sábado, 30 de agosto de 2008

O que é que a gente tá aqui fazendo? - 1

Há dias fui com dois colegas a uma oficina de bicicletas tentar reparar a bicla dum deles. Apesar do adiantado da hora, 22:30, fomos recebidos cordialmente por um jovem polaco todo spidado e besuntado de graxa. Vim a saber que durante o Verão os rapazes trabalham 24/7 pois imensa gente escolhe a bicicleta como meio preferido de transporte em Varsóvia. A cidade é plana e convida a deixar o carro em casa, por isso eles passam as noites a martelar entre selins e pedaleiras. Após algumas explicações e dúvidas traduzidas pela Dorota, o mecânico decide que o melhor será comunicar o problema ao chefe da oficina que se encontrava não muito longe do local, ao alcance duma chamada telefónica.

Sentámo-nos na rua à espera do tal Jan, passou-se o tempo e fez-se 23:00. Eu e o Mário a fumar um cigarro, a nossa colega pedala para cá e para lá na sua pasteleira e mostra as hortaliças que foi apanhar no campo, tomates e pepinos. O Jan apareceu com a namorada e dispara desculpas pelo atraso em polaco, a Dorota aceita-as e eu encolho os ombros por ter sido um discurso desmasiado rápido para eu perceber. O técnico olha para a bina avariada, decide preocupado que tem de levá-la para dentro da oficina e desaparece com a bicicleta mais a Dorota. Sobro eu, o Mário e a namorada do outro gajo.

"Tenho fome...
- Também eu, já mordia qualquer coisa."

E diz a polaca num sotaque brasileiro:

"Vocês são portugueses? Bem que reconheci a vossa linguagem!"

Abrimos a boca de espanto e caímos a rir. Quase meia-noite à porta duma oficina de bicicletas, uma polaca que traz verduras no cesto da bicla, um diálogo de surdos, desaparece uma polaca e a bicicleta, sobra outra que desata a falar português. Foi caso para perguntar...

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Retalhos da vida dum Algarvio - Parte 9

Cumprida a etapa matinal do trabalho, regresso à temporária base de operações onde conto os dias que faltam para iniciar a mudança para o meu novo covil. Sento-me no elétrico, espreguiço as pernas e passo os olhos pela paisagem urbana. Varsóvia amanheceu triste, cai a chuva miudinha para relembrar as diferenças entre o Verão polaco e o português, esta morrinha aborrece-me e mastigo em seco enquanto vou observando a paisagem fria.

Passo por edifícios de escritórios onde o enxame de trabalhadores cumpre o obediente entra-e-sai diário, dou graças por não ter de trabalhar enfiado num gabinete todo o dia. Algumas vendedoras ambulantes estendem os seus produtos na esperança de ganhar algum para as batatas, tentam vender roupas que parecem usadas, livros antigos e mais do que seja. Outras instalam as suas bancas de fruta, quase sempre amoras e framboesas que até têm bom aspecto mas que não me inspiram muita fé. Homens aparam a relva, apanham papéis com as mãos, varrem as folhas caídas. O elétrico sacode-se ao cruzar avenidas nas quais há estátuas sérias a registrarem os meus passos. Uma senhora está pendurada à janela, não sei se está a tentar limpá-la ou se quer suicidar-se.

Faltam ainda sete paragens para chegar a casa, o tédio mina-me por dentro e começo a pensar em praias quentes, mares dóceis e petiscos familiares. O mp3 muda a música e dá lugar ao inconfundível assobio de Bobby McFerrin, faz-me sorrir e estalar os dedos ao som do compasso. Passa um vestido branco apertadinho ao escultural corpo louro dentro dele, nasce-me um sorriso de prazer ao ver aquela gota de beleza passeando entre a pobreza de cores desta manhã. Recebo um sms encorajador, um convite para mais tarde. Num ápice a banda sonora muda o humor e transforma o cenário, do trágico ao Éden em três minutos.

