quarta-feira, 31 de março de 2010

Sol

Sol! Para ficar? Não sei, mas já há luz solar até às 18:00 e a neve derreteu definitivamente. É indisfarçavel que as pessoas estão mais contentes e mais dispostas para fazerem coisas, eu próprio sinto isso e não tenho sentido aquela urgência em voltar para casa e abafar-me.

Contrastes Não. Apetece-me sair e cervejar, andar pelas ruas e descobrir de que cores os prédios se vão vestir nesta primavera. Tenho vontade de descer a colina de Mariensztat e passear junto ao rio, falar-lhe da Ria Formosa que o Wisła iria ter prazer em conhecer, contar-lhe das ilhas e restingas que a Ria tem, fazer o Wisła borbulhar de desejo e assistir ao fenómeno da natureza. Quero subir a ponte e visitar as obras do estádio da Legia, imaginar-me a acompanhar as peripécias do meu clube adotivo num futuro lugar cativo. Sabia bem assistir ao impressionante contraste de cores entre prédios mais antigos que estão encostados a outros recentes, paredes meias de tonalidades tão diversas que parecem de filmes diferentes apesar de serem vizinhos do mesmo quarteirão.

Quero enfiar-me pelas ruas estreitas de Varsóvia onde ainda se ouvem estórias de guerra e sacrifício e saber se as feridas estão melhores (porque nunca cicatrizarão), se as pessoas já aprenderam a sorrir e se o mundo lhes parece melhor. Ou então juntar amigos em torno de uma mesa de um bom restaurante (com atendimento bonzinho) e desfrutar da sua companhia, ouvir as suas gargalhadas, sentir a sua energia que o sol ajudou a carregar. Até mesmo abrir uma garrafa especial e beber algumas taças pelo centenário do meu Farense e ao emblema de prata de 25 anos de sócia que a minha tia vai receber - só me faltam 14 anos q;).

Tenho uma pilha de papeis para organizar tanto em casa como no trabalho mas olho para a rua e vejo o sol a brilhar intensamente por trás dos escritórios que nem tenho coragem de olhar para a secretária, acho pena daqueles que estão de costas para o astro-rei sem sequer se aperceberem que o dia está lindo e merece ser contemplado. Parece que hoje o sol não brilha para esses, eu estou à janela a olhar, a sorrir e a receber com alegria o abraço amigo que o sol resolveu dar à cidade.

Sol! Que seja para ficar.

terça-feira, 30 de março de 2010

Formiga Branca

Formiga Branca Na semana passada tive um amigo na minha casa que me veio visitar e passar alguns dias por cá na sua primeira visita à Polónia e a Varsóvia. Este meu bom amigo é um empresário de sucesso na área da hotelaria, um sucesso construído à custa de muito esforço, de apostas arriscadas em momentos fulcrais e fundamentalmente um sucesso baseado na arte de bem receber e tratar o cliente. Ele sabe como fidelizar as pessoas, tem olho para o negócio, uma sensibilidade extraordinária para criar espaços agradáveis e tem mantido a freguesia, o que já é muito bom em tempos de crise. Mal por mal, ainda é o único sítio que eu considero de classe na minha cidade. Contou-me ele que um cliente o abordou com o seguinte diálogo:

- Achas que um casal consegue orientar-se com €3000.00 por mês?

Resposta do meu amigo:

- Acho que sim. É claro que não vai dar para fazer férias no Brasil ou para comprar um T4 mas dá, até há famílias com crianças que se aguentam com menos dinheiro. Porque perguntas?

