quarta-feira, 30 de março de 2011

O cúmulo

Numa aula de Português, o desafio foi criar um menu dum imaginário restaurante polaco com os pratos devidamente explicados para português ver (e perceber). Na ementa deveria constar:

  • VenenoDuas entradas
  • Duas sopas
  • Três pratos de carne
  • Dois pratos de peixe
  • Três sobremesas
  • Bebidas

Brincaram com a minha figadal aversão a pepinos fermentados, um veneno insuportável que já aqui mencionei, e a Anna propôs na secção das bebidas sumo de pepino fermentado. Perante o meu arrepio espantado ela explicou em tom sério:

- É bom para a ressaca!

Por um momento ia vomitando a alma.

    segunda-feira, 28 de março de 2011

    Constipação = Przeziębienie

    Remédio português contra a constipação: Chá de limão com mel, água bastante e aspirinas. O meu amigo Dr. Belchior dizia que o primeiro comprimido ia com um tiro de uísque e tinha razão, o álcool é vasodilatador e acelera o batimento cardíaco, ou seja, o químico é levado mais rapidamente às células e entra em funcionamento mais depressa.

    Remédio polaco contra a constipação: Uma chaleira de água a ferver, um par de dentes de alho, mel com fartura, casca de limão, três dedos de gengibre.

    Remédio

    Algo me diz que as mezinhas polacas não vão ter grande aceitação neste organismo…

    sexta-feira, 25 de março de 2011

    Vai e não voltes! ou Crónica duma Geração… digo, duma Nação inteira à rasca.

    Rzeczpospolita

     manchete de hoje do diário Rzeczpospolita: “Portugal é a vítima que se segue na crise da Eurolândia”

    Então o Sócrates pediu demissão, hein?

    Ainda bem.

    Foi o Governo mais manchado por suspeitas de favorecimentos, compadrio e corrupção de que há memória na Democracia Portuguesa. Foi o Governo mais injusto, cruel e protecionista que se conhece, infelizmente exercendo a sua proteção não em função da produção nacional mas proteção dos boys, dos comissionistas, dos burgueses que se abotoam com reformas multiplicadas e pulam de institutos em empresas públicas abocanhando sucessivos salários principescos. Foi o Governo que teve a distinta lata de recusar em 2006 um pacote de medidas anticorrupção preparado por um dos seus pares, João Cravinho, curiosamente colega ministro de Sócrates no XIII Governo Constitucional liderado na altura por António Guterres.

    Sócrates sai e a meu entender sai tarde. Não sei quem virá a seguir nem se o sucessor será mais ou menos competente mas sei que não se rodeará de tal quadrilha de patifes, ladrões e saqueadores que transformaram um povo que normalmente é de brandos costumes numa sociedade precária e agitada, sem poder de compra, sem esperança no futuro e totalmente desmoralizada. Pediram sacrifícios ao povo enquanto continuaram a trocar de automóvel a cada seis meses; taxaram incostitucionalmente a Via do Infante enquanto mantiveram o estúpido e megalómano troço Poceirão-Caia, uma caríssima linha de alta velocidade que liga nenhures a coisa nenhuma; despediram centenas de trabalhadores (só na Groundforce) para poupar dinheiro enquanto os seus administradores auferiam pornográficas maquias sendo que uma redução de 5% nesses salários seria o suficiente para salvar umas boas dezenas de postos de trabalho; assistiu-se à vergonhosa cartelização do preço dos combustíveis enquanto o IVA subiu (aproveitanto a dormência do país embriagado pelas comemorações do título vermelho), as comparticipações dos medicamentos desceram mas os amiguinhos do sr. Ministro passavam à frente nas filas dos Centros de Saúde e mandavam tirar ambulâncias das ruas para os seus carros passarem. Continuaram os lucros de 300% na Banca, os prémios, as reformas acumuladas

    Sócrates – e nele personalizo toda a sua equipa - foi desonesto, mentiroso e falso. Chulou os portugueses à descarada, roubou-os como mais ninguém e alicerçado na crise económica mundial foi aos bolso do povo até onde lhe era humanamente possível ir sempre com o seu inconfundível tom cínico e mordaz. Exímio político, pena que não tenha posto as suas valências ao serviço de Portugal, manuseou como mestre os equilíbrios dos compromissos assumidos com os seus peões e o toma-lá-dá-cá dos dossiês mais sensíveis não se coibindo de calar vozes incómodas. Com ele os ricos (bancos, empresas públicas) ficaram cada vez mais lucrativos e os pobres cada vez mais aflitos.