Repito a música para que me embale até casa e restabeleça o meu contentamento. Assim é Varsóvia, cidade de contrastes onde num momento está fria e triste e que à passagem de um vestido branco qualquer se transforma na Terra Prometida.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Postais da Polónia - 6

O Verão polaco começa a sair de fininho do país. Já não faz aquele calor seco de há semanas atrás, o sol vai se despedindo e dirigindo para a porta de saída como um amigo que sai do café onde estamos. De vez em quando sente-se uma baforada quente que mais não é senão o canto do cisne estival e começamos a fazer contas à roupa de Inverno. Os mais experientes dizem-me que daqui a duas semanas acaba-se a mamagem, entra a chuva e que a meio de Setembro as temperaturas caem 10º para estabilizarem nos 14/17ºC. É tempo de preparar-me psicologicamente para a agrura dos 6 meses que se seguem e espremer o sumo que resta do Verão mais diferente que passei até hoje.

Não noto muitas diferenças nas roupas dos polacos desde que o tempo começou a arrefecer pois muitos continuam com os calções de ténis e t-shirts que adoptaram desde o início da estação. Eu já não saio muitas vezes de bermudas e chinelos como saía há um mês atrás e mantive as sandálias de praia guardadas para melhor oportunidade. Coisa que vi e que me admirou foi alguns polacos calçarem sandalinhas, de praia ou não, quando o tempo já não está para isso. A maior piada vem do facto de eles adequarem a vontade de usar sandálias com o tempo mais fresco que se vem sentindo. Qual é a solução? Calçar peúgos.

Assim que nos vários transportes públicos de Varsóvia tenho-me entretido a olhar para os calcantes dos anónimos transeuntes, verificando se é moda passageira ou hábito enraizado este de calçar sandálias com peúgos. O facto é que este é um fenómeno transversal que atravessa diversas faixas etárias da sociedade polaca, mais nos homens que nas mulheres. Vejo jovens imberbes, homens de meia-idade e senhores de outros tempos a exibirem as meias das raquetes ou o seu buraquinho no peúgo com despreocupação, preferindo a pirosice ao briol nos pés. É muito estranha esta imagem para mim enquanto algarvio, mas é definitivamente mais um icone da Polónia.

sábado, 23 de agosto de 2008

Quem quer ser "milioner"?

Pergunta para um milhão de zlotys:

São 22:00. Numa paragem de eléctrico está uma turma de quatro polacos na casa dos 25 anos e um algarvio a roçar os 35. Pára o eléctrico que traz um grupo de cinco meninas de idades aproximadas à dos polacos, prontinhas para a night. O que faz o tuga e o que fazem os polacos?

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Come a sopa, Nuno, come a sopa

Os tempos são de recessão económica em todo o lado e a Polónia não é excepção. Se somarmos aos tempos de escassez financeira uma mudança de apartamento e as consequentes despesas, concluí-se que a minha conta bancária chora de desgosto ao ver-se tão maltratada.

Por essa razão vão-se espiolhando as esquinas de Varsóvia à procura da melhor relação qualidade/preço em termos de locais para almoçar. Achei um restaurante bem catita que serve business-lunches (almoços de negócios) por 20 paus, qualquer coisa como 6 euros. Comida polaca de muito bom aspecto e sabor, baratucha e em doses nada somíticas, mesmo bom para enfardar à bruta. Sopa, prato principal e uma bebida para empurrar o entulho cano abaixo. Hoje passei pelo sítio do costume, olhei para a vitrine, aceitei a sugestão da carninha do dia e pensei nas sopas do dia que eram Flaki, uma espécie de dobrada aguada e sem feijão branco, e uma especialidade lituana cujo nome não consegui descodificar. Veio a sopa do Báltico. Ei-la.


A marafada sopa, não sei se seria de tomate ou beterraba, não consegui perceber. Notei o travo azedo de iogurte (a sopa era fria) e pedaços de relva no meio. Honestamente, era saborosa mas não evitei espalhar perdigotos cor-de-rosa pela mesa ao pensar: "Vai lá tentar fazer esta mistela lá para Faro e vês a sorte que tens..."

Menos mal, não trazia pepinos.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

À tua, Leandra!

