quarta-feira, 27 de abril de 2011

Varsóvia – Aberto 24 horas

Tesco24 Chegas tarde a casa do trabalho, vais ao frigorífico e vês que desgraçadamente não há leite para o pequeno-almoço (no meu caso, nem para o almoço nem para o jantar). Então tens duas hipóteses, ou levantas-te mais cedo na manhã seguinte para ires às compras, uma ideia horrível porque eu adoro dormir e cada pretexto para ganhar 10 minutos de cama é válido para mim, ou percorrer 1,5 km em linha reta até ao Tesco, um hipermercado aberto 24/7. Lá posso até comprar mais coisas calmamente, sem grandes filas, por exemplo às 4:00 se quiser evitar horas de ponta ou se faltar o papel higiénico num momento mais melindroso.

Entretanto a Maria adoece, começa a tossir bastante, sente-se febril, todos os sinais de quem está a chocar uma daquelas valentes. Não há problema porque a 700 m há uma farmácia também aberta 24/7 que não cobra um grosz porFarmácia incomodarmos as pessoas às tantas da madrugada nem que seja para comprarmos umas pastilhas para a garganta inflamada. Isto se seguirmos as indicações do médico ou do farmacêutico porque para a medicina tradicional polaca também há estabelecimento constantemente disponível, as inúmeras sklepy monopolowe, espaços mistos de loja de conveniência e adega, autênticos oásis para a sobrevivência que vendem uma gama completíssima de vodcas, cervejas, refeições pré-cozinhadas, tabacos e outros bens masculinos essenciais a qualquer hora do dia ou da noite e que serão alvo de análise mais individualizada num futuro próximo.

Acreditem. Dá muito jeito ter coisas assim à mão de semear.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A diferença entre ser um algarvio e ser o algarvio

Palácio na Primavera Nos últimos dias têm-me perguntado com frequência inusitada há quanto tempo vivo na Polónia, se não tenho saudades do meu país, se não sinto vontade de regressar. Sei que um português na Polónia é avis-rara, quase como um animal exótico, ainda por cima algarvio e com um razoável domínio do idioma indígena. Sinto-me confortável no papel de um quase alien que desperta a curiosidade das pessoas que me interpelam e que querem saber os motivos e razões que me prendem a esta terra – ainda ontem tive uma última aula com um grupo de estudantes de nível principiante e lá tive de relatar o meu conto, os altos e baixos e algumas peripécias da minha vida na Polónia. Constatei o ar de satisfação que exibiram após a minha confirmação de que quero realmente passar aqui mais anos e que gosto muito da forma como o País me aceitou, eles ficaram contentes e eu também. Uma dessas ouvintes fez-me uma pergunta pertinente:

- E não tens flash-backs? Por exemplo, andar na rua e algo te inspirar uma imagem, um momento ou uma rotina da qual sintas falta na tua terra?

A questão tem de interessante o que tem de impossível. Varsóvia é demasiado diferente de Faro para que cause esses lampejos de memória, para que me faça cair na nostalgia do passado ou na tristeza dos idos da juventude. Nada em Varsóvia me recorda Faro. O Vístula não é a Ria Formosa, a rua Chmielna não é a Rua de Sto. António, as peladas na Hala Pilkarska não são iguais às do Liceu, o Żurek não é feijão com massa nem as pernas femininas se podem comparar. Em Varsóvia não há casas térreas caiadas nem senhoras de idade sentadas à porta de casa apanhando sol, não há carros com pranchas de surf ou wakeboard no tejadilho a caminho da praia, não se combinam acampamentos no Farol ou na Ilha de Tavira nem se vai jantar fora todos os sábados como se faz(ia) em Faro. Varsóvia tem bares e discotecas do tamanho dos pavilhões de Faro, tem mais pessoas num restaurante que Faro tem na Praça, agora que o tempo está bom há mais gente a passear na Nowy Świat e na Krakowskie Przedmieście numa tarde do que nos três dias da Batalha de Flores em Loulé.

- É que no folclore da minha terra se diz que quando temos flash-backs é porque estamos no ano da nossa morte. Então, ou regresso ao meu país (ela é romena) ou parto para outro e começo de novo.

