terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Insónia

Morskie Oko - Isto tá mau...
 
E mais uma volta na cama. Para o que me havia de dar, insónias. Logo eu que sempre me gabei de nunca ter perdido o apetite nem o sono por maiores que fossem as preocupações. Acontece a todos, se calhar, em algum momento da vida. Não há vacinas contra as insónias como há contra o tétano ou a difteria, possivelmente se houvessem seriam tão caras que só de pensar no preço delas ficávamos sem sono. Repito a rotina que uso para adormecer: Passo os dias mais próximos em revista, extraio os momentos agradáveis modificando alguns detalhes para a estória ficar mais gira, edito e monto o filme e torno-o a ver, tantas vezes quantas as que forem precisas até me deixar embalar. Debalde. Hoje não pega.
 
Hoje esteve um dia frio, bera como o raio, alguns 9 graus negativos. Já no sábado esteve assim, levei um quarto de hora a raspar o gelo e a neve da capota do carro. Como eu tenho saudades de ter garagem... A cidade parece um vulcão adormecido, uma calmaria entre a erupção consumista das compras do Natal e a gigantesca borga de fim de ano, mas sente-se o borbulhar lá no fundo, como se pudesse explodir a qualquer momento. Mesmo as pessoas andam diferentes, parecem alheadas e andam pela rua sem saberem para onde ir, não têm mais prendas para comprar e ainda é cedo para se prepararem para a passagem de ano. É o pulinho do pardal, estes cinco dias entre uma coisa e outra, período de limbo cinzento. Se eu não tivesse trabalho provavelmente também andava como elas, ia espreitar uma montra para ver uma camisa de estrear na noite de ano novo mas tenho de passar o dia no elétrico para cá e para lá. Melhor assim, ao fim e ao cabo. Sempre estou a trabalhar e a ganhar dinheiro em vez de o gastar em coisas que, feitas bem as contas, não preciso. Toda a vez que encontro um assento vago no elétrico surge uma senhora, parece de propósito! Cedo-lhes o lugar por uma questão de educação e de simpatia que é a melhor coisa que podemos dar a uma pessoa que não conhecemos. Elas nem agradecem, deve ser do tempo, o frio emburrece as pessoas. Estranhamente começo a achar piada ao meu dia, as orelhas frias e os pêlos do nariz a crescerem para dentro, o carro a engrenar com dificuldade devido à ação do frio no gasóleo, o laguinho do parque Morskie Oko semi-congelado que até dói só de ver, os gorros enfiados nas cabeças irrepreensivelmente redondas dos polacos, as lojas já em promoções pré-natalícias e a vitória mais improvável do Sporting mais atípico dum passado recente. Embalo, vou dormir.
 
Quase a adormecer toca o sinal do chat do facebook. É ela a dizer que não pode ir almoçar comigo amanhã porque está ocupadíssima, e eu com o dia quase todo livre, só tenho uma reunião com os gerentes duma casa onde vou começar a tocar aos domingos, ela uma loura de pele láctea e olhos pequeninos cor de turquesa e ele um empresário tão rico que não sabe o que há-de fazer ao graveto e acha boa ideia empregar DJs portugueses. É péssimo lidarmos com ricos sem sermos ricos, absorvemos os hábitos dessas pessoas mas depois não conseguimos acompanhá-las. Lamento, o não ser rico e a nega dela. Já tinha imaginado uma lasanha de espinafres regada com um Barolo e rematado com um tiramisu numa trattoria nova e muito simpática no centro da cidade. A tal conversa do ovo na cloaca da galinha, um desperdício de disponibilidade, tantas horas vazias e eu com tão pouco para as encher. Desperto outra vez.
 
Vou à varanda para fumar um cigarro, intoxicar a cachimónia para ver se anestesio os neurónios e consigo pregar olho. Vá lá que o primeiro compromisso de amanhã é só à uma da tarde.
 
- Isto tá mau...
 
Marafado ano que nunca mais acaba, mesmo velho e moribundo insiste em xaringar-me a corneta até ao último suspiro.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Balanço

Sol em Kabaty Os fins de ano têm sempre uma coisa que eu não gosto: os balanços.

