetuou uma aterragem insólita no aeroporto de Varsóvia. O avião com 220 passageiros proveniente de Newark, Nova Jérsia, nos Estados Unidos revelou problemas no sistema hidráulico dos trens de aterragem impedindo a utilização dos mesmos na manobra de aterragem e obrigando o comandante Tadeusz Wrona a recorrer a um expediente nunca antes tentado na pista do aeroporto Fryderyk Chopin: Uma aterragem sem rodas.

Tudo começou perto das 13:15, hora de Varsóvia, quando o piloto do voo LO16 comunicou à torre de controle a impossibilidade se fazer pousar a aeronave através dos métodos convencionais, uma aterragem prevista para as 16:00. Imediatamente o pessoal do aeroporto iniciou oRescaldo dispositivo de emergência e os procedimentos devidos. Enquanto o piloto sobrevoava Varsóvia em círculos e desfazia-se de combustível para reduzir o perigo de incêndio, as equipas de socorro e intervenção urgente preparavam-se para a situação, mais de 20 ambulâncias requisitadas, carros de bombeiros, dois caças F-16 foram enviados para escoltar o avião em apuros e assistir os seus tripulantes. Um preparado especial foi espalhado na pista do aeroporto para reduzir o impacto e o atrito da fuselagem com o asfalto. O avião abordou a pista em velocidade mínima e temeu-se o pior quando o motor de estibordo se incendiou durante a aterragem, muitos passageiros chegaram a despedir-se dos outros e da família por telefone ao assistirem à cena. Porém e graças à perícia do capitão Wrona o avião aterrou com o mínimo de solavancos e entregou todos os ocupantes do 767 perfeitamente sãos e salvos, um feito de destaque se recordarmos as imagens da manobra que tanta tensão e nervosismo causaram.

Tadeusz Wrona, o Chesley Sullenberger polaco, já foi aclamado herói nacional pelo sangue-frio e destreza com que encarou a emergência, facto confirmado pelos passageiros que elogiaram a tranquilidade que o comandante soube transmitir em todos os momentos e que foi também objeto dum agradecimento público por parte do Presidente da República Bronisław Komorowski. A Polónia prendeu a respiração por largos instantes mas celebra agora um episódio feliz na história da sua aviação comercial graças à competência de um dos seus pares, teria sido uma macabra coincidência a coisa correr mal no dia em que milhões de polacos aproveitavam o fim de semana prolongado para visitar os seus parentes... mortos.

Em baixo, um extrato da reportagem da BBC.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O fim dum outono de tréguas

Outono 1 Este não é um artigo que consista na queixa e no choro porque a temperatura está a descer nem coisa que o valha, isto é apenas um desabafo de quem vê as tropas do General Inverno a aproximarem-se perigosamente do seu último reduto vendo os seus capitães Frio e Vento a comandar o pelotão. É importante frisar que o outono tem sido muito simpático e que não tem fustigado os polacos com invernias precoces nem com despejos de neve como em outonos pretéritos, um choque psicológico, quando regressei de Faro na primeira semana de outubro deixando o Algarve com 14º e vim encontrar o mercúrio da minha varanda abaixo de zero. Nada disso, nem um dia de chuva se registou após a minha reentrada este ano e não tenho como reclamar do pós-verão.

Mas vê-se já um pavimento de folhas caducas a dar o mote às condições climatéricas que se avizinham e a consequente irritação e neura, umOutono 3 estado de impertinência que se instala e demora a combater. Antevejo  as manhãs de despertares lentos e escuros com geada a cobrir os pára-brisas dos carros, ideias perras e difíceis de arrancar, tudo isso já está à porta de casa. É uma inevitabilidade da situação geográfica da Polónia, o clima temperado continental manda frio do grosso depois dos banhos atlânticos e não há como fugir com o rabo à seringa. Assim sobra-nos ir amadurecendo a ideia que o briol está a chegar e que a penumbra vai cair sobre o país a curto trecho, particularmente depois da mudança da hora, situação que encurta ainda mais o dia na questão das horas de claridade.

As noites estão mais frescas, o vento sente-se mais desagradável mas pronto, ainda não nevou e isso tem sido uma maravilha!