- Epa, a minha mulher está sempre a dizer para eu arranjar emprego…

Este diálogo é exemplificativo da mentalidade da maioria dos habitantes da minha cidade, uma terra que amo mas que não merece as pessoas que tem. Faro tem o grande problema da inveja, do ciúme, da maledicência, fala-se mal dos outros e das coisas porque sim. Fala-se mal do Farense, do Governo, do pai e da mãe, do clima, do patrão. Em Faro ninguém tem mérito pelas conquistas que obteve porque foram sempre facilitadas pelo fulano na repartição, pelo beltrano da Câmara Municipal ou pelo pai que é rico e que conhece o cicrano que é advogado. Em Faro a pequenez é apreciada, as pessoas querem-se modestas e de horizontes estreitos porque quem ousa mudar é maluco ou mete-se na droga. Em Faro os medíocres são louvados porque o simples facto de “ter” alguma coisa é sinal de exibicionismo e alvo fácil para todo o tipo de calúnias, ninguém vê o suor deitado e as noites sem dormir, ninguém contabiliza as horas queimadas a estudar, nada. Só se vê é que “se ele tem aquele carro é porque anda a vender droga” ou “agora comprou uma vivenda nas Gambelas, de certeza que deu a palmada em alguém”. É uma coisa cultural, enraizada nos costumes dos farenses e é tão normal como no Porto se comer uma francesinha

Faro Conheço este meu amigo há uma dúzia de anos e fiquei contente por ele ter-se lembrado de mim e ter-me vindo visitar aproveitando uma ocasião de trabalho em Varsóvia, vi que ele ficou satisfeito pela forma como que me tenho adaptado à Cidade Capital e ao seu frenético ritmo de vida. Fiquei muito sensibilizado com os elogios que me prestou, significou muito para mim pois eu vejo-o como o exemplo precoce (só tem 28 anos) de empreendorismo que devia ser regra em Faro e receber tais cumprimentos foi uma honra. Falámos da importância que existe em sair de casa e ver o mundo, saber o que se faz lá fora, aprender, crescer, coisas que não conseguimos fazer se passarmos toda a vida debaixo do nosso alpendre. Faro parece um pouco o The Truman Show, as pessoas não saem porque têm medo ou porque estão demasiado acomodadas às suas vidas pequenas, muitas insignificantes, agarradas à tal mesquinhez que, em Faro, compensa e recompensa. Acabámos a visita a beberricar vodca com mel, ele levou uma garrafinha para casa e a questionarmo-nos porque é que a nossa cidade, a nossa linda cidade que tanto amamos, tem pessoas assim.

Eu não acredito que são as pessoas que fazem as cidades porque senão eu não gostaria de Varsóvia como gosto nem teria a constante satisfação de voltar a Faro, gosto muito mais dos lugares do que das gentes. Talvez por isso ficámos os dois, farenses de alma e coração, a olhar para a tristeza que são (a maioria d)as gentes de Faro, pequenas em ambição e picuinhas nos julgamentos que só dão pena por sabermos que irão rebentar, mais dia ou menos dia de tanta dor de cotovelo. Mas tal como os polacos, que são os primeiros a falar mal dos defeitos do seu país, os farenses também não admitem que alguém de fora lhe aponte os podres. Eu estou fora mas não sou de fora, e como vivi mais de 30 anos nessa realidade tenho legitimidade para afirmar: Que bom estar a 3000 e tal km dessa formiga branca!

domingo, 28 de março de 2010

Na Polónia sê Polaco - 8

Gâmbia A Gâmbia é um pequeno país africano que fica na costa atlântica, um pantanoso e estranho território que não é mais que uma faixa de 300km X 50km ao longo de um rio que dá o nome à nação. A Gâmbia é dos países mais enigmáticos do mundo, uma monarquia que governa um território sem recursos naturais com indústria inexistente onde a principal actividade comercial é o cultivo da terra, a pesca artesanal e a pastorícia. A Gâmbia tem metade dos habitantes de Varsóvia, provavelmente um PIB também duas vezes inferior ao da capital polaca e pouca ou nenhuma importância no panorama turístico mundial. Mas uma coisa que a Gâmbia tem e que Varsóvia não tem é restaurantes onde saibam tratar bem o cliente porque o episódio que vivi hoje em Varsóvia é pouco menos que incrível.

