sexta-feira, 7 de julho de 2017

Instalar ou não instalar antena parabólica, eis a questão. Ou uma reflexão sobre o estado da imprensa portuguesa - III

VouchersCogitada a tática, havia de a pôr em prática. Aqui reconheço a sagacidade dos RPs, Diretores-Gerais, Diretores de Comunicação, Assessores de Imprensa e funcionários afins que compreenderam qual era o melhor canal de divulgação da propaganda. Abandonaram o registo populista de peixeirada que consegue sempre causar sensação e arrebatar as massas ignorantes, eliminaram os Mr. Burns que não acrescentavam nada à dignidade que o futebol português precisa de ter e delegaram esse odioso papel em uns quantos jornalistas que, por terem de ganhar a vida, passaram a ter como missão serem executantes do plano. Os temas são analisados, os alvos escolhidos, as intervenções são treinadas, as perguntas alinhadas, os comentários sintonizados. À hora do concerto, seja televisivo seja escrito, todos os instrumentos tocam a mesma música e todos seguem os mesmos arranjos numa notável consonância de opiniões e argumentos, como se todos acompanhassem a mesma partitura, como se lessem todos o mesmo livro, ou a mesma cartilha. Progressivamente vão calando as vozes discordantes à medida que se vai subindo a fasquia da glorificação. E é desta maneira, tão pioneira quanto profissional, que se vai formatando e envenenando a opinião pública.

Poderá agora o leitor perguntar:

- Está bem, mas no que é que isto contribui para o que se passa no campo? Porque é dentro de campo que os jogos são disputados e ganhos e não nos jornais e na televisão.

Vamos imaginar que o leitor é dono de um restaurante, digamos um restaurante vegan/vegetariano no qual o leitor investiu uns bons patacos ao ponto de se ter tornado uma casa de referência. Mais ou menos na mesma área existe um restaurante de peixes e mariscos e uma churrasqueira. Um belo dia o leitor apercebe-se que a imprensa especializada começa insistentemente a falar de carne. Dos benefícios da ingestão de carne, dos tipos de corte, da presença essencial que a carne tem na nossa dieta, no ferro que as senhoras grávidas precisam de consumir. Nos programas gastronómicos sublinha-se a carne, as publicações culinárias só escrevem bem da carne, na rádio exaltam a carne e sempre a carne. Em uníssono! Está a seguir o meu raciocínio? Agora imagine o leitor proprietário dum lindo restaurante vegetariano que lhe chega ao conhecimento que a gerência da churrascaria anda a trocar e-mails com antigos jurados do Guia Michelin, que nessas missivas se dizia que se tinha de punir os autores de avaliações negativas à churrasqueira e premiar quem dissesse bem. O que faria o leitor? Provavelmente denunciaria o escândalo porque o leitor é pessoa de bem. Mas sabe o que faria a churrasqueira uma vez confrontada com a realidade? Em vez de reconhecer as evidências ou apresentar argumentos que desmintam o que se afirma, diria algo como: “Ah e tal mas aí há coisa de uns anos o gajo dos peixes tinha os carapaus cheios de mercúrio! Ai e coiso, mas tu há anos também fizeste algo que não tem nada a ver mas que vou espalhar por aí que foi uma coisa parecida e todas as pessoas vão acreditar!”

Trocando por miúdos, atividades que indiciam crime e que deviam ser objeto daquilo que antigamente em Portugal se chamava jornalismo de investigação são ignorados e agitam-se casos antigos e encerrados para distraírem as pessoas e evitar que estas se apercebam da gravidade dos casos e os discutam, para evitar que se forme opinião. No fundo e aqui está o cerne da questão: Para evitar que se crie uma consciência. Não falando dos casos é como se eles nunca tivessem existido.

Mas existiram.Apitou a Final da Taça, desceu de divisão

Existiram jantares para quatro pessoas pagos a cada membro das equipas de arbitragem que apitavam no Estádio da Luz, apesar de terem descontinuado a prática (evidenciando uma clara admissão de culpa pois se o procedimento era legal, por que o suspenderam?). Existem e-mails comprometedores trocados entre agentes desportivos com ligação à arbitragem portuguesa e altos dirigentes do clube da Luz cujo conteúdo aponta para tráfico de influências. Existem declarações públicas de árbitros que atestam a influência que o presidente deste clube tem no destino desportivo dos árbitros (basta ver a diferença de prémios monetários entre árbitros. Em 2012 os juízes recebem 1.272 euros por cada jogo na Liga principal e 890 na Liga de Honra). Existem gravações nas quais se ouve o presidente do clube encarnado a aprovar e reprovar árbitros propostos para os jogos da sua equipa. Existem árbitros que afirmam que o seu presidente lhes telefonava  com votos para que os jogos “corressem bem” apenas e tão-somente quando a equipa da Luz era uma dos envolvidas.  Existe todo um historial de pressão e condicionalismo sobre uma classe de agentes desportivos cuja isenção e imparcialidade é imprescindível para que a verdade desportiva se reflita no resultado final dum jogo de futebol e neste momento ninguém está em posição de afirmar que um árbitro entra em campo de cabeça limpa.

Basta fazer as contas e compreende-se rapidamente o dano financeiro que na família de um árbitro pode representar um fora-de-jogo ou um penálti inconvenientes. Afinal, ninguém é de ferroe todos temos contas para pagar.