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Porque é que…

  • Os polacos se gabam de ser condutores formidáveis quando bloqueiam a faixa da esquerda a 10km/h e não respeitam nenhuma passadeira de peões?
  • Eles abrem portas às senhoras, dão-lhes o lugar no autocarro mas nunca dão os "bons dias" no elevador?
  • Juntam 700 e tal especiarias num guisado, atascam uma costeleta grelhada em molhos e desaprovam a cozinha portuguesa por ser muito gordurosa?
  • Se forram e agasalham-se em outubro como se já fosse fevereiro e destapam-se em abril como se já fosse julho?
  • A juntar, levam o ano inteiro a reclamar do tempo, que nunca mais chega o verão mas quando ele chega começam a dizer que faz calor demais?
  • Ainda o tempo, queixam-se do frio quando é para jogar à bola mas saltitam alegremente da cama às 4:00 da matina para apanhar cogumelos no meio da cacimba do bosque e passeiam tranquilamente o cãozinho à meia-noite quando estão -80ºC na rua?

    Têm dificuldade em lidar com o imprevisto, a surpresa, a contingência e que quando o plano muda o polaco crasha e tem de fazer reboot?
  • Curtem aqueles sapatos com as pontas arrebitadas, irritantemente puxadas para cima, quase que dá para servir de abre-latas de barris de cerveja?
  • Traduzem tudo quando falam outra língua, nomes inclusivé: "I talked with Kate and she said she's going out with Margret and Agnes tonight" não podendo deixar de achar interessante perguntar como traduzem nomes tipo Przemysław ou Zbigniew?
  • Criticam ferozmente os países vizinhos que violam os direitos humanos mas são incapazes de respeitar os mais básicos direitos do consumidor?
  • Eles são geralmente feios, elas são geralmente muito bonitas?
  • Conseguiram fabricar batatas fritas com sabor a lima e pimento... que até se comem bem?

Batatas fritas de lima

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Na Polónia sê Polaco - 12

Pedra Não sei se na Polónia há matanças de porco como as de Portugal, aquelas em que parentes e vizinhos se juntam de manhã cedo, começam logo a despejar medronheiras e atacam a pocilga já muito prejudicados pelo maligno, tentando perseguir o suíno escorregadio que lhes foge entre os dedos. Às vezes as pernas cedem ao álcool e lá vai um chapanço na trampa, um inconveniente para o protagonista da façanha mas um pagode para os outros que dão assim uma folguinha ao bácoro antes da investida final que invariavelmente culmina com facada certeira na papada e a conversão do simpático animal em refeição dos guerreiros e convidados. As primeiras partes das matanças jamais foram do meu agrado, nunca quis ver o bicho ser morto e fui a muitas matanças na casa do meu amigo Nelson, caçador da serra do Malhão e especialista em pabulagem como todo o que se preze, onde tinha sempre um lugar à mesa dele, uma mesa farta de febras, enchidos, costeletas, fumados e outros quitutes do género. Este meu quase irmão sempre foi um boa-boca e eu um seu escudeiro, uma ocasião fomos à inauguração de um supermercado em Faro convidados pelo responsável do talho e o apuro da tarde saldou-se em 17 costeletas de porco grelhadas para cada um sendo que só parámos porque as pessoas queriam levantar a mesa. Uma alarvidade, dizem uns, uma tarde bem passada, diríamos nós.

Esta prosa toda a propósito duma cerimónia a que fui convidado (sem alternativa), o encontro anual da família da Ewa,Caixa um evento que reúne qualquer coisa como 60 pessoas à mesa. Um acontecimento de algum protocolo do qual fazem parte a assinatura da folha de presenças, a consulta do álbum de fotos dos encontros pretéritos com a consequente pesquisa de tias-avós que só se vêem uma vez por ano, a prova das pomadas caseiras que vão do vinho novo sempre muito generoso à mais rija aguardente de ameixa passando por licores de cereja e frutos silvestres cada qual mais doce e mais graduado que o outro. Um primo da Ewa serviu-me um niquinho de licor, só um sopro, eu não podia beber mais porque estava de serviço ao volante e a ramona aqui não facilita nesse tema, e como me soube a maravilhas logo o primo avisou do grau do xarope, 60% de emoção e o cálice imediatamente afastado para evitar conflitos institucionais. Havia também uma árvore genealógica que recua até ao séc. XIX e que tinha um espaço guardado para o tipo com o nome esquisito, o visitante do Ocidente, o primeiro sinal de globalização naquela floresta de genes eslavos. Agora que rubriquei a minha presença pode ser que figure na próxima edição dos cadernos. Entretanto nos fogareiros caíam salsichas e morcelas, nacos do cachaço e do lombo, pão caseiro e saladas de pepino para acompanhar, uma delícia de carnes, um pavor de verduras.