Eu, o Dimitri, a Sónia e o seu marido fomos jantar a um restaurante em Wola, o Folk Gospoda, restaurante de comida polaca. É um hábito que temos, juntamos os amigos aos fins-de-semana e comemos juntos, uma maneira de mantermos o contacto entre uma comunidade de gente realmente interessante e com quem apetece conviver. Devido às intensas borgas dos últimos dias, deixei-me dormir no sofá e só acordei porque o Dimitri telefonou-me. Mesmo assim cheguei uma hora atrasado ao encontro, já a Sónia bufava de fome. Sentei-me e pedimos as nossas refeições às 21:30, só uma sopa para mim porque o estômago anda zangado comigo devido aos duches de vodca-Red Bull que lhe impingi nas últimas quatro noites. No meio da refeição aparece a empregada de mesa a dizer que temos de fazer os últimos pedidos porque a cozinha e o bar fechariam dentro de dez minutos, ou seja, às 23:00. Olhámos uns para os outros a tentar perceber o que estava a acontecer, se era realmente verdade que estávamos a ser obrigados a consultar a carta de sobremesas com metade do bife por comer e ainda mastigando a batata frita. Pedimos mais rodadas de vinho e, apesar de ainda ter a colher de sopa húmida, pedi uma fatia de bolo. Vieram as sobremesas ainda o marido da Sónia estava a jantar o pato com uvas, entretanto junta-se mais uma amiga e pedimos o especial favor de que lhe fosse servido uma taça de vinho. Que não, que não era permitido. Ainda argumentei dizendo “mas a um sábado à noite, vocês fecham o bar às 23:00 num sábado?” mas levei com um impávido “os nossos horários são assim de domingo a segunda”.

Rimos da pouca sensibilidade da(s) empregada(s) e estávamos acabando o nosso jantar quando fomos assaltados de novo por uma funcionária afirmando – e não perguntando – que ia trazer a conta para nós pagarmos, o Sérgio ainda com a limpar as peles do pato, eu com metade do bolo no pires, a Sónia tinha acabado de começar a comer a sobremesa. Aí perdi a paciência e disse em voz alta aos meus amigos em polaco para que todos percebessem “vá, pessoal! toca a pagar e a bazar que esta malta quer fechar a casa. vamos! comam depressa! bora!” A empregada percebeu o toque e respondeu que “não é bem assim, nós não os estamos a pôr na rua mas…”

Nunca me senti tão incomodado num restaurante como esta noite. Tolero a falta de preparação e de escola de hotelaria que a maioria dos empregados desta indústria têm mas a total falta de sensibilidade ePolónia gritante incompetência das pessoas que nos atenderam naquele restaurante contribuíram para que tivessem perdido cinco clientes para sempre pois nunca mais lá meteremos os pés. Infelizmente o problema não se reduz aos restaurantes, é uma coisa grave transversal a toda a sociedade polaca e que tem a ver com a mentalidade do povo, pouco flexível e que deixa de funcionar quando surge um inesperado. À saída do restaurante ainda vieram atrás de nós acenando simpáticos “até à próxima” mas receberam o meu irónico sorriso acompanhado dum “até nunca mais” que traduziu o que nos ia na alma. Pusemos a cruz ao Folk Gospoda. Nem na Gâmbia se vê um serviço de atendimento ao cliente como na Polónia, como não sou polaco também não tenho obrigação nenhuma de me calar quando me metem o dedo no cu.

