quarta-feira, 28 de março de 2012

Retalhos da vida de um Algarvio - 18

Varsóvia - Mokotów velho Estamos na época de euforias causadas pela subida da temperatura, a primavera que chegou e todo o novo ciclo de vida que representa. Nova disposição para enfrentar a vida, nova energia para resolver problemas, nova luz para encontrar soluções, moral e vontade. Tudo novo. Limpam-se casas de lés a lés e trocam-se mobílias, lavam-se carros por dentro e por fora mudam-se os pneus de inverno pelos de verão, compram-se peças de roupa mais frescas, começa-se a planear os feriados de maio. A primavera é um botão de reset para os polacos, todas as situações más que existiam há quinze dias são agora relativizadas, a questão das incómodas obras na cidade é agora encarada como necessária e até a sua celeridade é enaltecida. Parece que vivemos noutra terra sem nada a ver com o lençol branco e frio em que Varsóvia se transforma no inverno, uns cheirinhos de sol fazem milagres a este povo.

Aqui o vosso amigo não embarca no comboio da euforia primaveril, porque não se joga para o chão no inverno a chorar e a queixar-se do frio e da baixa pressão atmosférica como fazem os polacos, porque o inverno polaco é (para mim) 10 vezes melhor que o inverno algarvio - basta dizer que em quase quatro anos e meio que cá vivo constipei-me uma vez - e porque a primavera polaca não é uma estação de taaaaanto sol e de taaaaanto calor assim. A diferença é que temos dez graus positivos em vez de dez graus negativos e substituimos o cachecol pelo guarda-chuva, para eles é uma enorme diferença, para mim uma razoável melhoria.

Estou mais atento às ditas obras, principalmente a construção da segunda linha do metropolitano que me está a causar algumas comichões. Habituado a levar 25 minutos da porta de casa ao trabalho, agora tenho de contar com o dobro do tempo dado que a estação mais próxima do trabalho está encerrada tal como o cruzamento entre as duas ruas que uso para chegar à Universidade. Há dias tive de cancelar um compromisso devido a um evento triste, um suicídio na estação de metropolitano Centrum que empatou todo o trânsito de comboios entre o norte e o sul de Varsóvia, somando mais pessoas aos já repletos autocarros e elétricos que servem de alternativa. Comentei o sucedido com duas pessoas que me respoderam: "E tinha de ser no Centrum e àquela hora? Não podia matar-se fora da hora de ponta e numa estação menos concorrida?"

Fiquei admirado com estas reações, chocou-me a indiferença perante o drama de alguém cujo desespero foi ao ponto de terminar a própria vida num dos pontos de maior confluência de gente, onde havia mais testemunhas, onde o impacto era maior. A mesma indiferença com que eu tinha recebido a primavera, isso assustou-me, tomara que não seja um sintoma de aculturação em demasia.

terça-feira, 20 de março de 2012

Rocambole

Bruno Ladrão É uma personagem fictícia, uma criação de Ponson du Terrail, protagonista de fantásticas aventuras passadas na França da segunda metade do séc. XIX. Por vezes herói, muitas vezes vilão mas nunca discreto nas suas peripécias, deixou a sua vida relatada em volumes de literatura de metaficção, um género que recorda ao leitor que está perante uma peça imaginada e não real. Do seu nome origina o adjetivo rocambolesco que qualifica tudo o que seja inverosímil, inaceitável ou inadmissível como por exemplo, um discurso rocambolesco, um passeio rocambolesco e por aí fora. Infelizmente muitas coisas rocambolescas há em Portugal, a justiça no nosso país é rocambolesca, a evidente cartelização do preço dos combustíveis é rocambolesco, a diminuição do poder de compra dos portugueses em oposição a reformas douradas ou subsídios vitalícios de ex-administradores públicos é rocambolesca, a impavidez e sonambulismo com que os próprios portugueses assistem à exterminação da sua classe média sem o mínimo sinal de inconformismo é rocambolesco, arrisco a dizer que o próprio Portugal é um país rocambolesco.

Participante em aventuras e peripécias mirabolantes é Bruno Miguel Duarte Paixão, um engenheiro residente no distrito de Setúbal do qual não se conhecem proezas no campo social ou profissional mas ao qual todos são unânimes e consensuais na apreciação ao desempenho que assina no seu passatempo, que é apitar jogos de futebol. É mau, muito mau árbitro e voltou a prová-lo ontem em Barcelos onde deu asas à sua sede de protagonismo e de ser o centro das atenções. É um problema de foro psicológico e não é caso único, homens apagados que não atingem destaque nas suas vidas profissionais e pessoais, vivem vidas sem conteúdo e sem interesse até que chega uma altura da semana em que saltam para as parangonas, o nome em primeira página, finalmente o realce, a atenção. Bruno Paixão tem um profundo e grave desvio comportamental, mesmo sem ser especialista na matéria volto a sugerir que será um desequilíbrio psicológico, que não seria grande mal para o mundo se esse mesmo desvio não causasse prejuízos para a vida dos outros. Infelizmente Bruno Paixão prejudica gravemente a vida de muita gente a cada fim de semana, sempre que é chamado a arbitrar um jogo de futebol, e prejudica de norte a sul sem deixar ninguém indiferente. Clubes pequenos ou clubes grandes, de Lisboa ou do Porto, jogadores e treinadores, pessoas que obtêm o seu sustento da indústria-futebol, Bruno Paixão prejudica todos de forma equitativa fruto da sua vontade de aparecer e de dar nas vistas, sempre com um enjoado ar de prepotência e de uma altivez que faz perder a cabeça a um monge. Na minha opinião ele fá-lo de propósito. Sinceramente não acredito na teoria de que “ele não age premeditadamente”. Age sim, é visível que as decisões que toma são premeditadas e pode-se constatar através da sua linguagem corporal, dos esgares de arrogância com que fuzila os futebolistas que lhe ousam dirigir a palavra, no ar absorto com que conduz a partida coartando minuciosamente as jogadas de ataque daqueles a quem ele quer lesar, um ar de quem não está em uso equilibrado das suas faculdades mentais.

