terça-feira, 30 de julho de 2013

Regresso à raíz

Há sempre a esperança que se sente um chuchu ao nosso lado, uma companhia bonita e adorável para passar o tempo da viagem, um foco de atenção diferente do habitual livro para matar quatro horas a retorcer as pernas por não ter lugar onde as pôr. Há sempre a expetativa de apanharmos uma linda moça no assento junto ao nosso, meter conversa, trocar números de telefone, combinar cafezinhos ou caipirinhas, prestar-se a mostrar a região e os encantos que não vêm nos guias mas que só os indígenas conhecem, a hospitalidade lusitana à disposição. Confiamos também num lugar à janela para mirar o planeta de cima, reconhecer rios e vilas, adivinhar montanhas e vales, procurar as casas de amigos e familiares. Pois bem.

O avião partiu com duas horas de atraso em relação ao previsto, zanga amenizada com um lugar dos tais à janela para eu poder apreciar Varsóvia diminuir progressivamente até se tornar um mosaico de contornos escuros gradualmente substituidos por outros verdes e finalmente por uma extensa mancha de cor indefinida sem prédios nem estradas, um grande vazio que depois desaparece de vez tapado pelas nuvens que adoram cobrir a Cidade Capital. Já eu sonhava ter a fila de assentos só para mim quando chega uma jovem mãe com o filho de 5 ou 6 anos que olha para mim, instalado de livro em riste, e choraminga:

- Eu quero ir à janela. Porque é que eu não posso ir à janela…

A mãe explicou que eles tinham os lugares que tinham e eu pensei que era uma excelente resposta porque nem por sombras eu ia abdicar do meu rico lugarinho panorâmico e dá-lo àquele patife cabelo de lixívia que não sabe avaliar a bela vista que teria sob os olhos.

- Minha senhora, – disse eu – ele pode ficar no meu lugar, não me importo de ficar na coxia – pensando que seria melhor passar-lhe o lugar e aproveitar a felicidade do puto para passar pelas brasas.

Um gesto de cortesia portuguesa que havia de me custar o sossego poisRia Formosa na Praia de Faro cedo o miúdo descobriu no outro lado do corredor um outro miúdo com jogos num tablet e começou a pular entre a janela e a coxia, condenando o meu sono a um plano efémero e exageradamente otimista. Depois de dar muita porradinha nas minhas pernas e de tentativas infrutíferas de pegar num superficial sono, a mãe daquele terrorista-mirim teve piedade de mim e propôs-me a devolução do MEU lugar, desesperadamente aceite e devidamente gozada com uma soneca instantânea somente interrompida com o sinal de descida para Faro.

A Ria recebeu-me serena e em tons de azul pacífico, sem especial pompa mas bebeu logo uma imperial comigo. Ali ficamos os dois à conversa para matar saudades, como dois amigos que há muito não se viam. A Ria é fixe e é sempre bom voltar a vê-la.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O tímido sol eslavo


São diferentes, começam quase à mesma hora mas muito mais claras, mesmo que seja apenas um tímido sol eslavo a clarear a cidade sempre dá outra energia e ânimo. As manhãs de segunda-feira nunca são recebidas de braços abertos mas agora são um pouco melhor aceites precisamente devido ao tímido sol eslavo que ilumina o bairro, descobre flores, aquece o carro. Nada é mais aborrecido do que sair de casa de noite e voltar a casa de noite, passei meses sem ver a luz do dia nas paredes do quarto até que veio o verão para reanimar as hostes.

Em vez da longa e às vezes enervante viagem para a Universidade, viagem suspensa devido ao período de férias, o percurso matinal é de 5/7 minutos até ao interface de Młociny no extremo norte de Varsóvia. Aí se situa não só a estação terminal do metro mas também as extremidades das carreiras de autocarro, de elétrico, apanha-se lá o autocarro para Katowice, Poznań, Łódź, Rzeszów, Berlim e demais cidades polacas, também se apanha o transporte para o infame aeroporto low-cost de Modlin mas o que mais me agrada neste interface, além de estar apenas a 10 minutos de autocarro de casa, é o parque de estacionamento grátis para os beneficiários do passe social, um parque coberto para mais de mil carros que está à disposição dos utentes das 4:30 às 2:30 e que tem ligação direta para os diversos transportes públicos da área, luxos das capitais europeias, Varsóvia a primeira da Europa de Leste a dispor de tais estruturas.