Momentos altos do certame, o desenterro da garrafa de vodca que tinha sido refundida no ano anterior e que tinha passado aquele tempo todo debaixo da terra, sob chuva, neves e vento, guardada por uma pedra ancestral. Essa pesada pedra foi retirada por dois ou três dos homens mais novos sob a supervisão atenta e interventiva dos anciãos, mais para a esquerda, força rapazes! Eu não participei porque ainda tenho apenas o estatuto de observador e limitei-me a dar apoio na logística, afastar ervas por exemplo. A caixa foi resgatada e o conteúdo recuperado, garrafa encetada e todos beberam da e vodca!mesma aguardente, homens e mulheres, jovens e velhos, o mesmo espírito e a mesma filosofia. Um tio viu-me meio encavacado e perguntou-me se já tinha bebido estendendo-me o copo depois de ouvir a resposta. A vodca estava quase gelada, escorreu que parecia água, hei-de meter uma garrafa de medronho no frigorífico para ver se faz o mesmo efeito.

Ao cair do sol a família começou a desmobilizar, nós também levantamos ferro porque depois daquela tempestade de carne a única visão que nos dava gosto ter era a do nosso sofá aberto e assim se cumpriu mais uma etapa de integração aparentemente com bons resultados, os primos ficaram agradados por eu ter conversado (oh, um estrangeiro que fala polaco!), os parentes homens beberam comigo e a futura sogra chamou-me à parte para me dar um taparuére de banha caseira com torresmos. - Sei que a Ewa não gosta disto mas acho que tu gostas -  disse ela quase em voz de conspiração como se estivesse a contrabandear o produto, Mas é verdade, gosto da banha e fiquei satisfeito por a senhora se ter dado ao trabalho de separar um pedacinho para mim. Sempre ouvi dizer que mais vale cair em graça do que ser engraçado.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Parece fácil…

Pergunta da Marta numa aula de V semestre:

- Fotocopiadora é o nome da máquina que faz fotocópias?

O professor, em tom solene, sentencia:

- É.

A Marta leva a borracha do lápis à boca e começa a mastigá-la com cara de quem não está convencida da resposta. Pergunto-lhe:

- Alguma dúvida?

Ela, com o ar mais cândido e doce do mundo olha para mim e dispara:

- E como se chama a pessoa que faz as fotocópias?

Eu, numa vã tentativa de disfarçar o embaraço em que a questão me colocou e para evitar a sobreposição de conceitos, invento:

- Operadora de fotocopiadora.

A Marta arregala os olhos, eu percebo imediatamente que foi pior a emenda que o soneto e atalho:

- Secretária, Marta. Secretária.

As alhadas em que esta gente me mete…

domingo, 16 de outubro de 2011

E amanhã já é segunda

Universidade de Varsóvia Alguns filósofos gregos diziam que cada um de nós já nasce com todo o conhecimento e que só temos de lembrarmo-nos, tese com a qual não concordo porque à data do meu nascimento não havia garantidamente nenhum recanto do meu cérebro que tivesse informação sobre gramática polaca passível de ser recordada décadas depois. Talvez porque no antigo dos tempos houvesse menos coisas para aprender e entender os gregos dispusessem de mais vagar para pensar, raciocinar e postular sobre o que observavam, coisa que eu também fazia não há muito tempo, hábito saudável de que tive de abdicar em favor duma maior carga horária de trabalho - o cifrão é quem mais ordena. Já não tenho tempo para me sentar a ver o vaivém de almas a saírem dos túneis de comboio e metropolitano como se tivessem sido vomitadas pelas composições cansadas de mastigar tão maçador e indigesto alimento, nada disso. No meu mester a coisa é de extremos, maré cheia e maré vazia, ou bem que fome ou bem que fartura, desde meados de julho que não folheava manuais nem assinava contratos, que não corria atrás de elétricos nem acordava antes do sol mas essa era já se finou, o vazio na grelha do horário está bem preenchido e é tempo de virar frangos, sete, oito ou oito horas e meia por dia a disparar regras e exceções, conceitos e definições com vagar só para molhar a goela e chupar um drope de menta entre salas e corredores. A coisa tornou-se mais apertada em virtude dum convite daqueles irrecusáveis, uma proposta dum "grande", o contrato da vida: A excelsa instituição que é a Universidade de Varsóvia reconheceu em mim capacidades bastantes para que constasse no seu corpo docente e abordou-me para que colaborasse com eles. Não se diz que não à Universidade de Varsóvia, por isso aceitei inchado de orgulho e honra tão ilustre convite e eis-me dum momento para o outro a passar portões ilustres, sentar-me frente a turmas de vinte e tal jovens que me tratam na terceira pessoa. Não pude esconder a impressão que me causou pedir as chaves na portaria, subir as escadas, enfiar a chave na fechadura e abrir a porta de uma sala, não qualquer sala mas uma sala da universidade mais conceituada do país. Olhei para as mesas e cadeiras, quantos líderes terão estudado nelas, quantos decisores terão por ali passado, quanto saber, quanta ciência, quanto conhecimento terá sido transmitido e apreendido dentro daquelas quatro paredes? Estava eu absorto e maravilhado com a minha nova realidade quando tocou para a entrada e os alunos ordeiramente trataram de ocupar os seus lugares, o espetáculo ia começar.