Casar é bom para a saúde, já o divórcio exerce um efeito nefasto no ser humano. No entanto, os solteiros gozam cada vez mais de hábitos de vida favoráveis que os aproximam do estado de saúde daqueles que já “deram o nó”, escreve o jornal El Mundo.
As conclusões advêm de um estudo da Universidade de Michigan,nos EUA. Um grupo de cientistas, dirigidos pelo professor Hui Liu, chegou a estas conclusões depois de analisar os dados recolhidos pelas autoridades oficiais de saúde do estado, entre 1972 e 2003.
Os autores lembraram que políticos e religiosos têm enfatizado, durante as últimas décadas, o facto das taxas de mortalidade nos EUA e na Europa mostrarem um ligeiro excesso de solteiros comparativamente ao número de homens e mulheres casados. No entanto, os cientistas do estudo, que será publicado no Journal of Health and Social Behavior, quando analisaram os números referentes ao estado de saúde de casados e “não casados”, perceberem que este último grupo incluía solteiros, separados, divorciados e viúvos, sem diferenciar os estados.
O estatuto socioeconómico, os hábitos alimentares e um nível de stress mais baixo são as razões que mais pesam quando chega a hora de “dar o nó”. No entanto, as diferenças sociais que tiveram lugar nas últimas três décadas indicam que o matrimónio começa a ser desvalorizado globalmente e que existem outros caminhos para obter a felicidade que antes apenas se atribuía à formação de uma família.

(o negrito é da minha responsabilidade)

Más notícias para a minha mãe que hoje faz aninhos.

Desculpa, mânha, mas o neto ainda não é desta que vem. Beberei uma à tua saúde e dou-te o meu presente na forma de um conselho: Faz mas é como o avô, vai tirando as garrafas de Porto que estavam guardadas debaixo da cama para o meu casamento e emborca-as. E se partires um queijinho da serra, então... Ui, sabe a pato!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Retalhos da vida dum Algarvio - Parte 8

O dia começou antes de acabar, sol alto nos céus da Polónia e corpos cansados numa carruagem de metropolitano a caminho dum apartamento qualquer. Com uma de cada lado já vou meio aviado, segundo as palavras do Pacman. O Red Bull tenta expulsar a dormência causada pelos incontáveis shots azuis e amarelos que a Kasia e a Paulina puseram-me em cima do balcão, elas que repousam em mim transpirando-me a camisa e humedecendo-me a testa. Vejo o meu reflexo na janela da carruagem e rio da minha figura indigente, despenteado, malcheiroso, suado, descomposto mas contente.

Paramos em Wierzbno, mais duas paragens de eléctrico e um primeiro andar na rua Puławska. Vodka-Coca Cola Light de pequeno-almoço, fatias de queijo brie para evitar o enjôo e batatas fritas com sabor a pimento para repô-lo. São 8 da manhã e começa a trovejar, os risos são mais altos, a vodka corre, o queijo acaba, há uvas para entreter e Amy Winehouse para descontrair. Dói-me o chassi de tanto pular ao som da noite varsoviana e atiro-me para cima da primeira cama que encontro, roupa no varal para arejar e não trazer o cheiro a tabacum para o quarto. Imediatamente as almofadas aninham-me e sinto-me adormecer em velocidade de cruzeiro entre algumas gargalhadas femininas na sala. Faz-se silêncio, entro no sono, fecha-se uma porta e ouço ao longe uma voz meiga que diz "Cześć Nuno..."

Acordo com um trovão vizinho, o relógio acusa 14:30. Olho em meu redor e vejo uma confusão de roupa, parece a Zara em saldos. Segredo-lhe um doce "pa pa"entre os cabelos negros adormecidos, despejo o lixo e ponho-me a caminho do outro lado da cidade. O eléctrico traz pessoas desconfiadas do meu aspecto, não gostam de mim mas eu também não tenho obrigação de gostar delas, só quero chegar a casa e dormir.