Muita porradinha vai este país apanhar da União Europeia se continuarem a ser assim…

quarta-feira, 24 de março de 2010

Postais da Polónia - 12

Comecei a explorar o tema dos Mitos Urbanos nas minhas aulas, os hambúrgueres de minhocas do MacDonalds, os chineses que são transformados em chop-suey nas traseiras dos restaurantes depois de morrerem, a espanhola que se untou com doce nas partes íntimas para que o cão o lambesse enquanto o Ricky Martin assistia ao espetáculo no armário da mocinha, várias estórias que nunca ninguém confirmou mas que toda a gente conhece alguém cujo primo tem um amigo que pode testemunhar. A agulha do debate virou para lendas polacas, casos estranhos, pessoas esquisitas e daí chegámos ao Czarny Roman, uma lenda viva de Varsóvia.

Czarny Roman Aqueles que costumam andar pelo centro da capital polaca já o viram nas suas vestes bizarras e negras, luvas, sobretudo e chapéu independentemente da estação do ano variando apenas entre os sapatos de inverno e as sandálias com meias a partir da primavera, andando rapidamente entre a Świętokrzyska, Jasna e Chmielna. Ninguém conhece a sua história, ninguém sabe do seu passado, onde mora ou se tem família. É um personagem assustador mas inócuo, não é de todo agressivo, pouco fala e quando o faz é para se referir ao “assasinato da consciência imortal” ou dum tal “Arquiassassino” que ninguém consegue identificar. O Czarny Roman caminha sempre rente às paredes e se houver alguém a ver uma montra ou a falar ao telefone encostado à parede ele pára e aguarda que a pessoa se mova e saia do seu caminho, não dando um passo ao lado para prosseguir a sua caminhada apressada.

Há quem diga que Jan Wiesław Polkowski, o seu verdadeiro nome, enlouqueceu porque perdeu a sua família num terrível incêndio mas a sua verdadeira biografia ficará para sempre envolvida num manto de mistério, mistério esse que originou um documentário cuja primeira parte aqui publico. Decidi escrever este post porque Faro é uma cidade rica em pessoas assim, figuras do folclore local que encerram um passado secreto com histórias de vida que ninguém faz ideia. A sua cidade também as terá, o leitor conhece a vida dessa gente? Claro que não, anda tudo tão alienado com a falta de tempo que nem dão pela vida passar-lhes ao lado.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Preguiça, ou talvez não

Em primeiro lugar importa frisar que o algarvio não é preguiçoso, comodista – admito - mas não preguiçoso. O algarvio é trabalhador, talvez apenas quando é estritamente necessário mas não se nega ao esforço físico. É comodista na medida em que é muito bom e razoavelmente fácil viver no Algarve, tem-se boa qualidade de vida, sem filas de trânsito nem muita distância a percorrer até ao trabalho. O clima é o melhor do país, a comida é saudável, a praia e a serra nunca estão a mais de um quarto de hora de carro e as coisas boas estão todas à distância de uma braça. Por isso o algarvio não sente muita necessidade de sair do Algarve. “Ir ao Gerês? Para quê, para ver montanhas? Temos a Serra de Monchique com medronho e termas que eles não têm. Fátima? Conventos? Tavira tem mais igrejas no concelho que os distritos todos a norte de Leiria. Lisboa? Ah, e o trânsito… Praias? Tenham juízo, há lá praias como as algarvias!” E o algarvio lá vai ficando de costas para o país, virado para o mar a chupar cabeças de camarão, alheio ao Portugal que formiga em permanente guerra uns com os outros.

Este algarvio que vos escreve não é um protótipo da espécie apesar de ter nascido praticamente na Ria Formosa e de ter sido educado no Largo da Caganita. Não é exatamente o algarvio que aguarda calmamente o Março para ir apanhar ondas à Barrinha ou que arranca para Portimão para passar o ano e ver o Dakar. Nah!, este algarvio gosta de sol e de bola e se der para juntar as duas coisas com uma minizinha... então temo-lo nas suas sete quintas. Este domingo foi um dia de comodismo à algarvia, entre algum sol que já começa a espreitar e bola, um dia entregue ao relaxe.

