segunda-feira, 26 de maio de 2014

Jaruzelski, o general da Lei Marcial

Wojciech Jaruzełski Wojciech Jaruzelski, o último Presidente comunista da Polónia, morreu este domingo aos 90 anos de idade vítima de complicações relacionadas com linfoma. Figura sinistra e sombria, traço acentuado pelos óculos escuros que sempre usava devido a ter sofrido cegueira de neve em adolescente, o general Jaruzelski ficou infamemente conhecido a nível internacional por ter declarado em dezembro de 1981 a Lei Marcial no papel de líder da Conselho Militar de Salvação Nacional, uma decisão que justificou em 1992 numa entrevista a um jornal alemão:

Era a estratégia lógica daquele momento porque os interesses da União Soviética na Polónia estavam a ser ameaçados pelas movimentações de Lech Wałęsa e o Kremlin ponderava invadir o país porque temia que o Solidarność fizesse um golpe de estado

Estas afirmações colidem com o resultado da reunião do Politburo, três dias antes da imposição da Lei Marcial, na qual o líder do órgão Yuri Andropov, acossado pelas despesas da guerra no Afeganistão, foi claro:

Não podemos assumir o risco de mandar tropas para a Polónia. Não sei qual vai ser o resultado desta situação mas se o poder tiver de cair nas mãos dos sindicalistas, que caia porque nós não vamos intervir sob pena de nos serem infligidas mais sanções económicas por parte dos países capitalistas, sanções essas que não conseguiremos suportar. Concentremo-nos no nosso próprio país, essa é a posição correta.”

Fragilizado pelas constantes greves internas e pela perda de apoio de Moscovo em consequência da nova política de reformas implantada por Mikhail Gorbachev (o líder soviético não tinha interesse em envolver-se em outro conflito além-fronteiras por temer contestações idênticas às sofridas aquando da Primavera de Praga), Jaruzelski acedeu em encetar conversações com o Solidarność, uma decisão que se revelaria crucial para o futuro do país. Na mesa-redonda triunfou a ideia dos sindicalistas de legalização das suas organizações e convocação de eleições livres para o Senado, o general mais tarde abandonaria todos os cargos políticos e militares, seria acusado de crimes contra a Constituição e contra os Direitos Humanos, acusações posteriormente retiradas em virtude da sua idade avançada e acentuado declínio do seu estado de saúde e viveria o resto dos seus dias numa vivenda no bairro varsoviano de Mokotów.

Jaruzelski viveu o tempo suficiente para ver a conversão da Polónia à economia de mercado e a todas as mudanças que o país experimentou, testemunhou Jaruzełsk e Wałęsa em 2005 - Foto PAPa entrada do país na NATO e na União Europeia – facto que comemora dez anos – e assistiu às celebrações dos 25 anos do Acordo assinado a 4 de abril  de 1989 que lançou as bases para a abolição do comunismo na Polónia além de ter sentido o crescimento da importância da Polónia como parceiro comercial e estratégico da Europa Ocidental. Mais tarde reconheceria que o “comunismo falhou” e assumir-se-ia social-democrata apoiando Aleksander Kwaśniewski nas eleições presidenciais de 1995 contra Lech Wałęsa, eleições ganhas pelo primeiro.

Os polacos têm uma opinião geralmente negativa do general, principalmente aqueles pertencentes à ‘Geração Solidarność’. Não lhe perdoam o seu envolvimento enquanto Ministro da Defesa nos massacres de 1970 quando o exército avançou sobre manifestantes desarmados e de lhes ter mentido sobre a ameaça duma invasão soviética que nunca esteve nas cogitações do Kremlin. Ironia suprema, Wojciech Jaruzelski morreu no mesmo dia em que os polacos, aliás, 22.7% do eleitorado polaco escolhia os seus representantes no Parlamento Europeu, uma instância na qual o general nunca esperou ver a Polónia. Os seus compatriotas foram lestos a reagir à notícia da sua morte:

Jaruzelski levou a expressão ‘ir à urna’ demasiado à letra

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Estudo sobre a nova emigração

No âmbito de um projeto de investigação sobre a emigração portuguesa atual, “REMIGR: A Nova Emigração e a Relação com a Sociedade Portuguesa”, financiado pela FCT  e desenvolvido por uma equipa da Universidade de Lisboa, da Universidade de Coimbra e do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, o ‘mishanapolonia’ foi contactado no sentido de divulgar um inquérito online. Os objetivos deste projeto de investigação em causa são: conhecer o perfil dos portugueses residentes no estrangeiro, as suas trajetórias migratórias, os fatores que impulsionaram as saídas, as suas intenções de mobilidade, e as suas relações com Portugal.