O metro serve para quando estou a correr em cima da hora, quase todos os dias porque tenho uma noção de tempo bastante elástica como todo o bom português, mas hoje saí de casa com vagar e por isso só percorri metade do caminho debaixo da terra optando por ir de elétrico até ao trabalho para poder observar as pessoas e os seus gestos. Pude confirmar os lentos mas existentes progressos da construção da segunda linha de metropolitano, especialmente no centro financeiro da cidade - Rotunda das Nações Unidas - mas sobretudo ver e regalar-me com as cores estivais da Cidade Capital mesmo que seja um tímido sol eslavo a dar destaque às sebes e canteiros de relva verde que delimita cada passeio. As largas avenidas projetadas por esquadros de sorumbáticos arquitetos socialistas são sulcadas por composições cada vez mais modernas, ar condicionado que funciona a valer, cadeiras instaladas a 45º para não bater com os joelhos nas costas do assento da frente, carruagens que cheiram a limpo e ajudam a melhorar um pouco o humor daqueles que se preparam para mais uma semana de trabalho. Eu vou de pé à janela, quase o único passageiro que não tem o nariz enfiado num livro ou as orelhas afogadas com auscultadores. Prefiro ver a cidade, descobrir recantos que ainda não conhecia, admirar-me com a grandeza duma mansão antiga ou abrir a boca de choque à passagem dum par de pernas como só esta terra sabe produzir. Não há como contornar esta evidência, sejam encobertas por leggings ou nuas no verão, levemente tapadas por meias de renda no inverno ou saudavelmente ao léu, as pernas da mulher polaca são um património genético deste país que é exibido com garbo acentuando ainda mais os contrastes em que Varsóvia é rica. Só neste país se imagina circular pelos blocos iguais e bocejantes dum bairro como Żoliborz - que ironia, na rua do Padre Popiełuszko - e surgir de repente um par de tenazes de marfim capaz de nos queimar a menina dos olhos se não usarmos óculos de sol. Mesmo este vosso escriba, com quase seis anos de praia, ainda leva estaladas de espanto quando lhe caem os olhos naquelas espadas de louça. Uma coisa parva, como se diz na minha terra.

Tive de voltar a Ursynów para tratar de negócios, uma empresa que estava tão confortavelmente instalada no Centro mudou as suas instalações para um distrito que já habitei em tempos mas que agora não me fica em mão. O autocarro - outra agradável surpresa, o 189 já não é uma cafeteira vomitada que atirava o fumo do escape para dentro do veículo mas sim um moderno e asseado autopullman que me fez recordar as viagens para Lisboa na Mundial Turismo no tempo, não muito remoto, em que não havia autoestrada para Alvalade - deixou-me em Służew para dali apanhar o metro até Imielin, um trajeto que iniciou um processo de repassagem de algumas recordações que encalhou nas bezanas de solteiro muitas vezes sacudidas pelo sino do sinal da estação final, o que era menos mal porque eu morava na penúltima estação. Aproveitei a sombra dum bordo para me esconder do menos tímido sol eslavo de meio-dia para almoçar uma sandes de ovo mexido da qual tive de retirar os pepinos - que merda de costume polaco este de meterem pepinos em tudo o que se coma, estou para saber se também enfiam pepinos nos Corn Flakes - e um iogurte de damasco (não perguntem...).

Agora estou tranquilamente sentadinho num banco no centro da Cidade Capital, mais uma vez a observar a vida das suas pessoas como tanto gosto de fazer. Vieram alguns pombos pedir-me migalhas que não tenho, outros dançam inchados tentando impressionar as fêmeas com bateres de asa, uma senhora com o dobro do meu peso e o quádruplo da minha idade sentou-se num banco em frente e puxou de um cigarro, trouxe um cão tão velho e tão gordo quanto ela que penosamente se arrasta pela praça a farejar não se sabe o quê, um casal de namorados está escondido ao lado esquerdo da praça e parece tão apaixonado que ela nem se importa com a gastroscopia que ele parece fazer-lhe com a língua, alguns bêbados e drogados partilham outro banco com três adoráveis e grisalhas senhoras que não se incomodam com a fedorenta vizinhança e lançam olhares vazios e silenciosos aos miúdos que correm atrás dos pássaros acompanhando a correria com um lento abano de cabeça.

Passou uma morena não muito bonita nem muito esbelta mas com proporções e medidas de encostar às cordas qualquer das alegadas pin-up portuguesas - ou será mais apropriado chamar-lhes pin-down? - que infestam o ar com a sua típica e insuportável mania. Um chuchu que não me importava de conhecer e de lhe
pagar um copo, uma mulher que me fez levantar os olhos do monitor e ver que a praça está agora mais clara, que o tímido sol eslavo saiu de trás das nuvens e derrama ainda mais luz sobre Varsóvia.