Compreendo o ponto de vista dela mas entendo que é muito cedo para ponderar qualquer uma das opções. Regressar a Portugal a título definitivo está totalmente posto de parte a curto / médio prazo por razões que já aqui foram amplamente divulgadas e trocar a PolóniaScrat por outras paragens, apesar de algumas tentações, também não está em análise porque considero não ter ainda conquistado um décimo do que sinto poder atingir cá. Por cada porta que quero abrir tenho de me esforçar para alcançar a chave através de processos morosos que passam por conhecer as pessoas certas através duma ação massiva e constante no sentido de estabelecer reputação e renome, tentar estar no sítio certo na altura devida e saber procurar a sorte de nos ser dada a oportunidade de pormos em prática os talentos, a habilidade, o saber que pode fazer a diferença. Quando alcanço essa chave para essa porta e abro-a vejo que se descobrem às vezes mais duas ou três portas, cada qual com a sua chave de complicado acesso, cada uma encerrando oportunidades, possibilidades, desafios cada vez mais exigentes e portanto irresistíveis. É um vício, este de andar atrás da chave que abre uma porta só para saber quantas portas ela tem atrás de si.

Sinto-me um pouco como o Scrat do filme “A Idade do Gelo”, ainda só tenho conseguido esgravatar a camada superficial de gelo mas pouco a pouco consigo vislumbrar as cores da terra e da relva, sinal que vai havendo cada vez menos distância entre mim e os meus objetivos. Tenho saudades, claro, das minhas coisas e gentes muito farenses e algarvias mas enquanto eu tiver genica para andar a correr atrás das chaves não vai haver flash-back nenhum que me prenda o passo. Além do mais, não vou desperdiçar três anos e meio de adaptação e integração na sociedade e costumes polacos a não ser por um muito bom motivo.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Atualidade política

Uma conhecida publicação polaca resolveu debruçar-se sobre o assunto mais importante do país.

Co nas

Tendo em conta a estação do ano, o tema reveste-se de vital importância.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Aquele dedo maroto

Smolarek e Arboleda No tempo em que eu era jogador tive um colega de equipa chamado Coelho, Washington Conejo, Zé Carioca ou apenas Doutor para os mais chegados. O Coelho era um tipo daqueles que não existe, grande companheiro de boémia, imperador do bas-fond e dos paradores além-Guadiana onde orgulhosamente apresentava as meninas aos colegas e, cliente assíduo, trazia depois o relatório da impressão causada no mulheredo. Dentro de campo o Coelho era genial, mago das fintas de corpo, desequilibrava os adversários só com uma ginga de cintura, não era um portento de força nem um torpedo de velocidade, mais jogador de tabelinhas, progressão lenta mas segura para depois assinar o último passe, normalmente açucarado para o avançado empurrar e marcar golo fácil. Washington tinha de genial o que tinha de indisciplinado taticamente, o treinador punha-o a jogar de segundo ponta ou trequartista como se diz no futebol italiano e ele vinha buscar a bola à entrada da minha área nos pontapés de baliza, ralhando comigo se eu o enxotasse para a posição dele. Era dar-lhe a bola senão ele fazia um escândalo dentro de campo. Lá lhe passava o repolho e ele seguia quase a passo, driblando todos com o olhar e com aquela cintura malandra, a cabeça semi-calva denunciando os 30 e tais, serpenteando entre os pitões mais malvados que lhe ameaçavam o joelho onde morava a título perpétuo uma joelheira elástica tão velha quanto ele – nós no gozo dizíamos que ele às vezes trocava-a de joelho e que o acessório era só para dar estilo. Este meu camarada era também exímio na provocação aos adversários, malícia em pessoa e vi-o fazer coisas que eu não faria ao meu pior inimigo. Uma que ele me contou foi horripilante, num jogo de primavera, calor terrível, todos suados, o Coelho a ser marcado impiedosamente por um defesa mais duro que lhe mordia os calcanhares não lhe dando sossego, bufava-lhe no pescoço, chamava-lhe nomes, rogava-lhe pragas. Ao intervalo o treinador puxa-lhe as orelhas, diz que ele está a dar-se à marcação, que precisa fugir, ser mais bulicioso, evitar aquele defesa vampiresco. O Coelho entra na segunda parte com a cabeça em água da piçada que o mister lhe deu e só pensava em livrar-se daquela peste quando reparou que o gajo tinha bigode, vai daí tratou de meter um dos dedos no seu próprio “tubo de escape” e esfregou a colheita nas ventas do adversário desorientando-o de tal forma com o fedor e com a porca ação que puxou da culatra atrás e arreou um banano no Doutor sendo obvia e imediatamente expulso do jogo. Aí o Coelho respirou fundo liberto do bigode que empestava o balneário visitante enquanto espumava de cólera e pôde começar a jogar tranquilamente como sempre gostou naquela bitola mansa, cadência compassada, fintando os rivais como se se desviasse de buracos no chão.

