sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Primus Inter Pares - O Platinium fechou

Num espasmo da minha cada vez mais comatosa carreira de DJ, no passado mês de dezembro fui convidado para atuar em alguns clubes de Varsóvia. Foi uma oportunidade para atualizar a biblioteca, desempoeirar as pen-drives e ver o que se passa na noite varsoviana pois a vida de homem comprometido não permite, ou não devia permitir, grandes farras. Uma dessas festas foi numa das minhas catedrais de desbunda, o Platinium

Flyer festa 40 anosSoube com tristeza que vai encerrar e senti um aperto na garganta quando desci da cabine, auscultadores e discos na mala, sabendo que não ia mais voltar àquele lugar. Um clube onde quis tocar mal entrei pela primeira vez, um autêntico santuário de mulheres deslumbrantes e sensuais, verdadeiras feiticeiras de luxúria em dança furiosa e fascinante que me fizeram pôr em causa todos os conceitos que tinha sobre beleza e graciosidade. O Platinium sintetizava a noite da Europa de Leste,  ou Europa Central, como os polacos preferem. Era um supermercado de emoções e prazeres onde os relógios perdiam os ponteiros e as carteiras voltavam ocas para casa. Os olhares femininos batiam muito mais que os shots de vodca, esbofeteavam, arranhavam, despiam e lambiam para depois chutarem contra a parede. Os lavabos dos homens ficavam em frente dos das mulheres e cruzavam-se olhares atrevidos enquanto elas retocavam o batom e eles ajeitavam a fivela do cinto. O house era sempre de altíssimo quilate e na pista os suores corriam como gins e uísques derramados no gelo, toques e abraços, línguas e cabelos, ombros e coxas. O pecado em saltos altos e decotes agudos, os táxis entregavam raparigas bonitas e arranjadas e recebiam feras loucas e famintas, era como uma câmara de transformação onde se dissolviam todos os filtros e logo na primeira noite percebi que valia (quase) tudo.

Várias vezes voltei como cliente e várias vezes embriaguei-me com álcool e pernas, várias vezes nessas várias vezes olhava com gula para a cabine do DJ e imaginava-me por trás dos controles, maestro daquela orgia de sons e perfumes, a ditar de que forma as ancas se mexeriam, a pautar o ritmo dos impulsos, a decidir quando eles podiam ir fumar um cigarro e quando elas voltavam para a pista para que eles viessem atrás delas. Várias, tantas, tantíssimas vezes me perdi e encontrei naquele chão profano procurando compreender se seria melhor tornar-me o chefe da festa musical ou apenas deleitar-me com os lindos frutos que aquele pomar oferecia sem descanso... até que um dia (obrigado, Zinha!) consegui chegar à fala com quem contratava os DJs e após uma audição a um trabalho meu recebi um convite para fazer o warm-up (primeiro DJ que prepara o público para a atuação do DJ principal) de uma noite de sexta. Foi como se tivesse recebido uma proposta para fazer testes no Sporting! Fiquei tão contente que dormi uma média de quatro horas por dia na semana antecedente à atuação porque todas as noites aperfeiçoava o set. No Platinium tive a sorte e a honra (se calhar algum mérito, modéstia à parte) de trabalhar no ano em que o clube foi considerado Best Club in Warsaw, o que não é fácil considerando a concorrência. Fiz parte da equipa de DJs no clube mais mediático da capital da Polónia, cumpri o sonho de mandar numa festa no melhor clube da cidade e como cereja no topo do bolo em dezembro de 2013 recebi os meus amigos e atuei para eles na inesquecível festa dos meus 40 anos (lembram-se daquele soberbo passeio de limusine?).

Na minha última atuação senti que o Platinium já se despedia de mim, não havia muita gente porque os proprietários desinvestiram e não apostaram mais em marketing desde que o negócio da venda ficou fechado. Porém mesmo a meia-casa, mesmo já no inverno duma vida pujante e memorável, lá de cima da cabine consegui de novo ver uma pista cheia de toques e abraços, de línguas e cabelos, de ombros e coxas. Consegui ver de novo os meus amigos perdidos de bezana a enfardar barcos de vodca-Red Bull como se não houvesse amanhã e um blogueiro algarvio entalado entre o balcão do bar e o voluptuoso par de seios e os lábios de uma sueca (pois...), garrafas de vodca espetadas de cabeça para baixo nos frapés da zona VIP, muita mas mesmo muita extravagância.

O Platinium fechou. Parte da minha identidade varsoviana partiu com ele.

Facebook-20170113-111304