Passa uma loura de bandelete, incríveis pernas ajustadas ao comprimento... digo, ao "curtimento" da sua saia, top justo que lhe salienta as gostosas circunferências do busto, passos firmes, o chão parece que salta de emoção ao ser pisado por ela. Os pássaros levantam voo assustados com qualquer coisa talvez com ela, as velhinhas também se levantaram se calhar afrontadas por tamanha exibição de beleza, os namorados continuam a curtir como se não houvesse amanhã, a velhinha trocou o cigarro por um gelado daqueles que parece uma sandes de waffle, os bêbados nem deram por ela passar, continuaram inertes ou cambaleantes no seu limbo de álcool, passa uma segunda loura metida num apertado tailleur preto, cabelo curto estilo Annie Lennox, eu levanto-me e vou curtir o tímido sol eslavo para outra freguesia antes que se me queime a menina dos olhos.

terça-feira, 2 de julho de 2013

O que é que a gente tá aqui fazendo? - 15

Quando num dia de sol, com uns resplendorosos 25ºC, um gajo está sentado ao computador a fazer traduções de textos contendo palavras como ‘okołowierzchołkowych’…

Epá, foda-se!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Parabéns!

Parabéns, meu Amor!

O povo diz que não há amor como o primeiro e têm razão, desde que te conheci que te tornaste num elemento essencial à minha existência, quase o alimento da minha alma, uma substância indissociável da minha pessoa. Não entraste de rompante na minha vida, até nisso foste inteligente porque sabes que os grandes alaridos não causam em mim grande impressão, sabias que eu tinha de ser levado de maneira subtil, pé ante pé, conquistando cada milímetro cúbico com calma e certeza porque a concorrência era enorme e de poderio. Apareceste humilde, não apresentaste grandes credenciais, não mostraste um currículo impressionante, não vi nenhumas linhas a negrito, exibiste modéstia sem que parecesses indigente e contrastavas a pesporrência dos outros com a tranquilidade própria de quem é melhor, distanciando-se do restante com confiança, com categoria, com carisma, esse carisma que me venceu e me atirou irreversivelmente para os teus braços.

Tu sabes quantas vozes me alertaram? Quantas pessoas me disseram para te evitar? Que tu eras má companhia, que só me ias dar desgostos, que eu merecia melhor partido, tão bom rapaz que eu era e já me estava a dar a um fado tão desgraçado. Opá, até dentro da família que é de onde têm de sair os melhores conselhos (se bem que de bom a minha família pouco tem produzido) me disseram para deixar de pensar em ti porque havia pretendentes mais capazes, mais aptos a darem-me as alegrias que um petiz procura. Gritavam-me as evidências, olha que te vais dar mal, olha que eu não te quero ver sofrer. Lembro-me de qual foi a tua resposta, encolheste os ombros e disseste que era verdade, que com outra opção eu teria mais festejo e foguetes, foste sério e honesto como sempre foste na tua imaculada existência, tal como na questão da tua idade que nunca forjaste nem nunca deturpaste a realidade para que celebrasses grandes datas antes dos outros. Até nesse detalhe mostraste a tua natureza íntegra e vertical.

Durante estes longos anos sempre te mostraste coerente, nunca me enganaste. Desiludiste-me às vezes mas foste sempre fiel aos teus princípios e aos valores que partilho. Sou como tu, identifico-me contigo e com o que apregoas, com o que simbolizas, não gosto de jogadas subterrâneas nem de hipocrisias. Tal como tu, o que sou digo com frontalidade e clareza, não uso subterfúgios nem artifícios. Amo-te porque nunca te corrompeste, nunca te prostituíste, nunca te vendeste por um punhado de lentilhas, sofreste horrores que a tua própria gente te infligiu mas mantiveste o porte nobre que sempre vi em ti e que sempre adorei, por teres recusado anabolizantes ilegais empequeneceste, se calhar até minguaste mas tudo em ti continuava autêntico, tu eras e foste sempre tu e não a fantasia opada que os outros perseguiam. Sofremos, pois sofremos, mas nunca feneceu a enorme admiração que sempre nutri pela forma como sempre caminhaste de cabeça levantada apesar das dificuldades mostrando-me que pobreza não significa falta de asseio e que é preferível passar fome mas andar de cara e roupa lavada do que ajavardar em abundância e fumar priscas.

Juntos caímos e juntos nos reergueremos. Juntos porque juntos sempre estaremos, assistirei ao teu remontar e ansiarei pelo momento em que voltarás a ser grande, enorme, gigante porque é esse o teu desígnio. Meu Amor, juntos nos nossos valores não haverá muros nem montanhas que nos atrapalhem, juntos nos nossos ideais conquistaremos todas as batalhas que nos colocarem, juntos na nossa crença derrotaremos todos os adversários e por fim, juntos na nossa fé venceremos. Por fim atingiremos a Glória porque é assim que tu te cumpres, é assim que tu és, é assim que tem de ser.

Parabéns, meu Amor. Parabéns, Sporting Clube de Portugal. Se tu não existisses eu criava-te para eu poder ter um clube.

Sporting, tu és a minha vida e eu sem ti não sei viver.


PS - E parabéns para ti também, Renato. Este texto é a minha prenda.