Varsóvia à Chuva Um convite para o teatro num fim de tarde de domingo seria, à partida, agradável porque os fins de tarde de domingo são normalmente períodos de modorra onde não se faz mais nada senão pensar no trabalho de segunda-feira. Estava eu meditando sobre se havia de aceitar ou não o convite quando cai um chuvão, aquela chuva que os habitantes da Polónia já conhecem, a chuva típica das tardes de primavera. Fui até à varanda recolher a roupa e respirei fundo, enchi os pulmões daquele aroma a terra molhada, o cheiro da Natureza que se regenera com estas monções e pensei no trajeto até ao teatro e na longa hora que tinha de fazer em transportes públicos até lá chegar, outro problema de ser algarvio – todas as deslocações que ultrapassem 20 minutos são enormes e aborrecem. “O Teatro fica longe”, remeditei imaginando a deslocação de metro e de elétrico, transpor o rio e passar pelas desagradáveis traseiras das obras do Estádio Nacional até chegar a Praga Norte. Ouvi o locutor da SportTv anunciar um Manchester Utd – Liverpool dentro de instantes e sorri como se tivesse recebido o veredito de inocente.

Voltei a vestir o pijama e moldei o sofá com as costas para apreciar o jogo mais confortavelmente, lá fora a chuva continuava a cair, um pé-de-água menor mas ainda assim desmotivador. Fiz uma sandocha de paté e tomate e sentei-me a ver a bola enquando pensava em sotaque algarvio:

- Majatão, com est temp, ia eu sair á rua por alma de queim?

O consolo foi tanto que até me permiti ver a Final da Taça da Liga. Duas observações: O Jorge Jesus realmente montou aquilo como deve de ser e os gajos estão a jogar à bola, o Bruno Alves só não foi expulso porque o Jorge Sousa nitidamente não quis. As agressões e porradas que ele deu faziam o Materazzi parecer um menino dos Pequenos Cantores da Figueira da Foz e lembrou-me o Luisão há um par de anos atrás.

sábado, 20 de março de 2010

Aprender Polaco, take 2

PolishGrammar Quem está radicado na Polónia já experimentou a angústia de querer comunicar com os nativos e esbarrar no labiríntico código secreto polaco, um conjunto de sons impronunciáveis e de palavras ilegíveis que leva um santo ao desespero. No entanto, manda o senso que aprendamos o idioma do país onde vivemos para sabermos o que as pessoas dizem, parte fundamental da adaptação de cada qual a uma terra estrangeira.

Para celebrar a aparente chegada da primavera, ontem recomecei o estudo de polaco através duma parceria com uma rapariga que já domina os princípios elementares de português, precisando agora duma ajuda com os tempos compostos. Atacámos os casos em que o polaco usa preposições, como o “z” que significa qualquer coisa entre o “de” e o “com” português. Surpreendentemente ela estende-me um papel impresso com aquilo a que ela designou como Introdução ao estudo da língua polaca, uma espécie de boas-vindas a este mundo maluco dos idiomas eslavos. Assim rezava o texto, desconto feito a quem não é falante nativa portuguesa:

Felizmente não foram os polacos que inventaram a declinação e os casos. Em relação a esse facto, não é nossa culpa que eles existam mas somos tão manhosos perante os estrangeiros que usamo-los sem parar. Polaco não é Alemão nem tentes procurar alguma lógica aqui, não continues a fazer perguntas do tipo “e porquê assim?”, logo vais chegar à conclusão que essa prática não te faz ganhar o conhecimento necessário, simplesmente faz-te enlouquecer. Porquê? Porque a resposta dum cidadão polaco comum soa a “não sei”. Chupamos esse saber junto com o leite das nossas mães e tal é reservado apenas àqueles que nascem aqui, na terra entre a Alemanha e a Rússia.

Querendo procurar descobrir a verdade (gramática), cheguei a um guia da língua polaca cujo título é “A escolha de terminação própria para substantivo nos outros casos do que o nominativo”. Agora… pensa pelo menos duas vezes se queres ficar a saber isso. O teu sistema nervoso não irá necessariamente tolerá-lo.