Considero uma pesquisa interessante e o testemunho de jovens emigrantes pode ser muito útil para que se atinjam os objetivos dos responsáveis. Caso o leitor queira dispensar alguns momentos a responder ao inquérito, eis o link: http://tiny.cc/remigra

O pessoal agradece.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Epic Fail, ou como se diz em português, Pior a Emenda do que o Soneto

Depois de um par ou dois de anos sem ter sido organizada, ou pelo menos sem eu ter recebido tal convite, a Receção aos Portugueses da Polónia vai ser reatada como era tradição no dia 10 de junho que é o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Decisão louvável, a de retomarem os encontros dos cidadãos portugueses com a sua Embaixada. A Edyta, diligente e simpaticíssima funcionária da representação diplomática portuguesa no meu país adotivo, fez a fineza de me contactar a fim de atualizar a sua base de dados com a minha morada corrente, um gesto que caiu muito bem porque demonstrou interesse e preocupação para com os patrícios que por cá labutam, para poder enviar o convite tendo a certeza que eu o ia receber. Bem o disse, melhor o fez. Ontem já cá cantava o honroso convite. Mas…

Cabeçalho do convite

Li, reli e não entendi. Uma embaixada portuguesa envia um convite a um português para um evento português relacionado com Portugal, com o Poeta português e com as Comunidades Portuguesas… escrito em inglês?! Procurei dentro do envelope se havia uma versão do convite para nativos lusos e descubro uma informação referente aos patrocinadores do evento, todos empresas portuguesas ou com grande participação de capital português. E…

Cabeçalho dos agradecimentos aos patrocinadores

Então qual foi a conclusão que este português tirou? A de que esta é uma receção ‘para inglês ver’ na medida em que o convite oficial foi feito ‘para inglês ler’. Nesta medida, thank you very much, Mr Ambassador, for your kind invitation but I believe I would feel a bit out of place among your English-reading guests. Nevertheless, I remain at your service for any Portuguese-related issues you find my help appropriate. Yours sincerely, Nuno Bernardes.

Por outras palavras: Tal não foi a barraca que vocês deram, mariolas!

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Balada de um dia cabrão

Por trás de Bemowo É um daqueles dias em que não me apetece sair de casa. Não porque o tempo esteja mau mas porque o humor não está para grandes convívios. Há dias assim, dias cabrões como diz o povo da minha terra, dias em que até o barbear aborrece. Dias em que acordo a pensar em voltar logo para a cama, não apetece fazer nada apesar do tanto que há para fazer. Só dá vontade de fazer as coisas mais elementares como coçar onde há comichão e relaxar os esfíncteres desde que tal não implique tarefas posteriores. Apetece mais passar fome do que fazer o pequeno-almoço, só a trabalheira que dá mexer o café no leite e barrar manteiga no pão - ainda mais essa, ter de ir ao pão! Ah, hoje é um dia daqueles, daqueles dias cabrões.

Os dias cabrões são os piores dias porque são os dias em que nada se passa, nada que nos chute para fora da modorra que se estende até à hora do treino, única altura do dia em que me apercebo que tenho qualquer coisa líquida a circular nas artérias. Isto deve ser da falta de trabalho, andamos num período de exames e a malta recolhe em casa para marrar deixando de poder dar atenção às aulas particulares e mirrando os proventos do professor. Os riscos duma profissão liberal.

É nestes dias em que mais me esforço para ver o sol que brilha além da neblina porque não há mal que sempre dure, a porra é quando um gajo se vai abaixo e deixa de acreditar em dias melhores. Se calhar não é a neblina que mais me afeta, é mais conseguir ver esse sol sabendo que ainda falta um bom bocado até que ele esteja por cima de mim. Às vezes sinto-me como naquele filme em que o recluso sabe que foi inocentado, sabe que vai ser libertado mas não sabe quando isso acontecerá e que conta cada dia que passa como mais um dia na choldra em vez de considerar esse dia como menos um que falta até se tornar um homem livre.

Acabo por pegar no carro e sair pela cidade fora, meter-me em ruas que nunca tinha percorrido em distritos aos quais nunca tinha ido e abancar em cafésSopa de Ovo Algarvia que nunca tinha visto. É um bom companheiro, o café. Foi preciso emigrar para eu começar a beber café, primeiro para despertar a meio das tardes de inverno quando o escuro embala o corpo e depois como auxiliar de escrita e leitura como o cão que se aninha no tapete aos pés do dono, é aconchegante e confortador. No treino a coisa corre bem. O homem coloca-me a fazer finalização num ambicioso exercício em que tenho de fazer passar o tiro num estreito espaço entre duas varas, ele atira-me bolas cheias de carapaus e quer que eu chute sem preparação. A primeira bola vai à gaveta, um golo da Eurosport que arranca aplausos aos colegas (brawo, profesorze!), a segunda vai fraca à figura e a terceira, puxada ao pé esquerdo, é atirada em trivela para uma parada monumental do guarda-redes que também merece aplausos. Jogar futebol tem um certo efeito terapêutico em mim, deixo as toxinas todas no campo, volto para casa mais tranquilo e com menos propensão em pensar em tristezas. Termino o dia de pijama sorvendo uma sopinha de ovo feita pela minha companheira de noites tristes e a ouvir as calamidades solenes que o Primeiro-Ministro português profere nas celebrações da caricatura e partido político a que preside, um partido pelo qual eu até tive simpatia no tempo em que defendia valores idênticos aos meus.

Epiteto escreveu um dia que "o Homem não se preocupa tanto com um real problema quanto com a ansiedade imaginada em torno desse problema". É capaz de ter razão, se pusermos o problema em perspetiva. Não há nada que seja tão terrível que não tenha solução e se não tiver solução é menos uma coisa com a que nos temos de preocupar. Haja saúde e um par de braços para trabalhar porque amanhã o sol nasce outra vez e nós já sabemos que Varsóvia não deixa ninguém parar para limpar o suor.