quarta-feira, 29 de julho de 2009

@Faro - 2

Estou sentado à beira do lago que dá o nome ao aldeamento sob uns 30ºC que a brisa marítima ajuda a suportar. Observo um flamingo e algumas gaivotas que patinham a superfície rasa do lago à procura dalgum peixe-rei para o almoço e recordo as namoradas que levei àquele restaurante no sopé da colina. Aqui o tempo não passou tão depressa como na minha vida e as coisas continuam na mesma. Ainda bem.

A visão das dunas da praia atira-me repentinamente para Varsóvia e o seu bulício, esta paz excessiva faz-me alguma comichão e começo a estranhar coisas habituais no meu viver polaco que não encontro em Faro:

- O sinal sonoro do metropolitano a avisar que as portas se vão fechar;
- As grahamki e bułki temperadas com sementes de sésamo e atafulhadas de queijo e fiambre ao pequeno-almoço;
- Beijar as meninas apenas uma vez;
- Beber imperiais de 0,4cl sem gás nenhum e mais mortas que o João Soares;
- Os jardins e parques verdejantes com esplanadas que convidam a uma kiełbasa ou a um café gelado;
- Andar 2km a pé porque os correios ficam logo ali;
- Fazer um piquenique nas encostas de Mariensztat, galar as pernas das miúdas e imaginá-las na Ilha do Farol depois duma churrascada a tomar banho às 5 da matina;
- O cheiro monótono a gordura e suor nos túneis da Estação Central;
- Deitar à sombra na relva fresca do Łazienki numa manhã de domingo e ressacar tranquilamente ao som mágico de um concerto de Chopin;
- Acordar ainda de noite e sair do trabalho já de noite;
- Fugir atrás do autocarro e praguejar ao motorista que te viu a correr e fecha as portas no preciso momento em que vais a entrar;
- O barszcz czerwony, a karkówka, os pierogi z kapustą i grzybami, o kotlet schabowy e o żurek;
- O jornal "Metro" a rasgar na Legia depois destes terem empatado em casa com a merda do GKS Belchatów e o Chyniama que tem os dois pés esquerdos e não faz um golo nem ao Fuzeta;
- Andar de manga comprida em Julho a desviar-me dos elétricos malvados na linda Plac Zbawiciela;
- A torre do PKiN, imponente e grave, que me cumprimenta com um piscar de relógio todos os dias;
- As noites imprevisíveis e loucas do Klubo, Enklawa, MonoBar, Cinnamon e Opera;
- As peladinhas com os polacos em que qualquer finta de corpo os deita no sintético;
- O Tesco aberto 24h/dia para comprar batatas fritas com sabor a kebab, bolota ou cebolinho;
- Caminhar no Passeio Real, contemplar a magnificência da Starówka, a majestade do Castelo, o esplendor da Residência Presidencial ou do Hotel Bristol ou a altivez da Coluna do Segismundo;
- A Ewa, a Gosia, a Magda, a Kasia, a Ania, a Dorota, a Marta, a Sylwia, a Karolina, a Asia, a Beata, a Aga...;

Ó Varsóvia, porque não ficas perto do mar?

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Contrastes

Numa altura em que o Algarve transpira debaixo de constantes 33ºC surge na televisão a notícia que fala das terríveis inundações com que a Polónia se debate, com maior incidência no sul do território. Províncias como a Silésia, Pequena Polónia e Subcarpácia têm sido fustigadas por chuvas incessantes causando o transbordo de rios como o Vístula e o Wielkopolka. Nem a bela Mazúria a nordeste se livrou da intempérie pois as trovoadas têm provocado diversos estragos em herdades e quintas, raios que caíram em celeiros originaram incêndios que destruíram por completo aviários e equipamento agrícola e que mataram dezenas de aves contabilizando-se prejuízos orçados em dezenas de milhar de zlotys. Perto de Lublin, no leste, um carro embateu de frente num camião que seguia em direção contrária depois de se ter desviado duma árvore caída. Todos os ocupantes morreram.