 

Vai ser uma arruaça…

quarta-feira, 10 de março de 2010

Levas uma lamparina…

Portugal é o país dos estereótipos, todos os portugueses sabem quem são os pimbas, os metaleiros, os cromos da bola, os marrões, os betos ou os grunhos. Por sua vez, Faro é a capital desse país de rótulos onde sobressaem dois aspectos típicos da cidade: A Formiga Branca* e as escadas no Liceu. Para os que não a conhecem, a grande Esc. Sec. João de Deus é um edifício escolar que obedece à traça típica do Estado Novo, austero e imponente, sobranceiro à cidade, situado no ponto mais alto de Faro e rodeado pela Mata do Liceu onde a malta ia dar beijinhos às miúdas nos intervalos de 15 minutos. O seu acesso principal é pela Av. 5 de Outubro, uma artéria fina onde moram – outro estereótipo – a Malta da Avenida, filhos de famílias ricas que adquiriram apartamentos de 4 e 5 assoalhadas há 30 e tal anos, avenida essa que por sua vez desagua na Rua de Sto. António, a principal rua de comércio tradicional – ou o que dele sobra. No topo da Avenida, o Liceu, escola de elite, dos bifes em contraponto com a mais modesta Esc. Sec. Tomás Cabreira onde estavam os costeletas, carne de segunda e que não se misturava com a nata de Faro estudante do Liceu. Escusado será dizer, sempre fui bife.

Liceu Ora, neste saudoso Liceu só se podia entrar pela larga escadaria central, degraus altos e espaçosos feitos em mármore onde os diversos grupos de estudantes se espalhavam consoante o seu “clube”. Lá estavam os surfistas, de quem nunca gostei, os motards, com quem nunca me dei mas que também não me fizeram mal nenhum, os metaleiros, que me repugnavam, os betos, coisa irritante de tanta futilidade em tão pouca idade e os meus, os crominhos da bola, de perna arqueada e sempre a discutir constituições de equipa e esquemas táticos. Era lindo estar nessas escadas no início do ano letivo e ver as meninas do Colégio do Alto, instituição reservada apenas a estudantes do sexo feminino, que tinham estudado até ao 8º ano só com outras raparigas e as freiras do Colégio, meninas que nunca tinham interagido com rapazes no ambiente escolar e vinham cheias de curiosidade, com vontade de socializar. Passavam pelos motards que estavam logo no portão, subiam a tal escadaria entre betos e surfistas (grupos que conviviam saudavelmente) e no topo da escada, perna arqueada, lá estavam os cromos da bola para lhe darem as “boas-vindas”.

Essas escadas eram um tribunal, um comité de avaliação ao qual os novos alunos se submetiam para que lhes fosse atribuido um “grupo”,Betinho quando o/a aluno/a chegasse ao cimo da escada já tinha um carimbo na testa onde mencionava o grupo a que ele iria pertencer enquanto fosse aluno do Liceu, sem apelo. Eu gostava muito do meu grupo, tinha orgulho em participar nas coisas do futebol da escola e nunca quis misturar-me com os outros, apenas fiz uma incursão noutros grupos quando fui manager da primeira boys-band de Faro, os “Sem Limites”. Tinha amigos motards, um ou dois surfistas, também um incógnito metaleiro mas nunca tive amigos betos nem os queria ter. Detestava o cabelo por cima das orelhas, aquele nó que ata o pulôver ao peito que é marca registada, os vincos nas calças de ganga, um conjunto de ícones ridículos que nunca apreciei. Isso era o Liceu na segunda metade dos 80.

20 anos depois, estou tranquilo e descansado a preparar o ataque ao semestre inverno-primavera quando a Agata aproxima-se e num português acima da média pergunta:

- Compraste esses sapatos em Portugal, não foi?