Esta minha antipatia por balanços já vem do tempo quando eu trabalhava na Farmácia Alexandre, na década de 90, muito antes da informatização das farmácias. Nessa altura o balança era feito à unha, um colega empoleirado num escadote assomando-se às prateleiras dos antibióticos anunciando quantas caixas de Britacil havia, a dosagem e o tamanho da embalagem. Outro enfiavam o nariz nas empoeiradas gavetas para dizerem quantas carteirinhas de Aspirina lá estavam – naquele tempo vendiam-se comprimidos avulso – ou lamelas de Nimed, pessários, xaropes de óleo de rícino, frasquinhos de formicida, champôs Johnson’s, todos os centímetros quadrados da farmácia era passados a pente fino e tudo registado digitalmente, ou seja, com os dedos a segurarem a esferográfica e os blocos de papel. Começava-se às 19:00 duma dada sexta-feira logo que as portas fechassem, a primeira noite ia até à uma ou duas da manhã, sábado o dia todo madrugada adentro e domingo até ao almoço. Era um horror!, mesmo que a equipa de colegas fosse divertida.

A tentação de fazer um balanço do ano quando entramos na reta final de dezembro é grande, olhamos para trás e tentamos perceber o que fizemos bem para repetir e o que fizemos mal para tirar ilações. O mal é que recordamos com mais facilidade as coisas ruins, talvez porque deixam uma marca maior. Quando a vida nos corre de feição nem nos lembramos disso, não refletimos, achamos que é assim que deve ser e não registamos esse período como especial ao passo que quando nos acontece um dissabor este permanece mais tempo na memória, martela o subconsciente e não nos deixa sossegados. O subconsciente é uma coisa desnecessária, é como o apêndice – só sabemos que existe quando começa a dar problemas. Lamentamos quando temos azares mas não mostramos gratidão no momento da felicidade, é assim a nossa maneira de ser. Egoístas e mal-agradecidos.

A somar a isto tudo, o problema das últimas impressões ficarem sempre mais presentes. Podemos ter tido um ótimo primeiro trimestre mas tudo isso vai ficando nos fundos da nossa sala de recordações à medida que eventos mais recentes vão entrando e sendo arrumados nas prateleiras mais próximas da porta da sala, ocupando o lugar das memórias mais atrasadas. Uma fabulosa mariscada caseira em janeiro pode muito bem ser suprimida em favor um frio ‘feliz natal’ em dezembro ou uma enorme farra de abril preterida por uma chatice de outubro. Por isso é que eu não gosto de fazer balanços, porque mais depressa me lembro dum corte falhado que deu uma oportunidade ao adversário em novembro do que da minha elevação imperial e cabeceamento irrepreensível para golo em março. Sou só eu que penso assim?

2014 não me deixa muitas saudades. Considerando a falta de objetividade que já expliquei acima e que me impede de analisar este ano num todo homogéneo, arrisco a qualificar este ano como o pior desde que me radiquei neste país. Desde sérios revezes familiares a complicações de cariz pessoal e profissional, 2014 serviu-me uma ementa completa de problemas e ralações que me colocaram numa roda de hamster durante semanas e meses, apático, incapaz de reagir, logo nesta terra que não perdoa aos indolentes e aos acanhados. Se por um instante caísse na tentação de fazer um balanço de 2014 diria que tinha sido um ano de merda, que pouco ou nada me tinhaRua de Nascente acontecido de positivo e que a única coisa de boa que este ano tem é o estar perto do fim. No entanto não o vou fazer para não contrariar a minha natureza. Esta diz-me que 2015 vai ser um ano de confirmações, realizações, conquistas e êxitos. Sempre foi assim desde que cá cheguei, o sol aparece sempre mesmo depois da mais intensa borrasca, mesmo nos tempos de maior incerteza consegui dar a volta por cima e tocar o barco para a frente.

Por isso, estimado leitor, permita-me que mande 2014 para o raio que o parta mais toda a negatividade com que me surgiu. Permita-me enxotar este ano maldito que, à parte alguns salpicos de alegria e satisfação, só me trouxe arrelias e chatices. Permita-me chutar o ano velho para longe, para tão longe que nem lhe consiga sentir o fedor. E se quiser junte-se a mim, ponha-se comigo à janela espreitando a rua que vem de Nascente, tentando perceber o que vai trazer 2015. Tenho grande fezada, amigo leitor, que vai ser um grandioso ano para nós.

Até porque há pouco tempo conheci o mais belo par de olhos azuis que alguma vez vi… E olhe que já vi muitos!