22:45 e a tempestade não abranda. Tenho um rio à porta e ninguém me telefona ou manda mensagens. Melhor assim, vou pedir uma pizza e ver filmes. As noites de Varsóvia são muito exigentes e amanhã ainda é fim-de-semana.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Um outro urso

De ursos não reza a história da Polónia. Talvez de Ursus mas não do simpático animal que podemos ver no jardim zoológico ou nos programas do National Geographic. O símbolo da Polónia é uma águia e não há memória duma associação entre o país e os ursos, sejam eles polares ou de outra espécie. Isto justifica o meu espanto ao ter dado de caras com esta rua:


A "Rua do Ursinho Puff" fica no centro da cidade, a 5 min do meu trabalho. É uma rua sem saída muito calma, arborizada e que tem um excelente bar vegetariano holandês onde podemos comer sandes de mil tipos de queijo diferentes sem enjoarmos. Deve ser caso único no mundo porque não estou a lembrar-me de nenhuma "Rua Zé Carioca" ou "Alameda Batman" ou mesmo uma "Avenida Lucky Luke". A descoberta da "Rua do Ursinho Puff" veio dar-me um novo alento neste mês molhado de Agosto por fazer-me acreditar que, um dia, um certo ursinho Misha também possa ter nome de rua. Afinal, ursos há muitos e este vai começar a trabalhar para o topónimo. Se o Sócrates recebeu a Medalha de Ouro da Cidade de Faro, porque não posso ter eu uma rua em Varsóvia?!?

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Kremlin, o Cobrador de Fraque

À primeira vista, parece que a guerra no Cáucaso entre Geórgia e Rússia não tem nada a ver conosco portugueses. Estamos distantes, "isto é lá entre os soviéticos" e eles que se amanhem. Eu também via este conflito como algo que não nos tocará directamente a não ser por uma eventual crise energética causada pela sabotagem russa do fornecimento de combustível georgiano ao ocidente. Mas hoje acordei sobressaltado com a afirmação do presidente Kaczyński, oferecendo "Toda a ajuda possível aos governo e povo georgiano".

É um caso curioso, este. Alguns países ex-URSS ou anteriormente pertencentes ao Pacto de Varsóvia afrontam a Rússia como se uma criança testásse a paciência da sua mãe até levar o esperado raspanete ou uma valente sova. Há tempos foi a questão do escudo de radares anti-mísseis que Bush queria instalar na Polónia e que enfureceu Putin, originando ameaças de cortes nos fornecimentos de gás e petróleo aos polacos. A Ucrânia quer aderir à NATO e à UE o mais rapidamente possível por temer que as represálias da Revolução Laranja, apoiada pela Polónia, façam dela a próxima vítima da necessidade de afirmação do novel presidente russo (recordem que Putin ganhou o respeito do povo russo quando esmagou a revolta na Chechénia em 99). A Rússia quer impôr a ordem no seu quintal e irá certamente puxar as orelhas aos meninos mal-comportados. Outros países são subservientes a Moscovo, como a Bielorússia que vive dias de ditadura vermelha como nos piores dias estalinistas, cuja oposição é abertamente acarinhada por Varsóvia.

A Geórgia está a pagar várias facturas acumuladas e que não tinham sido cobradas graças à astúcia do seu anterior presidente Eduard Shevardnadze, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Gorbachov e profundo conhecedor das susceptibilidades do Kremlin: As facturas do não-alinhamento na CEI, está a pagar por ter albergado rebeldes chechenos num vale do seu território e por ter recebido George W. Bush como um irmão. Espero que a Geórgia se recomponha da tareia que está a levar e que se encontre a melhor solução para a Ucrânia - solução essa que foge-me completamente - porque a Rússia deve ter feito uma lista de espera para ajustar contas antigas e a Polónia consta seguramente dessa lista.
Ainda vai sobrar para mim, querem ver?

domingo, 10 de agosto de 2008

Onde estive e onde estarei

1.00 EUR = 3.27134 PLN

faro

Em Faro: T2 duplex, 80 m², a 3km do aeroporto e a 6km da praia custa-me aproximadamente 1400 pln mensais.

trajecto

Em Varsóvia: Kawalerka (T0), 28 m², a 9km do aeroporto e a 320km da praia custar-me-á, a partir de 2 de Setembro, aproximadamente 1800 pln mensais.

wawa

Diz-me a Sylwia:

-To Warszawa, Nuno... (Isto é Varsóvia, Nuno...)

Diz-lhe o Nuno:

-To charingado, Sylwia...

q:D

sábado, 9 de agosto de 2008

O que é que a gente tá aqui fazendo?