- Er…Sim, como sabes?

- Eu vi logo, esses sapatos à betinho não existem na Polónia. É tipicamente português. – e foi à vida dela, rindo-se não sei se rindo para mim ou de mim.

Eu fiquei a olhar para os sapatos. Ok, são sapatos de vela mas serei eu beto por ter um par de sapatos de vela? Serei toxicodependente por fumar um pato? Serei alcoólico por beber uma imperialzinha? Ainda levantei a cabeça para lhe responder mas ela já tinha ido embora. Para testá-la, hoje calcei de novo os sapatos de vela e, pior!, vesti uma camisa aos quadrados. Ela que repita a gracinha que lhe atiro logo com o título deste post! Beto, eu? Mas qual beto? Atão os betos usam moicano?!

* “Formiga Branca” é o nome que se dá em Faro às pessoas que não fazem mais nada na vida senão dizer mal dos outros, pôr defeitos, agourar e consumirem-se de inveja devido ao sucesso dos outros.

terça-feira, 9 de março de 2010

Retalhos da vida de um Algarvio - 12

Poczta Estamos na fase de preparar os formulários de impostos, o IRS polaco, altura de recolher as declarações de rendimentos dos diversos patrões que as pessoas no meu ramo de negócio têm. Juntá-las, compilá-las, aprontá-las, contactar fulano, beltrano e cicrano, papéis que ainda são mandados de e para a Silésia onde eu tive a primeira residência na Polónia. Tive de ir aos Correios e como em Varsóvia funciona a Poczta Główna, a repartição central da Poczta Polska, que está aberta 24h/dia aventurei-me para comparar envelopes A4.

A repartição tem uma área de receção ao cliente bastante grande, contam-se dezenas de guichés à disposição dos utentes, divididos em 6 secções cujas especialidades desconheço na totalidade. É interessante ver que os Correios vendem um pouco de tudo neste país desde detergentes, chocolates, pensos higiénicos, brinquedos entre produtosSala principal postais. Tirei a senha e aguardei a minha vez, desviando-me de um sem-abrigo fedorento (coitado) que preenchia um boletim do Lotek, o totoloto polaco. Muitas senhoras de idade esperavam que fossem atendidas entre protestos pela demora, protestos infundados porque o ritmo de aviamento até era rápido. Gosto muito de observar os modos das pessoas, as suas variações de fisionomias quando as coisas correm bem ou correm mal, as diferenças de reacção entre os polacos e o Zé Português, tão igualmente coléricos ou bonacheirões como gémeos apesar de terem um continente a separá-los. Entrou uma morena alta de olhos cinzentos, blusão de penas branco que realça o carmim das unhas, ela pegou no telefone e eu peguei-lhe no olhar porque é inevitável mesmo depois de quase mil dias em contacto com esta realidade, o magnetismo daquele olhar é narcótico, viciador, deixamo-nos ir e assim ficamos suspensos sem conseguir (nem querer) reagir até que a campainha faz avançar mais um número.

Regressei à sala dos descontentes, baratas que zanzavam para cá e para lá, impacientes com o pouco avanço das senhas até que chegou a minha vez. Recordei o discurso, procurei a declinação adequada e ao chegar ao balcão encontrei uma menina de rosto pequeno e tímido, longos cabelos louros e olhos de azul como um oceano profundo de embaraço ao receber-me com um sorriso envergonhado. Perguntei-lhe se podia comprar apenas três dos tais envelopes A4 e recebi resposta afirmativa acompanhada dum rubor que denunciava o acanhamento. Recebi, paguei e sorrindo agradeci para a Anna que me retribuiu também com um sorriso cada vez mais envergonhado naquele rosto pequeno e de olhos expressivos, quase que pedindo desculpa pelo seu comportamento.