Pawel Fratczak, porta-voz do serviço de emergência civil, diz que a situação é "muito grave" com mais de mil bombeiros, polícias e soldados a repararem estradas intransitáveis (a via rápida Rzeszów - Cracóvia, por exemplo), postes de eletricidade e a recuperarem diversas localidades que ficaram isoladas do resto do país. O dr. Maciej Cymerys, de Poznań, avisa a população para os perigos das altas temperaturas que se seguirão à intempérie e para o sol forte que se fará sentir para o qual as pessoas não estão protegidas. Aconselha a ingestão frequente de água e alerta crianças e idosos para um tipo de calor ao qual a Polónia não está habituada.

Enquanto o Algarve sua ao sol, a Polónia suporta tempestades que já ceifaram oito vidas humanas esta estação. Curiosa analogia que ilustra na perfeição a história de ambos os povos.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Faro 09 - Eu estou lá!

cartaz_09_PT_grNo meu quarto, janela aberta para o Atlântico, assisto à parada e preparo-me para a primeira noite em branco das três que me esperam, tantas quantas as que pertencem à 28ª Concentração Internacional do Moto Clube de Faro. Três noites a ouvir escapes abertos, ratéres e a ver grandes máquinas de duas, três e até quatro rodas a exibirem acrobacias ou a passearem-se para admiração dos milhares de espetadores que demandam a Praia de Faro e o Vale das Almas, lugar onde se realiza a Concentração.

Festa para uns, pesadelo para outros, a Concentração é um evento que coloca Faro no mapa-mundi em virtude da sua reputação além-fronteiras e de um carisma que faz dela a segunda maior na Europa, apenas atrás da de Jerez de La Frontera. Dezenas de milhar de motas e respetivos motards descem Portugal para estar presentes em Faro, outros aterram no aeroporto e fazem a pé os menos de 1000m que os separam do recinto da Concentração - característica única que possibilita aos visitantes abandonarem o evento 10 minutos antes do check-in abrir. A cidade engalana-se para receber os visitantes e fá-lo com satisfação pois318 a capacidade dos hotéis esgota-se, os restaurantes e cafés estão sempre cheios e o povo pode espantar-se com as muitas motorizadas que percorrem a 125 e a Via do Infante. Motas de luxo, outras insolitamente alteradas, choppers, moto4, de estrada, de competição, de cross, scooters, vespas, tudo. O recinto é uma espécie de Motolândia no campo, uma pequena cidade montada num pinhal onde se pode comer nos diversos restaurantes que lá existem, tatuar uma roda alada nos gémeos, delirar com o concurso Miss T-Shirt molhada ou com o show de strip-tease, refrescar o corpo no lago artificial, absorver os milhões de litros de cerveja que lá se vendem ou assistir aos muitos concertos rock que são organizados. Este ano os Europe são cabeça de cartaz.

O Moto Clube de Faro tem sentido alguma resistência ao organizar a Concentração devido a alguma controvérsia política no que diz respeito à propriedade do recinto onde se realiza o certame e devido ao transtorno que o enxame de motas causa aos automobilistas e aos cidadãos que prezam o seu sossego. Não é fácil conviver 4 dias no meio de 20 ou 30 mil motas e ouvir os seus ruidosos escapes sem poder evitá-los, é uma autêntica loucura circular nas ruas e estradas de Faro pois a qualquer momento um ratére pode explodir nas orelhas e os lugares de estacionamento ficam mais escassos do que os políticos sérios.

Mas é inquestionável a saúde que a Concentração traz a Faro. Nenhum outro evento projeta a cidade da mesma maneira que a Concetração o faz e nenhum acontecimento faz Faro constar em todos os telejornais e  blocos noticiosos de toda a imprensa nacional como a Concentração. É de frisar a vertente de filantropia desta or67073_zjs6Hganização que já ofereceu ambulâncias, motos todo-o-terreno, material de primeiros-socorros e equipamento de emergência médica aos Bombeiros, Cruz Vermelha e outras instituições de socorro, material esse comprado com parte da bilheteira da Concentração. A Concentração do Moto Clube não pode ser definida pelos malucos que abusam da sorte em piruetas inconscientes e não tem de ser denegrida pelos acidentes fatais que resultam da irresponsabilidade de alguns motoqueiros menos adultos, ninguém pode ser acusado como responsável pelas parvoíces que alguém comete em determinado momento apesar da forte (mas discreta) presença da GNR - em anos anteriores eu vi 1 GOE a cada 5 metros ao longo da Avenida Nascente.