    O engraçado é que a cara-de-pau não conhece limites e consta que o indivíduo vai recandidatar-se, o que já é ruim, mas que se torna ainda pior porque tem reais possibilidades de ganhar as previstas eleições antecipadas. Isto porque os portugueses estão tão saturados de política que não acreditam em ninguém e na dúvida ou na indiferença preferem que as coisas permaneçam como estão. Esta forma de pensar é perigosíssima pois corremos o risco de perdermos a identidade, a dignidade, de perdermos o País para sempre.

    Quer-me parecer que as eleições do Sporting deste fim de semana poderão funcionar de barómetro para o que se vai passar nas próximas Legislativas: A continuidade ou a mudança. Até porque, num caso e no outro, não há nenhum candidato que convença de forma real o eleitorado.

    PS – Mal por mal, como não sou opinion-maker, a casa é de todos nós e posso arrotar postas de pescada à vontade, as minhas escolhas são Bruno Carvalho e Passos Lopes respetivamente. Mais do mesmo (em ambos casos) seria estupidez.

    segunda-feira, 21 de março de 2011

    O Dia dos Gazeteiros

    Life moves pretty fast. If you don't stop and look around once in a while, you could miss it.

    Ferris Bueller

    A deixa de Matthew Broderick no papel do “Rei dos Gazeteiros” assenta como uma luva no 21 de Março. O primeiro dia de primavera não é apenas o dia em que os polacos voltam à vida mas também um dia com significado especial para os estudantes neste país, é o Dzień Wagarowicza também conhecido como Dia dos Gazeteiros.

    Sala de aula Para celebrar a chegada da primavera os estudantes costumam… faltar às aulas, contam com a compreensão dos professores que embora marcando-lhes falta não carregam a turma com matéria neste dia para que os gazeteiros não se atrasem muito no programa. Consta que nos tempos idos os estudantes inclusivamente mascaravam-se e brincavam a uma espécie de carnaval serôdio nas quais envolviam os professores e os próprios auxiliares – aqueles que sempre se chamaram “contínuos” mas que por obra de algum linguista iluminado foram rebatizados tal como os varredores de rua que agora se chamam “técnicos de limpeza urbana” e como os coveiros que qualquer dia passar-se-ão a chamar de “especialistas de escavações fúnebres”. O Dia dos Gazeteiros era mesmo aguardado e calendarizado por todos os agentes escolares e entre os alunos preparavam-se atividades próprias da efeméride associadas a outras manifestações culturais que assinalam a chegada da estação menos fria com a devida circunstância, tradição escolar que se foi perdendo ao ponto de se revelar quase inexistente nos tempos correntes. O Dia dos Gazeteiros era também pretexto para a organização de protestos de rua contra o que quer que os estudantes estivessem contra mas sempre num plano ordeiro sem perder a irreverência própria da juventude.

    Linguismos à parte cumpre-se informar que o Dia dos Gazeteiros foi este ano comemorado a valer registando-se uma presença reduzida de alunos no meu estaminé mesmo que o clima não tenha sido propício a grandes festas ao ar livre, o dia exibiu sempre céu encoberto, talvez envergonhado com a péssima exibição que a Legia protagonizou em Bełchatów no dia de ontem assinando praticamente a renúncia ao título polaco, e apesar de não fazer muito frio os 7º que se sentiram não deram azo para piqueniques ou patuscadas jubilosas. Pode ser que para a próxima vez seja eu a fazer gazeta, depois da pelada de ontem à noite bem que apreciava levantar-me mais tarde do que as 10:30 de hoje…

    sábado, 19 de março de 2011

    O prometido é devido

    Eu prometi que me passava com um deles e pronto, aconteceu.

    Bomba da BP no sul de Varsóvia, eu atrasadíssimo para o trabalho no  segundo lugar duma fila grande para pagar o gasóleoporque só havia um caixa a atender as pessoas. Nisto uma rapariga disponibiliza uma outra caixa e chama o cliente seguinte que era eu, um velho (talvez de 55 anos mas chamo-o de velho porque ele não me merece respeito para que eu o trate de “homem” sequer) arma-se em carapau de corrida e pula duas ou três pessoas para se chegar primeiro à dita caixa puxando do cartão de débito e anunciando a compra, número de bomba, tal e tal.

    Veio-me à memória os episódios anteriores de má-educação e desrespeitos de filas e num gesto instantâneo e surpreendente tirei o cartão do velho de cima do balcão, pu-lo na prateleira dos chocolates, fitei-o nos olhos, recapitulei o polaco e rugi no tom de voz mais ameaçador que me lembro ter tido:

    - Peço desculpa mas eu estou primeiro, o senhor viu e sabe muito bem que eu estou antes de si, está bem?