Rodos Passei as férias do verão em Faro, como é hábito e costume, mas também dei um salto à Grécia para me estender sob o sol mediterrâneo da ilha de Rodes. É importante conhecer além dos limites do nosso jardim e assim aproveitei uma promoção de último momento para adicionar mais um país e um povo à minha lista. Lá conheci o senhor Andreas, cinquentão de Atenas, cabelos anárquicos, barba descuidada, barriguinha de quem está de bem com a vida que, depois de uns tiros de tequila, me contou a sua história de vida, ele que foi engenheiro aeronáutico até se ter saturado do trabalho e ter montado uma fábrica de rótulos, posteriormente um restaurante e mais outro, logo três, todos em Atenas. Um dia estava a passear pela ilha de Rodes e viu uma enorme praia deserta sem vivalma por perto, teve a ideia de ali construir um bar, solicitou informações, pediu licenças e ergueu o Mojito Bar de madeira e palha. O estabelecimento é modesto, a eletricidade é fornecida por um gerador a diesel que está atrás da casa de banho, como a casa fica afastada da civilização - a esposa e filha moram na cidade de Rodes que fica a mais de 60km - o dono dorme numa rulote que não deve conhecer outro pouso há muitos anos. Nestas condições passa o sr. Andreas sete meses por ano, de maio a outubro. Quebrados alguns pudores, a tequila é um solvente de barreiras sociais, decidi atacar o tema que mais me estava a dar comichão:

- Ó sr. Andreas, mas isto rende alguma coisa?

- My friend - respondeu ele num ingrego de vogais abertas e érre carregado, os olhos fundos a fugirem do fumo do cigarro que mora permanentemente pendurado na boca - O ano passado faturei 200.000 euros, os meus empregados ganham 1500 por mês fora as gorjetas. Não tenho um tostão, só não rebento o que vai para os estudos da minha filha. Amanhã? Eu vivo hoje, amanhã não sei se vem uma tempestade e leva a barraca para o mar ou se me dá um ataque cardíaco. Vive o hoje, my friend, o que vier amanhã virá.

Aí parei e fiz contas. - Um mês de trabalho de verão naquele bar, 10 horas por dia, pagava-me três meses de renda de casa em Varsóvia.Misha na caipira Hmmm… No fim da noite, eu e ele cheios de tequila e mojitos, ele ofereceu-se para nos levar ao hotel, uma marca da generosidade que já tinha demonstrdo ao deixar-me preparar caipirinhas para os meus amigos e de me ter dado uma garrafa de Bacardi Lemon (ele tem contrato de exclusividade com a marca e na Polónia não há esta versão do rum).

Comparar a vida doida que levo agora com a despreocupação deste senhor, tranquilo e sereno, sorvendo tequilas e fazendo mojitos ao ritmo da calmaria que há naquela baía, pensando que não me importava nada de fazer o que ele fez, mandar tudo dar uma grande volta e fazer do relaxe modo de vida. Os gregos, o sr. Andreas e os outros que conheci, fizeram-me recordar dos portugueses há 15 anos, alegres e hospitaleiros, abertos e comunicativos. Os meus compatriotas agora estão mais tristonhos e cabisbaixos, não riem tanto, não celebram tanto. Percebo porquê, a vida deles não está para festas nem para foguetes. Os gregos, porém, têm muito mais problemas do que os portugueses e continuam a gozar a vida, a beber o vinho e a cantar como se fosse o último dia das suas vidas. Se calhar até será, no estado em que estão as finanças do país ninguém aposta um euro em que a Grécia chegue ao Natal. Se calhar é por isso que cantam e dançam, para afastar o pessimismo. Se calhar é por andarem e terem andado a cantar e a dançar que o país está nos apuros em que está, não sei.