Faro beneficia com a Concentração apesar das noites mal dormidas. O dinheiro que os seus visitantes deixam na cidade e a forma como cada um agradece a hospitalidade farense no habitual e espetacular desfile de domingo de manhã cobre perfeitamente o dano sofrido por estas três loucas noites em branco.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

@Faro - 1

Ao fim de uma semana em Faro começo a notar as coisas que eram parte do meu quotidiano e que agora estranho. Enumero algumas:

  1. Tenho de confirmar a importância premindo a tecla verde antes de introduzir o meu pin;
  2. Ao pagar em dinheiro, as pessoas levam a mal se eu não deposito as moedas na mão de quem está à caixa;
  3. Os preços têm muitos menos dígitos mas são muito mais elevados, restaurantes sobretudo;
  4. A  maioria das pessoas têm cabelo e olhos escuros;
  5. Os bares na Ilha de Tavira fecham à meia-noite. Tragédia!;
  6. Não devo atender o telefone com "hallo?" nem chamar empregados com "proszę" ou agradecer com "dzięki";
  7. Os óculos escuros são fundamentais;
  8. As pessoas ficam supersensibilizadas quando se lhes são abertas portas ou se passam em primeiro lugar;
  9. As imperiais têm metade do tamanho e o dobro do gás mas estão sempre frescas e vivas;
  10. Não chove;
  11. Andam bué de brasileiras de minissaia cuja coxa é mais larga que a ré do barco que faz a carreira Olhão-Culatra;
  12. O feijão com massa da minha tia continua delicioso. A corvina cozida com batatinha e feijão verde encharcado em azeite também;
  13. A matrícula dos carros já vai em 22-HR-22
  14. Os multibancos são em português e dão euros;
  15. A concentração das motas começa já amanhã = 3 noites sem dormir;
  16. Estou mais gordinho do que no Natal (esta apanhou-me de surpresa);
  17. Ninguém em Faro sabia que estava para abrir um IKEA no concelho mas que por questiúnculas políticas passou para Loulé. A propósito, a estrada para Loulé continua má;
  18. Fala-se muito depressa, sem algumas vogais ou sílabas. Diz-se "da morte" em vez de "bom", "atão na sabes?" em vez de "exatamente" e "em monte" em vez de "muito";
  19. Ouvir a língua portuguesa na rua é perfeitamente banal e não é motivo para virar a cabeça para saber quem está a falar;
  20. Posso perguntar "como estás?" sem que a pessoa descreva literalmente o seu estado fisico-psíquico;

Passei uns dias atordoado com o choque cultural que foi ter regressado à raíz, mas já vai passando. Tal como o vergonhoso escaldão que apanhei no fim de semana depois de duas tardes de futevólei.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Só na Polónia

Sempre que tenho de viajar apanho enormes cargas de nervos com as malas. Primeiro, porque não tenho malas. Carrego a minha tralha em sacos desportivos, o que dá mau aspeto e é pouco prático. Toda a viagem que tenho de fazer com os alforges aos ombros eu ralho comigo mesmo e prometo que antes do próximo vôo tenho de comprar uma mala como deve ser ou, ao menos, um trólei para poder carregar a roupa com mais comodidade. Nada disso, o gajo é torto e nunca se lembra de Sta. Bárbara a não ser quando faz trovões*. Segundo, porque nunca sei o que hei-de levar e morro de angústia ao tentar antever qual vai ser o objeto que eu vou esquecer em casa, de que me vou lembrar assim que aterre em Faro e que será fundamental para os dias seguintes.