Inaguro hoje mais uma rubrica deste blogue: "O que é que a gente tá aqui fazendo?" Trata-se de um espaço que pretende compartir situações singulares que só podiam ser vividas neste extraordinário País. Contrastes gritantes entre a terra Portugal e a Polónia, coisas nas quais qualquer outra pessoa, na minha posição, reflectiria. Explico.

Há umas semanas o meu colega Mário mandou-me um sms contando-me o que estava a presenciar. Era um festival musical de Verão, à beira dum rio a 50km de Varsóvia, onde os artistas eram um homem gordo e bêbado que urrava uns quaisquer versos acompanhado por um guitarrista polaco também no fim da linha. A assistência resumia-se a um par de dezenas de almas enquanto as forças de segurança privada ascendia aos 50 elementos, quase 2 seguranças por pessoa.

Famílias obesas de tronco nu, pele rosada pela falta de habituação ao sol, cabeças de pelo curto e amarelo, latas de cerveja engolidas depressa e grossas salsichas grelhadas com abundância entre pés de dança desajeitados. Putos chapinhando nas águas lamacentas do tal rio, bezanas que ameaçam descambar em porradaria da grossa a qualquer instante. Tudo isto à sombra de alguns pinheiros crescidos entre a terra batida.

O retrato foi-me feito por sms, como referi, e vinha concluído com a tal interrogação:

- O que é que estamos aqui a fazer?

ps - Apesar da pergunta original ter sido diferente, o nome da rubrica é em português-algarvéu, ao uso de Faro, que é a língua oficial deste blogue.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Vou ali mas já venho

Devido às mudanças registadas nos últimos dias (mudança de estado civil e consequente mudança de casa), este blogue irá sofrer uma pausa. Assim que esteja operacional voltarei às crónicas desde Varsóvia, provavelmente a partir da minha nova base (já há umas coisinhas em vista).

Até lá.

domingo, 3 de agosto de 2008

Os Homens são de Marte, as Mulheres são de Vénus

Ninguém jamais vencerá a guerra dos sexos: há muita confraternização entre os inimigos.
(Henry Kissinger)

 
g1149511856kaz01Ontem fui, a convite de duas alunas, assistir a uma actuação do Carlos do Carmo, ao vivo, em Kazimierz Dolny, uma simpátiva vila à beira do Wisła que é o escape de fim-de-semana preferido para o Jet-Set de Varsóvia. O concerto foi no castelo de Kazimierz o nosso fadista conquistou o público com a sua habitual simpatia e interactividade (dirigindo-se aos polacos em inglês) mas também arrebatou-os com sentidas interpretações da nossa canção nacional, o Fado, não apenas cantando-as mas explicando um pouco do que o Fado se trata, traçando um interessante paralelo entre a opressão que os polacos sentiram nas décadas em que durou o regime socialista e o "país de cócoras" que fomos ao longo do Estado Novo. Política à parte, Carlos do Carmo soube ser um verdadeiro expoente ~da Cultura portuguesa no estrangeiro e as conversas que ouvi à saída do espectáculo deram para perceber que os polacos entendem agora o Fado de outra maneira, que não é apenas aquela canção triste e nostálgica dos portugueses sofridos mas que também é alegre e pode exaltar o amor. Foi um banho de Portugal dado num cenário fantástico e que muito me orgulhou, a cara de surpresa do público vizinho sempre que me via trautear os refrões era a prova de que eles não esperavam ter tantos portugueses ali presentes e ficaram agradados.
 
Findo o concerto fez-se o regresso a Varsóvia, onde chegámos às 1:30. Já preparado para atirar o corpo cansado para a cama recebo um sms dum amigo, chamando-me para alto festão num bar da Baixa. Lá fui.
 
Encontrei uma mesa com duas polacas, esse meu amigo português mais um brasileiro casado com uma delas. A conversa rodava sob o tema da eterna Guerra dzt_wernisaz3os Sexos, porque é que as mulheres são assim e os homens assado. Ouvi uma explicação dada pelo tuga:
 