Sei que a excelente Universidade de Varsóvia conta de novo comigo amanhã a partir das 9:45 da manhã para ensinar Português aos futuros timoneiros da Polónia, essa é a minha missão e que muito me orgulha… mas aquela vidinha de rum e hortelã durante metade do ano não me sai da cabeça.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Quatro anos

Polónia Quatro anos já se passaram desde que passei a fronteira germano-polaca em Zgorzelec, um bocado que justifica um balanço parcial da minha estadia na Polónia. Quatro anos é o intervalo de tempo entre dois Mundiais de futebol, duas legislaturas, dois anos bissextos, é como um quadrado de tempo em que voltamos à casa de partida depois de percorrer todos lados. Muita coisa mudou no mundo entretanto desde esse longínquo dia de 2007 até ao momento em que componho estas linhas, por exemplo:

  • Steve Jobs apresentou a primeira edição do iPhone enquanto Bill Gates saía da cadeira do poder da Mirosoft. Posteriormente a Apple lançou o iPad e versões melhoradas do iPhone;
  • Portugal procurou Madeleine McCann, preparou o Tratado de Lisboa e escolheu as Sete Maravilhas do Mundo moderno sendo que a menina inglesa ainda não apareceu;
  • A Polónia entre outros abriu as suas fronteiras aos países da União Europeia ao abrigo do Tratado de Schengen;
  • Nasceu uma nação na Europa, o Kosovo;
  • O Acordo Ortográfico entrou em vigor;
  • Barack Obama tornou-se no primeiro presidente não-caucasiano dos Estados Unidos da América, ganharia pouco tempo depois o Prémio Nobel da Paz e acompanharia em tempo real a operação militar que culminou com a execução de Osama Bin-Laden;
  • Rebentou uma crise económica de proporções mundiais no mesmo ano em que Bernard Madoff foi revelado como o protagonista da maior fraude financeira da história;
  • Morreram Vasco Granja, Michael Jackson, Júlio Resende, Elizabeth Taylor, José Saramago, Amy Winehouse, Bobby Robson, Raul Solnado entre outros;
  • O casamento de homossexuais foi legalizado em Portugal;
  • Lech Kaczyński, à altura Presidente da República da Polónia, falece num acidente aéreo tal como um grupo de importantes individualidades do país;
  • A plataforma petrolífera Deepwater Horizon localizada no Golfo do México explodiu causando uma das maiores marés negras de sempre;
  • Um vulcão islandês condicionou o trânsito aério no espaço europeu cancelando milhares de voos e entupindo os meios de transporte alternativos;
  • Eclodiram revoltas populares no Maghreb, primeiro na Tunísia mas espalhando-se rapidamente por países vizinhos como a Líbia e o Egito culminando na deposição dos respetivos líderes políticos, Khaddafi e Mubarak respetivamente, dois dos estadistas há mais tempo no poder;
  • Um sismo de dimensões extraordinárias flagelou o Japão provocando um tsunami que afetou a central nuclear de Fukoshima causando uma fuga radioativa. Morreram mais de 10.000 pessoas;

Swinojuście O Mundo mudou desde aquela noite 8 de Outubro de 2007 em que, ao volante do Chrysler da Iza, entreguei o meu passaporte a um guarda fronteiriço polaco. Trazia o carro cheio de coisas, malas de roupa, sacos com livros, trazia uma bagagem de ilusão e de vontade de construir, de criar, de fazer o que não podia fazer na cidade e no país onde nasci tendo sempre a consciência das limitações mas com grande crença nas minhas capacidades. Devagarinho o tempo parece-me dar razão à minha escolha, a experiência tem sido excelente e o meu futuro passa cada vez mais por Varsóvia e pela Polónia.

Lembro-me como se fosse hoje, o último almoço com amigos e a última gesto que tive antes de me fazer à estrada: Visitar a minha avó e pedir-lhe que olhasse por mim nesta aventura, ela tem-no feito e eu prometo não a desiludir.