Imbuído neste triste espírito de zanga antecipada, passei as últimas horas desta semana a fitar os sacos abertos no chão da minha sala e a puxar pela cabeça para saber o que era absolutamente necessário levar para Faro. Às primeiras horas do dia de hoje já estava a empacotar a roupa que tinha secado durante a noite e a falar com alguns amigos no MSN. Nisto toca a campainha. "Que diabo, pessoas às 9 da manhã? Será a minha senhoria que está com receio que eu me exile no Algarve e que não pague o resto da renda?"

pieniadze Intrigado, abri a porta e deparei-me com um largo polaco, uma mala imensa a tiracolo com um símbolo da Poczta Polska e um olho azul claro muito sério a perguntar-me se eu era o Pan Nuno Coś Tam Bernardes. À minha resposta afirmativa segiu-se uma corrida de palavras em polaco das quais só percebi as duas últimas, qualquer coisa relacionada com impostos. Pensei logo: "Pronto, agora que eu vou de viagem é que estes vampiros vêm sugar-me os últimos vapores de złotys" mas o homem jogou a mão ao bolso, sacou de um grosso maço de notas de 100 paus e começou a contá-las depois de me ter dado canhoto dum recibo para eu assinar. Percebi que se tratava do meu PIT e que "aquilo" era... o meu reembolso!

Nas declarações de imposto nós podemos determinar o número da conta bancária para onde nós queremos que o reembolso seja direcionado, eu fi-lo contando que o eventual reembolso fosse transferido para a minha conta. Eis que este senhor veio bater-me à porta, 10 mins antes do taxi chegar para me levar ao aeroporto, e deixou-me um belo bonus completamente inesperado para que eu viajasse mais descansadinho e sem receios de falta de fundos (porque ganhar złotys e gastar euros esfola um gajo em menos dum farelo). Agradeci incrédulo, corri ao banco para depositar a guita e agora recordo o episódio partilhando-o com o leitor, sentado num terminal do Fryderyk Chopin em frente a uma esbelta morena que me faz concluir que nie ma jak w Polsce.

EDIT: Ao fim de apenas 30 minutos no aeroporto de Luton afirmo, reafirmo e confirmo que não há nada como na Polónia!

domingo, 5 de julho de 2009

O Fim da Temporada

Os portugueses gostam de convidar os amigos para jantar em casa e fazem disso um momento de vulto, organizar um jantar para um casal amigo, por exemplo, é sinal da grande amizade que une os comensais e é sempre um evento que obriga os anfitreões a se esmerarem na hospitalidade. Eu ainda sou do tempo em que as famílias visitavam-se sem aviso prévio, tocavam simplesmente à campainha e entravam nas nossas casas para conversarem, os adultos bebiam whisky na sala e as crianças iam jogar Monopoly no quarto. Não havia telemóveis, também não faziam falta, a sala estava sempre preparada para as visitas que a qualquer momento podiam aparecer.

Na Polónia o convite para jantar não é tão habitual como no nosso país, principalmente porque os polacos... não jantam. Melhor, muitas das vezes preferem comer uma sandocha, bebem um cházinho, eventualmente uma sobremesa doce mas nada comparável ao conceito português de jantar. No entanto os polacos têm um ótimo hábito, o de organizar festas em casa, hábito esse a que já me referi em escritos anteriores e que interiorizei a pontos de me ter sentido na obrigação de "ter de" organizar uma festa que marcásse a minha temporária despedida à cidade e às pessoas que me são mais chegadas em Varsóvia. Assim foi feito no dia de ontem, aproveitando a simpatia do astro-rei que deu calor de sobra.

Às tantas comentei com o Ricardo: "Parece que estamos no Brasil. Churrasco, sol, cerveja, mulheres bonitas..." O meu "até logo" à cidade já foi oficialmente comunicado, o meu "olá de novo" está marcado para fins de Setembro. Até lá, bądż grzeczna Warszawa! Ainda não me fui embora e já tenho saudades de ti.

 

polaquinhas

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Nas horas

Está difícil encontrar tempo para escrever, estou a uma semana de Faro e ando a 1000 à hora para afinar os últimos gestos em Varsóvia antes do retiro estival de 10-dez-10 semanas que vou fazer no meu Algarve do céu azul.

Desculpem-me a ausência mas a coisa não está fácil, amanhã tenho um churrasco para 30 e tal almas e nem uma lata de cerveja tenho no frio…