Vem esta estória a propósito da mais recente controvérsia no futebol polaco, o caso ocorrido na passada sexta-feira no Polonia-Lech da 21ª jornada do campeonato e protagonizado pelo internacional polaco Ebi Smolarek, infelizmente bem conhecido dos portugueses, e o central colombiano naturalizado polaco Manuel Arboleda. Entre provocações mútuas normais dentro do retângulo de jogo, encostos, cotoveladas e ditos mais desagradáveis, de repente um murro de Smolarek em Arboleda e o colombiano a rebolar pelo chão contorcendo-se com o cartão vermelho a ser exibido perentoriamente ao avançado da equipa da casa e um amarelo mostrado ao defesa dos ferroviários. A polémica estalou com os microfones dirigidos a Smolarek registando as declarações deste que revelavam que “Arboleda quis enfiar o dedo onde não devia”.

Aqui os analista puxaram a cassete atrás e examinaram o comportamento do defesa sul-americano constatando que de facto o colombiano passou a mão pelo traseiro do polaco despoletando a reação deste último. Numa altura em que se estuda a possibilidade de ArboledaArboleda e Smolarek representar a equipa polaca, Artur Sobiech, colega de equipa de Smolarek no Polonia e na seleção, já veio afirmar que “não precisamos de Arboleda na nossa seleção nacional”. O selecionador Franciszek Smuda já veio pôr alguma água na fervura dizendo que “se Arboleda for chamado à seleção as pessoas vão pôr os seus problemas pessoais de lado e irão apertar as mãos.” No entanto a opinião pública não tem Arboleda em grande consideração depois do sucedido no último fim de semana e fez do colombiano o vilão desta história, não fosse ele ter provocado o menino querido dos adeptos da seleção polaca. A polémica prossegue nos orgãos de comunicação social da Polónia.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Polónia – dia 365

Vítimas do acidente Domingo celebrou-se um pouco por toda a Polónia o primeiro aniversário do terrível acidente aéreo em Smoleńsk que vitimou o então Presidente da República Lech Kaczyński e um significativo número de políticos e figuras proeminentes da sociedade polaca, uma tragédia que ainda não sarou e que está bem viva na memória de todos os polacos. Na capital Varsóvia as cerimónias incidiram mais na Praça de Piłsudski e em frente do Palácio Presidencial. Confesso que senti uma certa curiosidade mórbida em assistir às diversas iniciativas que se destinavam a recordar e homenagear os falecidos mas o imenso vento que soprou durante todo o fim de semana aliado a uma irresistível preguiça levaram-me a ficar na preguiça todo o dia, agarradinho ao vício e a acompanhar os acontecimentos à distância.

As circunstâncias nunca devidamente explicadas nas quais se deu o acidente continuam a criar pasto bastante para os amantes das especulações, verdade seja dita que há imensas coisas que não têm contornos perfeitamente definidos e que se duvida que alguma vez venham a ter. As teorias de conspiração continuam a ser lançadas na praça pública e quase todas têm um denominador comum: os russos. Eles são os principais visados e apontados como estando por trás da queda do avião presidencial. A pergunta é óbvia – Porquê? Aí entram as explicações:

  • Terá sido uma vingança do Kremlin por Varsóvia ter alinhado com Tblissi aquando da Crise do Cáucaso. A Polónia foi uma defensora da causa georgiana desde o primeiro instante tendo até sugerido a admissão da ex-república soviética na NATO, Moscovo não esqueceu a afronta dum seu antigo subordinado e castigo-o com a subtração do seu Chefe de Estado levando de bónus um considerável número de personalidades do país. Como uma matreira aranha que atrai as suas presas à teia, a Rússia lançou o canto da sereia aos chefes polacos para que eles pagassem com as suas vidas o arrojo que tiveram ao apoiar um filho rebelde no seu arrufo contra a Mãe (Rússia).
  • Foram obtidos filmes no local do acidente onde se ouvem vozes e disparos, alguns desses filmes têm transcrições em polaco mas nenhuma é considerada fidedigna. Consta que foram os bombeiros do aeroporto os primeiros a chegar à cena do acidente, isso justifica as vozes e o movimento de pessoas em torno dos destroços do avião mas… os disparos? E o roubo de passaportes e alguns cartões de crédito das vítimas que registaram movimentos e compras mesmo depois dos seus titulares terem sido sepultados?
  • A caixa negra do Tupolev sinistrado nunca foi enviada para a Polónia para que os técnicos polacos pudessem fazer uma investigação à sua maneira, tudo o que Moscovo enviou foram cópias das gravações que nunca podem ser aferidas como verdadeiras. Pairará sempre a suspeita de adulteração de conteúdos e mesmo que se faça boa-fé nas ações dos russos, o que é contra as elementares regras do bom senso *, a Rússia recusa-se a enviar a caixa negra para ser analisada na Polónia. É o caso da mulher de César.
  • A Polónia descobriu que tem reservas de gás natural para não ter de depender do gás importado da Rússia. Sabe-se que este é um argumento de peso nas negociações com mão de ferro que Moscovo mantém com os seus parceiros da ex-URSS e que o Kremlin lança a interrupção do fornecimento de gás como trunfo irrevogável na imposição das suas condições. Por outras palavras, a Rússia diz como quer as coisas sob pena de cortar o gás e os governos aceitam o trato com medo de tiritarem de frio durante o inverno continental. Agora Varsóvia pode fazer um manguito ao gás russo e recusar tratados desfavoráveis porque consegue aquecer-se a si própria, o Kremlin não terá gostado da descoberta e terá agido em conformidade.

Este alguns exemplos das teses que circulam nos diversos setores de opinião polacos, uns mais defensáveis e pertinentes que outros, masLocal da queda numa coisa o povo converge e isso é na frustração que sentem ao sentir que é difícil ou quase impossível apurar a verdade. Mas isso não me surpreende, nós enquanto república ocidental – teoricamente mais cívica que as do Leste Europeu – fizemos inquéritos atrás de inquéritos, relatórios atrás de relatórios, análises de peritos, especialistas e entendidos, obtiveram-se confissões e testemunhos e nunca se publicou o que aconteceu em Camarate há quase 40 anos, infelizmente temo que também jamais se venha a saber o que realmente se passou naquela fatídica manhã de primavera em Smoleńsk.

* Os russos têm um ditado que diz: “Gente temos muita”, o valor que os russos empregam à vida humana é muito muito ‘diferente’ daquele que é dado pela sociedade ocidental.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

PIGS – Portugal Infelizmente Grama com o Sócrates

Há, na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa nem se deixa governar!

General Galba, séc III a.C.

Fui convidado pela TVP na qualidade de português residente na Polónia a dar a minha opinião sobre o pedido de ajuda externa de 80 mil milhões de euros que Portugal fez a Bruxelas. Depois do jornalista ter explicado a que se devia o telefonema hesitei dois segundos e pensei:

- Se quisessem que eu falasse sobre as coisas positivas do meu país, da nobre história e passado riquíssimo que temos, das gentes brandas e simpáticas que somos, do clima generoso e praias paradisíacas que oferecemos, eu concordava e não tinha problemas em falar disso ao povo polaco… Mas debater a esmola que pedimos? Nah!!

E desviei a pergunta alegando que não tinha tempo, argumento rechaçado porque a minha escola fica justamente em frente aos estúdios da Estação e em trinta segundos jornalista, cameraman e operador de som estariam comigo. O tema era delicado, o vocabulário limitado, muito para dizer e pouco como dizer mas o jornalista insistiu que podia notar que eu falava muito bem (para um estrangeiro) e que seria suficiente para os dez minutos que eles pretendiam. Acabei por anuir, vencido pela cansativa retórica do meu interlocutor.