O cidadão Bruno Miguel Duarte Paixão tem urgentemente de deixar de apitar jogos de futebol porque não tem condições psicotécnicas para o fazer, é senso comum que abandone esta prática que já tanto denegriu. Se porventura ele continuar a ser convocado para arbitrar, e aí não será inteiramente culpa dele mas dos incompetentes e autistas que insistem em reconhecer neste rapazinho (porque é mais novo do que eu) qualidades que farão dele um árbitro de primeira liga, então sugiro que se faça um favor ao futebol português: Que se localize o paradeiro de Bruno Paixão e que se aja por forma a inutilizá-lo para a prática da arbitragem a bem de todos os clubes que este sujeito já ofendeu. Se a Pedro Proença deram um merecido murro no focinho então a Bruno Paixão deverá ser apresentada… a forca.

Instigação à violência? Não sei, o que é que vos parece? Eu cá não sou escoteiro…

quinta-feira, 15 de março de 2012

Ó Džeko! Tens alguma irmã?

Um exército de qualidade inferior, um ambiente contrário às nossas características, um oponente muito melhor apetrechado, mais forte, mais capaz. De um lado a humildade, a consciência da incapacidade de olhar o adversário diretamente nos olhos, peões armados de forma simples, a modéstia dos números* . Do outro a prepotência da superioridade assumida e reconhecida, a segurança dum couraçado inatingível, uma máquina trituradora e implacável, um portento de capacidades mil.

O cenário que Nun'Álvares Pereira encontrou numa dada manhã de agosto em Aljubarrota, o mesmo que Ricardo Coração de Leão encontrou numa noite de março em Manchester. Talvez Sá Pinto se tenha inspirado no Condestável para derrotar o Manchester City, o que é certo é que mais uma vez os menos munidos e menos equipados venceram os altivos e arrogantes. Que bom!

Matiiiiiiiiiias!

Sporting, tu és a minha vida. Eu sem ti não sei viver!

 

* €40.000.000 contra €370.000.000 de orçamento.

terça-feira, 13 de março de 2012

De como fazer a ponte entre Margaret Thatcher, Faro e a Guerra Fria

Quatro anos e quatro meses depois, as impressões que Varsóvia me causa são menos e menos. As coisas passaram a fase do "estranhar" para o "entranhar" e já não acho surpreendente entrar num elevador cheio e ninguém dizer "bom dia", não me assusta se um carro usa a faixa da direita para me ultrapassar apesar de eu disponibilizar a da esquerda sempre que posso, não me incomoda quando tentar entrar no metro ou no autocarro sem esperar pela saída de passageiros. Já me acostumei, o que não quer dizer que eu faça o mesmo. Copio os bons exemplos, aqueles que considero úteis e convenientes mas recuso os maus exemplos.

Posto isto faço um parêntises no meu raciocínio para comunicar que vi com grande expetativa o "The Iron Lady", filme inspirado na vida de Margaret Thatcher, a primeira mulher primeiro-ministro em Inglaterra e uma das mais célebres estadistas da história. Thatcher fez parte da minha infância, os anos 80 das duas superpotências, da Guerra Fria, do Nuclear, das organizações terroristas europeias, do aiatolá Khomeini, da Corrida das Estrelas. Eram os tempos em que os americanos armavam e treinavam os mujahedins que mas tarde passariam a ser conhecidos como talibans, que a União Soviética tinha um quintal europeu chamado Pacto de Varsóvia e que pessoas como Ronald Reagan, Yasser Arafat, Mikhail Gorbachov e até Lech Wałęsa decidiam o futuro do mundo, um mundo dividido entre comunistas e capitalistas. Thatcher era peça importante nesse xadrez, dura e inflexível, determinada na aplicação das políticas que melhor serviam o país. Travou batalhas intensas e desgastantes como a questão dos separatistas da Irlanda do Norte, a invasão das Falklands e greves de dois anos do setor mineiro. Fiel ao princípio de servir a nação, a Dama de Ferro é hoje considerada pelos seus compatriotas como o melhor primeiro-ministro britânico desde Winston Churchill, reconhecimento que felizmente Thatcher ainda recebe em vida. Este parêntises vem a propósito de maus exemplos e de chefes de estado. Arafat, Thatcher, Reagan eram exemplos de estadistas que procuraram dotar os seus países e os seus povos de melhores condições, de mais bem-estar, pessoas com ideais inalienáveis que não se vendiam, defendiam causas insuspeitas. Hoje os políticos querem salvar a sua pele acima de tudo, querem orientar-se, sacar o mais possível mesmo que para isso sacrifiquem o seu vizinho, o seu parceiro.

Cresci com esses nomes nas notícias e o ambiente da Europa de Leste sempre me fascinou, imaginei o meu espanto e delícia quando entrei para dar aula numa sala da Universidade e deparo-me com este autêntico tabuleiro de Wargames à frente da minha secretária.

Guerra das Estrelas

Seriam mísseis ou escutas telefónicas? Esmagar uma manifestação ou interrogar um insurreto? Talvez lançar os cães da SB, a PIDE polaca? Não sei para que serviram os botões mas entrar naquela sala e sentar-me aos comandos daquela máquina... E o gravador de bobines? Até me vieram as lágrimas aos olhos!

Gravador de bobines