Quatro anos. Não me arrependo, muito pelo contrário.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Hoje o tema é: Colhões - Tê-los ou não os ter

Palikot Janusz Palikot é um nome que não diz nada a ninguém que more fora da Polónia, também não há-de dizer muito a grande parte dos polacos que vivem no seu país. Palikot é um político polaco de estilo algo hollywoodesco, gravatas e camisas coloridas tal como o seu discurso político cheio de retórica e prosápia, uma ou outra demagogia como manda a cartilha de todo o político que se preze. Comanda um partido pequeno, foi eleito para o Sejm por duas vezes - 2005 e 2007 – mas fixe este nome se fizer favor.

No próximo fim de semana vão haver eleições legislativas na Polónia, parece que foi na semana passada que tinha escrito sobre este tema e já se passaram quatro anos, uma legislatura cumprida sob a batuta da direita liberal do partido PO encabeçado pelo primeiro-ministro atual, Donald Tusk, que lidera as últimas sondagens com 37,4% dasRydzyk intenções de voto. O principal adversário na corrida continua a ser o inefável Jarosław Kaczyński, irmão gémeo do ex-presidente falecido no acidente aéreo de Smoleńsk, personagem popular entre a Polónia rural e apoiado pela poderosa máquina mediática da Igreja orquestrada pelo influentíssimo padre Rydzyk cujo partido PiS está com 29%. Seguem-se no pelotão o SLD de esquerda, não comunista porque o comunismo é anticonstitucional na Polónia, com 10,5% e o Movimento Palikot com uns interessantes 8,5%, partido que se posiciona como de centro-esquerda. Esta última força política, na qual centro o meu foco de atenção, é considerada muito importante na configuração do futuro Governo da Polónia pois a sua percentagem de votos pode ajudar qualquer um dos outros partidos a obter maioria no Parlamento. É importante perceber que a direita liberal, PO, não vai conseguir maioria absoluta, os esquerdistas esperam uma oferta de aliança justamente do PO para chegarem ao Poder (só neste país, uma coligação direita-esquerda) e que, apesar de ninguém querer misturas com os fundamentalistas católicos do PiS, estes conseguem sempre mais votos do que as sondagens indicam. E porquê? Porque muitos eleitores têm vergonha em dizer que vão votar PiS e guardam a opinião para a traduzirem no boletim de voto.

É com estes ingredientes que se vão cozinhar as próximas eleições, que se luta voto a voto, que se produzem declarações mais ou menos bombásticas e que se apresentam programas e propostas eleitorais. Uma delas, extremamente pertinente, foi avançada pelo Movimento Palikot que, considerando a grave crise económica mundial da qual a Polónia não está totalmente imune, propôs a extinção dos benefícios fiscais e subsídios estatais à Igreja. Por outras palavras, Palikot desafiou o clero a pagar impostos e foi direto ao coração do monstro - Rydzyk.

- É inconcebível que hajam bispos milionários como Tadeusz Rydzyk que ganhou uma fortuna gigantesca ao serviço do povo. Porque não seguem o exemplo de João Paulo II, que morreu sem levar um tostão? - trovejou Palikot ontem em Poznań.

colhões Se eu pudesse votar, Palikot contava com a minha cruzinha. Como eu não posso votar cumpro o meu dever cívico doutra forma, divulgando esta proposta no meu blogue para que alguém a leia e que a faça chegar a sede própria. Seria bom que os políticos portugueses tivesses os colhões pretos o suficiente para exterminar as vacas sagradas que continuam a passear a sua opulência entre um povo cada vez mais explorado e esmifrado, há por aí alguém que preencha o requisito?

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Polónia – Portugal

Estádio Nacional No dia 29 de fevereiro de 2012 vai ser inaugurado o Estádio Nacional, uma obra essencial para o Campeonato Europeu de Futebol que se vai desenrolar na Polónia e na Ucrânia do decorrer do próximo ano uma vez que o jogo de abertura do torneio está agendado para este mesmo estádio em Varsóvia. Entre muitas cerimónias protocolares e de corta-fita há um jogo de futebol no programa, afinal o prato forte da abertura. Seleção convidada para abrilhantar o certame? Portugal.

O jogo vai servir como preparação para os selecionados polaco e português mas também para as equipas de organização e segurança da infraestrutura. O presidente do Instituto Nacional do Desporto da Polónia, Rafał Kapler, chama a atenção para a dimensão do desafio que é organizar jogos de futebol com tais protagonistas mas também aponta o foco para um outro encontro a disputar no mesmo estádio duas semanas antes, a final da Supertaça da Polónia na qual se vão encontrar os arquirrivais Legia de Varsóvia e Wisła de Cracóvia. Acerca deste jogo Kapler afirma ser “um jogo verdadeiramente de teste para o staff do estádio”.