    O velho deve ter ficado assustado porque não reagiu logo, gaguejou um protesto enquanto eu passava o meu cartão com o tal sorriso algarvio que desbloqueia situações nesta terra e a senhora da caixa matou o caso reiterando que a fila era única e que o senhor tinha de respeitá-la esperando a sua vez. Recebi os talões com cada vez mais sorrisos, despedi-me em delicadezas e saí ufano e orgulhoso da encavadela que tinha acabado de pregar nestas cavalgaduras. Chega um ponto em que uma pessoa tem de dizer que dói quando lhe metem o dedo no cu, a partir de agora que lhe tomei o gosto contem com respostas tortas sempre que me tentarem fazer a folha.

    quarta-feira, 9 de março de 2011

    Wtorek

    É um dia que começa cedo, quando Portugal ainda dorme envolto nos escuros mornos das madrugadas de fim de inverno, já dia claro em Varsóvia porque aqui o sol é polaco e levanta-se cedinho com(o) os polacos. Depois do duche despertador, a chávena de café com leite é mexida enquanto se consulta o termómetro da varanda e se calcula o frio através na neve caída, acusa 4 graus acima de zero, já dá para sair só de t-shirt por baixo do casaco.

    A primeira dose do dia é uma animada palheta inglesa acerca do dérbi que a Legia ganhou ao Polonia no pretérito domingo, mais que um jogo, uma batalha desportiva entre dois inimigos ancestrais, um papo que tarde se transformou em negócio e desaguou numa conversa sobre investimentos imobiliários onde consegui que o meu interlocutor se disponibilizasse para negociar as condições da futura compra de casa, um lucro inesperado que com certeza me vai fazer poupar umas dezenas de milhar de zlotis, benesses alcançadas porque o futebol une até pessoas de raiz distinta.

    Nem nove da matina e logo o segundo assalto já em língua lusa a esgrimir as preposições e o Imperfeito, os substantivos e os pronomes que assustam os aprendentes mais tarimbados, coisa que parece mais simples do que é. Felizmente é fácil dar a volta ao texto e como praticar as rotinas falando de experiências em Katowice é bem mais agradável do que repetir regras e diálogos o programa cumpriu-se sem se dar por isso.

    Assim se chega à tarde passando por casa para o almoço caseiro, jóia que a insuspeita mão de cozinheira da Ewa deixou preparada para eu delapidar. Paleios diversos de temas distintos, regras ilógicas descodificadas, explicar a diferença entre "cá" e "aqui", "lá", "ali" e "além". Um absurdo! - dizem elas, admiradas com a existência do "ser", do "estar" e do "haver" quando em polaco um verbo chega para os três casos.

    Não consigo ver o Barça - Arsenal porque ainda estou de gramática em riste ditando normas, o cérebro está ligado à corrente para não haver quebras de ritmo, são 21:30 e ainda faltam vinte minutos para acabar o combate do dia. A última pergunta já nos cascos da força física, diferença entre “ir a”, “ir para” e “ir de”:

    - Como é que o Nuno vai para casa? Uma pista. O Nuno tem carro.

    Logo a Dorota se arrebita, óculos na ponta do nariz, sorriso fino algo inseguro.

    - De carro!!

    A esparrela funcionou.

    - Não, querida. Vai de metro porque o gasóleo é caro e eu não sou rico.

    A turma debanda em risos, a Dorota passa por mim fingindo-se amuada, missão cumprida por hoje, trabalho que acaba quinze horas depois de ter começado, cansado mas com a excelente sensação de que trocava o meu trabalho por muito poucas coisas deste mundo e poder afirmá-lo assim à vontade não é para toda a gente.

    sábado, 5 de março de 2011

    Alguém que me explique porquê!

    Na Coca-Cola (light, de preferência), no Martini, na SevenUp, no Red Bull até tolero apesar de não ver nenhuma vantagem na combinação. No peixe como tempero substituto do vinagre como o meu tio usava ou na canja para cortar a gordura como o meu avô fazia. Para rechear o perú de Natal ou outras carnes de aves, para decorar os refrescos de verão, no chá de mel para fortalecer o efeito na garganta inflamada ou para fazer as faíscas explodirem dos dentes depois do sal e da tequila. Eis onde se pode e onde se deve meter o limão.

    Auguinha

    Hambúrgeres e batatas fritas, preto e branco, champô e amaciador, Bonnie e Clyde, Mickey e Pateta são exemplos de coisas que fazem sentido juntas. Mas… receber uma rodela de limão no fundo dum copo de água sem gás? Helloooooooooo?

    sexta-feira, 4 de março de 2011

    Já ferve!