- O cérebro dos homens é como uma cómoda com diversas gavetas onde eles ordenam e arrumas as suas idéias. Há a gaveta do trabalho, a gaveta do sexo, a do dinheiro, da família, do futebol, há muitas gavetas mas a mais importante de todas é a gaveta do nada. Nessa gaveta não há mesmo nada e um homem pode abrir essa gaveta mantendo-a aberta uma data de tempo. Por isso, quando a mulher pergunta ao homem "o que se passa contigo?" e o homem responde "nada" é porque realmente não se passa nada. É apenas a gaveta do nada que está aberta. Já as mulheres têm o cérebro como uma amálgama de pequenos pedaços de plasticina, todos misturados e interligados. Não há espaços vazios, não existe aparente ordem, tudo é turbulência, necessidade, urgência e essa falta de espaços vazios impede que elas percebam o nada masculino. Não conseguem compreender, não conseguem processar, pessoalizam, culpabilizam, entram em pânicoe é o 035fim da picada.
 
Ouvi-o até ao fim e bebi dois golos de cerveja em gesto de plena concordância. A polaca à minha frente ajeita o fio que tem ao pescoço e olha-me perguntando "A sério?", misto de cinismo e provocação, aquele olhar que já vou conhecendo e que traz água no bico. Bato ruidosamente o fundo do copo na mesa, atiro-me para as costas do maple e entre dois amendoins sentenciono:
 
"Minha querida, tal como vocês dizem, nós somos todos iguais."

sábado, 2 de agosto de 2008

Polónia combatente

800px-Flaga_PPP_svgHoje, às 17:00 em ponto, a Polónia parou. Ficou estática, quieta. Literalmente. Assinalou-se desta forma o 54º aniversário do Levantamento (ou Insurreição/Revolta) de Varsóvia, o Powstanie warszawskie.

O Levantamento foi uma acção militar coordenada com o intuito de libertar Varsóvia do jugo nazi e que supostamente iria durar apenas alguns dias, os suficientes para que o Exército Vermelho da URSS chegásse para reforçar as suas hostes. Durante 63 dias, desde 1 de Agosto de 1944, os bravos combatentes polacos lutaram contra colunas militares alemãs melhor preparadas e mais numerosas, uma batalha desigual que foi observada ao longe pelos Soviéticos. Estes detiveram-se a centenas de metros do rio Wisła para que não sofressem baixas numa lógica de "os nazis que os polacos matarem, são menos esses que nos preocuparão".

Este cinismo soviético e o pouco 250px-AK-soldiers_Parasol_Regiment_Warsaw_Uprising_1944interesse de Churchill e Roosevelt em afrontar Stalin através do auxílio aos polacos, aniquilou as forças polacas que agonizavam enquanto esperavam pelos seus "amigos" de Leste. A brutalidade nazi destruiu 25% de Varsóvia quando a resistência do Levantamento cedeu, a 2 de Outubro. Soldados nazis foram de porta em porta matando individualmente os habitantes da cidade, outros eram enforcados na via pública. A rendição foi assinada depois da derrota do último reduto do Exército Polaco, encurralado no rio, depois de "terem lutado até à última bala" como então reportaram os alemães.

Himmler afirmou: " Varsóvia tem de desaparecer da superfície da Terra e servir apenas de Estação de apoio à Wehrmacht ou transformada num lago. Nenhuma pedra fica de pé, todos os edifícios têm de ser arrasados até aos alicerces. Hitler, que sempe odiou Varsóvia, ajudou: "Varsóvia tem de ser pacificada, isto é, arrasada até ao solo".

Casas incendiadas por lança-chwarsaw jan45amas, monumentos derrubados, documentos destruídos, arte roubada. Três meses após a operação, em Janeiro de 45, 85% de Varsóvia era entulho. 25% como consequência do Levantamento, 35% resultado da reacção nazi e o restante foi produto da Revolta do Gueto e da Campanha de Setembro que marcou o início da 2ª Guerra Mundial.

Hoje, 54 anos depois, sirenes de guerra ecoaram no céu de Varsóvia por um minuto. Há senhores de fatos militares medalhados na rua. As pessoas detiveram-se, desligaram-se chamadas de telemóvel, os carros encostaram, os eléctricos e autocarros, tudo parado. Flores pousadas em esquinas onde polacos foram executados pelos nazis, placas de mármore ou ruínas dos muros de fuzilamento recordam a História. Eu estava a almoçar (!) e fui à rua tentar perceber melhor, impressionei-me com a cena. Felizmente nunca passámos por uma coisa destas.