Fico muito honrado pela seleção do meu país ser a convidada de honra para a abertura de tão importante recinto e muito contente por ter aPolónia - Portugal em Chorzów  Legia a jogar no mais importante palco de futebol da Polónia. A minha carteira é que não deve ficar muito satisfeita comigo e com as dentadas que lhe vou dar daqui a quatro meses mas há razões que a razão desconhece e estes dois grandes jogos de bola em tão curto espaço de tempo merecem o sacrifício. Além disso em termos de bola temos umas contas a ajustar com os polacos, lembram-se?

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O que é que a gente tá aqui fazendo? - 11

rua Emilii Plater É curioso voltar a um lugar estranho mas não de todo desconhecido, parece que as coisas que estamos a ver pertencem a um fime diferente, não encaixam na nossa conceção do mundo porque não foi esse o cenário que nos rodeou enquanto crescemos. As coisas são parecidas mas não são iguais, as pessoas têm membros e olhos mas estes de cor diferente, conversam umas com as outras mas num código próprio, os prédios são muito maiores, têm portas e janelas mas de formato variado e têm sempre árvores com fartura em seu redor, a comida é preprada com os mesmos alimentos mas tem sabor distinto, o sol brilha mas não aquece, a noite não tem vento mas é fresca. Tudo dá a sensação de não estar em, ou pelo menos, de estar quase bem, as coisas quase que são como devem ser mas não é assim que são. Quase que são, apenas. Um exemplo.

As ruas são largas e os passeios tão largos quanto as faixas de rodagem. Não são calcetados com motivos decorativos, não têm a beleza estética da calçada portuguesa porque são de blocos de cimento iguais e incógnitos mas cumprem-se passeios, têm espaço que chegue para pedestres - mesmo os incapacitados e não lhes falta até lugar para acolher os automóveis mais gulosos que não se contentam com a estrada que é só para eles.

Mais casos idênticos podiam ser trazidos ao artigo mas não os julgo pertinentes, importante é, para mim, reportar a impressão que os olhosPrédios e Verde notam e as teclas registam, uma impressão de estar num lugar estranho mas não de todo desconhecido, onde as coisas não são iguais mas parecidas. Até os amigos daqui, grandes amigos daqui, falam no mesmo idioma que o meu mas dizem as palavras de maneira diversa, outro sotaque, outro calão, felizmente a mesma essência. Percebem? É como aqueles sonhos malucos – quais sonhos malucos? Nos sonhos tudo tem lógica, tudo encaixa bem – em que estamos num deserto mexicano a combater ao lado de Emiliano Zapata, paramos num pueblo para nos refrescarmos no bar local e sentamo-nos à mesa com o vizinho do 2º esquerdo a falar de telemóveis.

Às vezes sinto umas cócegas de nostalgia, pedaços de sal e sul que não se despegaram ainda do corpo e que empurram o pensamento para o título da crónica, o tom da pele tostada pelos sois algarvios e gregos também não deixa esquecer o verão e tocar a vida para a frente, seguir adiante e penetrar no lugar estranho a que já pertenço, e por isso não de todo desconhecido. Mas isto passa, são só as primeiras semanas, todos os anos é a mesma conversa.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Reentrada

rua Marynarska O céu está cinzento e a música já não se ouve, talvez o único som que se pudesse ouvir fosse o restolhar dos copos de plástico vazios a rolarem inertes no chão, de uma vassoura que leva as pontas de cigarro para uma pá de lixo, de alguma máquina de lavar louça ao fundo do corredor, vestígios de festas pretéritas. As toalhas e calções já foram lavados e engomados, colocados em gavetas longínquas, guardados até que venha de novo o estio. Os cremes e óleos também, catalogados e selecionados em sacos de plástico para não besuntar o resto, os talões do multibanco, testemunhos da farra sazonal, atirados para o lixo para evitar o agravamento da situação, olhos que não vêem é coração que não sente. O pingo nasal pela manhã recorda aquilo a que os meteorologistas batizaram de “acentuado arrefecimento noturno” e dá o mote ao fado que se vai escrever nos próximos dias, semanas, meses. Já não dá para dormir de cuecas, o lençol da cama tem de ser reforçado com uma camada mais grossa, mais agasalhadora. Faltam pouco mais que 101 dias para acabar o ano e três deles para começar o outono, a estação mais aborrecida do ano. Talvez por isso este estado conformado, resignado, talvez por isso este texto.