    Dérbi é dérbi e vice-versa

    Mário Jardel, antigo bombardeiro brasileiro do Sporting

    Em Varsóvia já se respira a tensão que antecede o grande jogo da próxima jornada da Ekstraklasa, o LegiaPolonia cujo pontapé de saída está marcado para as 17:00 de domingo e que vai opor as duas equipas mais representativas da capital polaca. Este jogo coloca frente a frente o sétimo classificado a jogar na casa do terceiro, equipas separadas por muito mais que os sete pontos na tabela classificativa.

    Legia! O KP Legia Warszawa foi fundado em 1916 a partir duma fação de soldados polacos estacionados na Ucrânia enquanto combatiam na 1ª Guerra Mundial e por isso têm a alcunha de Legionários ou Militares. Józef Piłsudski, herói polaco, era indefetível adepto da Legia e foi na qualidade de Primeiro-Ministro do país que ofereceu o Estádio Wojska Polskiego ao clube em 1930. A Legia um dos clubes com mais títulos de campeão na Polónia com nove conquistas e detem o recorde de treze Taças da Polónia, teve momentos áureos na década de 70 quando brilhavam com as suas cores nomes como Kazimierz Deyna, unânimemente considerado como o melhor futebolista polaco de sempre e que pode ser visto através do link a marcar um golo de canto direto ao “nosso” Bento num jogo de qualificação para o Mundial de 1978 na Argentina. Devido à lei que impedia os jogadores polacos de saírem do país antes dos 30 anos e da incorporação de jovens talentos no exército e sendo a Legia “o” clube do Exército, os Wojskowi tiveram sempre maior campo de recrutamento dos melhores talentos da Polónia, facto que não se traduziu em mais títulos para o clube mas em cada vez mais ódio e repulsa por parte do resto da nação que preferia apoiar os outros clubes como protesto contra a desigualdade de critérios. Mesmo assim a Legia elevou-se como bandeira da cidade e é presentemente um dos maiores símbolos do futebol polaco na Europa tendo em todos os jogos no seu estádio um incrível ambiente de permanente e ensurdecedor apoio à equipa com a Żyleta, claque mais aguerrida, papel fundamental no massivo embalo que dão com coreografias e cânticos que mobilizam às vezes três bancadas inteiras. Ver um jogo da Legia no Wojska Polskiego é coisa que impressiona e que não deixa ninguém indiferente como se pode ver no filme abaixo.

    O KS Polonia é um centenário clube de Varsóvia que resulta da fusão entre duas equipas de escola e que deve o seu nome à designação latina do país (Polonia), nome também dado ao conjunto de emigrantes polacos espalhados pelo mundo. O Polonia é um clube corajoso pois o próprio nome representa uma afronta ao sistema vigente na Polónia de então – o país não era independente sendo uma região da Rússia – e pelas cores que enverga, o negro símbolo do luto pela Pátria dividida e extropiada. Durante a ocupação soviética e devido à vontade de Estaline apagar todos os sinais de identidade polaca, os clubes de futebol receberam patrocínios de instituições nacionais (como a Legia já tinha do Exército) tendo o Polonia sido patrocinado pela empresa de Caminhos de Ferro. Infelizmente para o Polonia a empresa já patrocinava o Lech Poznań sobrando pouco dinheiro para os Camisas Negras, por isso o clube caiu na 2ª divisão e por lá se manteve durante 40 anos subindo apenas em 92-93 e conquistando o seu segundo e último campeonato em 99-00. Sempre com problemas financeiros, o Polonia elegeu Józef Wojciechowski como presidente, um magnata dono do maior construtor imobiliário do país e as mudanças não se fizeram esperar: Forte investimento na equipa de futebol, fusão com o entretanto extinto Groclin que tinha terminado a época em 4º lugar transitando a espinha dorsal destes para Varsóvia, contratação da lenda do Barcelona Jose Mari Bakero como treinador mas o sucesso continua arredado do estádio Konwiktorska, estádio que se tornou recentemente notícia por ser alvo dum estudo de renovação liderado por… Tomás Taveira.

    O dérbi já ferve, quarta-feira já só havia bilhetes para os lugares VIPs mas como eu não estava da disposição de largar 130 pazuzas para ver a bola tentei dar um toque à malta amiga que pode mexer cordelinhos e lá me descolaram um daqueles papelinhos mágicos para que eu possa assistir ao jogo como deve ser. Assim que no domingo às 17:00 lá estarei no renovado e moderno estádio de cachecol da Legia ao pescoço, um português entre 30.000 polacos que vão recordar durante 90 minutos e em uníssono a Varsóvia e à Polónia uma verdade que é insofismável: Nasza Legia Najlepsza W Polsce Jest!