Saí contente. Bendita seja esta terra onde ser português ainda é uma mais-valia, nem que seja neste domínio.

segunda-feira, 8 de março de 2010

O Dia da(s) Mulher(es)

DK1 Esse belo dia no qual as desenganadas, encalhadas e mal-casadas rebolavam escarchadas e escaradas rua abaixo até repousarem nos meus pés, predadores tranquilos que as esperavam nas esplanadas do Upa-Upa ou do Binómio. Essa bela noite em que eu e a minha maltinha aguardávamos com paciência o momento em que as discotecas se abriam para os homens, até então impedidos de entrar devido aos shows de strip-tease masculino, de onde saíam hordas de fêmeas em sangue, desejosas de ferrar o dente ao primeiro homem que as vissem, assanhadas pelo espetáculo que tinham acabado de assistir. Essa bela altura do ano em que aquelas que nada faziam durante um ano queriam fazer tudo num dia.

Ah, essa bela celebração. O deleite, o prazer, a satisfação, o rir. Esse belo dia que não tem muita popularidade aqui na Polónia por estar fortemente conotado com a ocupação soviética e por ter sido utilizado como propaganda do Regime, o cravo utilizado como símbolo também não ajuda a que a efeméride seja celebrada a preceito. Segundo rezam os tratados, o Dia da Mulher foi instituído no século 19 para perpetuar as mulheres americanas que lutaram em Nova Iorque para melhorarem os seus salários. Mulheres de garra que dignificaram a sua condição reivindicando melhores condições de trabalho e de vida.

Muitas mulheres há assim neste mundo, mulheres que se chegam á frente, que agarram o touro pelos cornos, mulheres de armas e de coragem. Ou mesmo mulheres que não têm a braveza da Dona BritesDK2 mas que se destaca(ra)m pela sua sagacidade e conquistas em campos onde o homem dá cartas, no plano da ciência como Maria Skłodowska-Curie ou no plano da política como Margaret Thatcher. Estas mulheres não têm nada a ver com as outras escarchadas e escaradas que rebolavam rua abaixo, mulheres que envergonham todas as que se orgulham de o serem. As mulheres que se comportam assim não têm mais do que o que merecem, serem usadas como vazadouro de esperma aleatório no fim duma noite da qual provavelmente nem se envergonharão por não se recordarem dela na manhã seguinte. Para aquelas que fizeram e fazem a diferença pela positiva, desde a professora universitária à humilde varredora de rua, a mãe, a fada-do-lar, a gestora da empresa, para a Eva da Humanidade o meu cravo, a minha consideração, o meu respeito.

Para as mulheres da minha vida, sobretudo aquelas ali na Praia de Faro, um beijinho. É pouco mas é o que há e é de coração.

terça-feira, 2 de março de 2010

Don Vazco, el navegante – ou - para quem é, bacalhau basta

Era uma vez um senhor polaco que resolveu abrir um restaurante. Ele pensou no tipo de comida que iria servir e decidiu-se pela gastronomia espanhola, rica em aromas e sabores naturais, uma boa escolha atendendo à boa reputação que a gastronomia mediterrânica tem na Polónia.

Vasco da Gama Assim nasceu em Rzeszów, na Podcarpácia, província no extremo sueste da Polónia, uma casa especializada em comida espanhola com grande variedade de tapas andaluzas, enchidos da Extremadura, paellas valencianas, mariscos da Galiza, doces catalãos, entre outras especialidades típicas de nuestros hermanos, num espaço devidamente decorado para celebrar a epopéia da expansão do império hispânico cuja armada foi comandada por essa figura célebre da história espanhola, Vasco da Gama.

Portanto, estimados leitores residentes na Polónia, quando visitarem o sueste da Polónia não deixem de visitar a respetiva capital Rzeszów e o restaurante espanhol Vasco da Gama, ou será melhor dizer no sotaque adequado, restaurante Don Vazco de la Gama.

Deu-me uma ideia, vou abrir uma cervejaria alemã em Faro e vou batizá-la de Brauarei Sobieski.