E então o regresso ao cinzento. O trabalho aparece a meio-gás, não ocupa muito o horário mas também não dá grande espaço para as outras coisas, deixa o dia picotado como os cupões de desconto dos supermercados. Não gosto destes dias, ou bem que os tenho inteiramente livres ou que estejam completos de trabalho. Dias como este sabem a qualquer coisa inacabada, uma insatisfação na boca, uma mulher linda com quem fazemos amor, um sonho de fêmea, mas sem nunca lograrmos chegar ao pico das emoções, uma bola ao poste depois de fintar meia equipa de enfiada. Os meus passos matinais recordam-me manhãs escuras de sol escondido, a garagem fria e a neve à minha espera, como possível tirar as pessoas do quentinho da cama a horas tão déspotas?, cafés com leite vagarosos, uma lástima de corpo cuja massa cinzenta ainda marina em lume brando algures na terra dos sonhos. Ainda não é tempo disso mas já se preparam as folhas caducas para o suicídio em massa, apenas esperam que alguém lhes dê o clique, alguém que as lembre que já não fazem falta. A rua Marynarska entope-se de carros em procissão a partir das 8:00, valha-me que a essa hora já estou dentro de gabinetes e escritórios, quando o pesado do rebanho avança numa direção já eu fujo no sentido contrário e não tenho de cheirar os cus de outras reses.

O que vejo através da janela não é tão ruim como o que verei daqui a 4 ou 7 semanas, contudo é uma paisagem bem diferente da que tive nas últimas 4 ou 7 semanas. É a volta ao cinzento que nem uma atuação bem conseguida na discoteca habitual consegue alegrar, apesar de já contar quase quatro anos a viver nesta terra sempre preciso de um período de mentalização para enfrentar a reentrada. Mas comigo tem de ser assim, forçar a nota no inverno para poder desfrutar no verão, não adianta lamentar nem barafustar. Alegra-me saber que amanhã o sol nasce outra vez e que depois deste cinzento todo que se avizinha o sol brilhará de novo, isso ninguém há-de mudar por muito ranzinza que Varsóvia seja. Como hoje.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A Praga das Pipas

Merceeria de rua à boca do metropolitano Na sequência da mania dos morangos e da febre da fava surge outra loucura do momento: As sementes de girassol que na minha terra se chamam pevides ou pipas e que eram vendidas na. As bancas de rua que antes exibiam frutos silvestres e espargos estão agora decoradas com dezenas de girassois cortados a meio caule e cheios de sementes na cabeça, lado a lado com merceerias mais comuns como batatas, dentes de alho e rabanetes, para que os polacos as comprem e carreguem sacos de plástico de tal mercadoria. Não sei qual o destino que os polacos dão às pevides porque a gerente da minha casa não investiu no produto, presumo que seja para enriquecer bolos ou pão caseiro, colocar nalguma sopa ou decorar qualquer outro prato típico mas nunca vi ninguém nesta terra comê-las como nós, tipo alimento isco. Já vi oferecerem girassois inteiros como prenda de anos, mesmo este sábado. Sabia que em algumas culturas o girassol é símbolo de felicidade e sorte, noutras diz-se que as suas sementes curam a infertilidademas mas na Polónia nunca me foi mostrado como comida.

Contrariamente ao nojo que sinto das favas, nada tenho contra pipas. Posso não ser um fã do produto mas não é coisa que me incomode, até sou homem para ratar umas quantas, não como o Cartaxo, arganaz insuportável, que roía aos três e quatro pacotes de pevides (e maisGirassóis à venda alcagoitas, sementes de abóbora, alpista, sei lá!) nas bancadas do S. Luís em tardes de Farense deixando uma imensa poça de cascas ao seu redor, mas só se mas forem oferecidas porque não gasto dinheiro nisso. Tenho as minhas fraquezas, claro, uma barra de Mars, batatas fritas com sabor a queijo e cebola mas depois dos quatro quilos a mais que trouxe de Faro e de Rodes essas tentações não cabem no cesto das compras, é tempo de derreter a banha, de dar ao canelo e de instaurar hábitos mais espartanos. As pipas não têm lugar na ementa, ou melhor, não terão lugar até que a minha senhora se lembre de comprar uma cabeça de girassol, trazê-la para casa e que me explique afinal que fazem os polacos com as pevides. Será que fazem óleo de girassol caseiro? Ou já andam a produzir biodiesel no quintal?