Efeito dominó nos PIGS Senti uma enorme vergonha ao ouvir as perguntas sobre a esmola que Sócrates pediu à Europa, a assunção da incompetência portuguesa ao administrar os cornucópicos pacotes, fundos e subsídios com que a magnânima UE mobilou Portugal, a prova final que somos perdidamente irresponsáveis e que não somos capazes de gerir a nossa própria casa. Portugal foi marcado com o ferro escaldante dos PIGS como se fosse uma má rês, um indigente que sobrevive da caridade alheia, um negócio constantemente dependente de mecenas para não fechar a porta. O pejo que tive em falar destas coisas, sentir que um punhado de milhões de polacos iam ouvir o meu relato para se documentarem assustou-me e acanhei-me na hora de falar, eu que sou um cara-de-pau nato. Tive pena de mim, de nós, de todos nós aqui no Leste Europeu ou aí na costa atlântica. Tive pena das pessoas que trabalham todos os dias sem saberem se o emprego se mantém no mês seguinte, sem poderem fazer planos de férias ou constituir família, sem poder tampouco aspirar a ter a sua casinha porque estão a recibos verdes ou a contratos de três meses. Tive pena daqueles com 64 anos que contavam os dias que faltavam para a reforma e que foram esbofeteados com o novo panorama que os poderá obrigar a arranhar ainda mais dois anos antes que finalmente se aposentem, daqueles cujos medicamentos são em cada vez maior quantidade e cada vez menor comparticipação, daqueles com crianças para sustentar e para irem à escola e que perdem o emprego porque o Sr. Administrador não considerou baixar 5% do seu principesco salário para salvar esses postos de trabalho. Tive pena, vergonha e senti alguma humilhação por representar esta gloriosa Nação que é Portugal vestindo roupas de mendigos.

Todas as pulhices que este Governo fez a Portugal são inqualificáveis, com Sócrates assistiu-se à mais descarada manifestação de saque e roubo que há memória na nossa Pátria. Empresas públicas, Institutos, nomeações e promoções, prémios e lucros obscenos distribuidos entre os membros duma quadrilha que depenou o país, comeu a carne e chupou os ossos dos portugueses para no cúmulo da pouca vergonha e depois de arrotar de farto, ajustar o nó da gravata, exigir um grande plano televisivo favorável e encarar as suas presas com ar grave e de grande pesar, anunciando a penúria e a pobreza, trevas e tristeza, frio e fome.

Senhor José Socrates (porque o senhor não é engenheiro coisa nenhuma), fique ciente de que se eventualmente lhe passar pela cabeça visitar Varsóvia, a título do que quer que seja, há um português vivente nessa terra que encarregar-se-á de recordá-lo da vergonha que ele sentiu ao explicar aos polacos o que o senhor fez a Portugal. Não ponha cá os pés em representação de Portugal, o senhor é indigno da sua nacionalidade, do Povo que representa e até do sal que come.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Polska Niezwykła II

Munições Há dias li uma notícia triste dum casal de crianças novinhas que brincavam no terreno da casa onde sempre viveram e que morreram após terem pisado uma bomba que estava no próprio quintal. Apurou-se que a bomba em questão eram sobras da II Guerra Mundial e que ninguém sabia da sua existência com a agravante daquele ser um terreno pertença da família há décadas e onde as infelizes crianças brincavam desde os seus primeiros dias. Um incidente que não é virgem como aqui já foi referido.

O Przemo contou-me que nos seus tempos de adolescente, há talvez trinta anos, uma das brincadeiras preferidas era ir a um campo ermo nos arredores da sua cidade (Poznań) onde os rapazes tinham encontrado um arsenal alemão enterrado junto ao rio Warta, trazer à superfície as caixas de munições e desmantelar balas aproveitando a pólvora para fazer experiências com tijolos e canos, tampas e rolhas de garrafa. Relatou-me até um episódio em que um amigo descobriu um morteiro intacto e exibiu-o orgulhoso aos camaradas. Falou-me ainda de um amigo que lhe mostrou um bunker construído no subsolo da sua vivenda à saída de Poznań com uma rede tentacular de túneis que lhe permitem ir da sala à garagem que fica a 50m da porta de casa sem apanhar um pingo de chuva.

O mesmo Przemo, para rematar o meu espanto, explicou-me que na Polónia é obrigatório fazer um exame ao solo antes de se iniciar qualquer construção para evitar estes casos. Chamam especialistas que penteiam a área definida munidos de equipamento de Raio-X e detetores de metais e munições, embargando a obra ao mínimo sinal suspeito.

Há trinta anos em Faro jogava-se à mosca, jogava-se aos centros nas ruas, alguém mais crescido já tinha bicicleta e organizava corridas e gincanas nos baldios. O Przemo olha para mim e sorri enquanto se estica na cadeira e ensina:

- Pois, e nós tínhamos as balas dos alemães para brincarmos.

terça-feira, 5 de abril de 2011

A peladinha como estudo sociológico dum povo

Pavilhão de relva sintéticaJogar futebol com polacos é uma experiência engraçada pela abordagem diferente ao jogo que eles têm se comparada com as peladinhas portuguesas, é um estilo de jogo distinto cuja estratégia principal assenta na capacidade física, no trabalho árduo durante o jogo e pouco tem de comum com o jogo português exceto no objetivo que é meter a menina no baú. Ando a jogar peladas semanais e às vezes bissemanais com um grupo de malta fixe, a maioria polacos, e confesso que já perdi a cabeça com muitos deles por muitas vezes.

Se com as mãos pouco valia – não passei da 3ª divisão – com os pés valho muito menos todavia consigo pensar um pouco no que faço ou vou fazer com a bola nos pés. Isto em futebolês diz-se que “não sou parvo nenhum” e isto faz toda a diferença pois procuro soluções práticas sem complicar, jogo simples, os trinta e sete anos preferem tabelinhas e triangulações em vez de sprints à Futre e assumo um estilo mais pausado e pensativo, de pé para pé ao estilo português de sempre, estilo esse que germinou no viveiro da Escola do Carmo em Faro onde sempre se combinou pulmão com pezinhos, tipo de jogo que esbarra nos tratores polacos. Estes jogam deliberadamente para a frente porque é lá que está a baliza e é lá que a bola tem de estar não interessando como chega nem quem a leva, quem tem a bola que a transporte a correr ou que estique um bojardo para quem esteja mais perto da área adversária, não interessando se o jogador em causa está mais sozinho e desapoiado que um judeu em plena Faixa de Gaza. Até se consegue perceber este estilo de jogo na conjuntura social e cultural numa terra onde se valoriza mais o músculo do que a moleirinha, então aquele que mais remata, que mais corre, que mais carrinhos faz e que mais longe consegue meter a bola é o jogador mais apreciado, mais valorizado e mais respeitado. Está-lhes no DNA e não concebem outra realidade. Aqui entra a minha discordância de futebolista de características mediterrâneas, crescido num ambiente onde as altas temperaturas não convidam a loucas correrias e tento convencer os colegas a passar mais a bola, a correr menos mas melhor, a usar mais a cabeça do que o coração. Debalde! Para a frente é que é caminho e apesar de já ver alguns progressos nalguns (mais inteligentes) deles muitos continuam a chutar a 180º e a querer fazer golos do FIFA.

Ultimamente têm aparecido mais portugueses no nosso excelente pavilhão de relva sintética, uma estrutura usada pela Legia na pausa de inverno. Timidamente foram entrando nas equipas, fazendo uma ou outra amizade e eu como português mais velho e antigo do pelotão comecei a fazer lóbi para que a minha equipa tivesse o maior número de portugueses possíveis, o que não foi difícil porque os polacos preferem jogar entre eles e não são entusiastas de mexidas ideológicas no seuPavilhão 2 xadrez. O resultado foi que nas duas últimas peladas de domingo os portugueses deram vexame nos adversários jogando fiéis à sua genética, trocando a bola, progredindo em bloco, dando sempre linha de passe ao colega e aparecendo com duas ou três soluções de conclusão. Pela primeira vez em cinco meses de joguinhos senti como se estivesse de novo na Escola do Carmo com as fintas de corpo do Paulo Gomes, os dribles do Fábio, as cuecas do Amador, os bananos do Rui, o veneno do Lino e a estaleca do Artur, o meu jogar à bola de rua em menino contra um grupo de abnegados jogadores de viseira nos olhos, de sentido único, mecânicos e sem plano B. Razias sucessivas e crónicas goleadas para os tugas.

Anteontem dei-me a luxo de ganhar uma bola a meio-campo, fui puxando para a direita, passei por um adversário, ganhei a linha de fundo colocando o corpo (calculem!) e quando toda a gente esperava o tiro egoísta de ângulo difícil cruzei rasteiro e atrasado enquanto os gulosos avançados e os ingénuos defesas jogavam-se todos para a frente e apareceu o Aykut – turco – a finalizar fácil, golo bonito, assistência digna de televisão e almanaques, passe a vaidade. No abraço perguntou-me “É assim que tu queres?”

É pois, é mesmo assim que eu quero e não me parece que esteja a ser exigente. Mas também os percebo, entendo a forma pouco inspirada mas transpirada como correm que nem doidos até estoirarem fisicamente porque só assim entendem que participaram, que se compremeteram totalmente com o jogo e que deram tudo, mesmo que venha um algarvio quase quarentão dizer-lhes depois de mais um golo sofrido:

- Se tu correres cem metros ou se a bola correr cem metros, quem é que achas que fica mais cansado? Então faz a bola correr que ela nunca se cansa, é a bola que corre e não o jogador.