terça-feira, 30 de setembro de 2014

Há pouco mais de dois anos

Está de volta! Porque já há muito tempo não falava do Sporting e porque o momento atual do clube levanta algumas suspeitas, entendi que devia consagrar um par de linhas ao meu grande amor.

O adepto de futebol tem por regra memória muito curta e apaga com rapidez e facilidade os registos de temporadas anteriores, especialmente quando esses registos são negativos. Parece que há muito sportinguista a padecer do mal e já esqueceu o que aconteceu há apenas pouco mais de dois anos, altura em que o Sporting rubricou a pior época da sua centenária história, tanto no campo desportivo como em termos de gestão. Ninguém prognosticava uma recuperação a curto/médio prazo para aquele Sporting bisonho onde pontificavam nomes como Boulahrouz, Pranjić, ou Gelson Fernandes, um Sporting horroroso herdado do de Torsiglieri, Polga, ou Maniche. Contra os meus próprios prognósticos, que advogava uma solução tipo Fiorentina – refundação do clube para recomeçar com dívida zero, o Sporting renasceu e apresenta agora índices animadores de recuperação desportiva e financeira, qualificou-se diretamente para a fase de grupos da Liga dos Campeões quando há pouco mais de dois anos pairou o inimaginável fantasma da despromoção em Alvalade. Falava-se em 'belenensização', 'boavistização', 'riverplatização' do Sporting, falências e Planos de Recuperação, entregar o clube ao banco (e que rico banco...) e definhar em banho-maria.

Resulta que esta noite o Sporting vai enfrentar o Chelsea num jogo para a contar para a mais prestigiada prova de clubes de futebol do mundo. O sportinguista, que há pouco mais de dois anos pedia apenas entrega e garra aos seus atletas, que aspirava apenas a que os atletas dignificassem o leão rampante que levavam ao peito, esse sportinguista vai poder ver o seu emblema bater-se com os plantéis do mundo, vai poder ver o seu estádio acolher os melhores treinadores do mundo, vai poder ver os seus jogadores medir forças com as melhores equipas do mundo. Pelo meio iniciou uma batalha pioneira contra o parasitismo dos chamados 'fundos financeiros' que entretanto a FIFA adotou. Está sadio, confiante e os adeptos estão com a equipa, acompanham-na. Tenho amigos que saíram de Faro na sexta parGarra! a verem o clássico, voltaram às suas casas e já se meteram outra vez à estrada para estarem presentes no regresso da Champions a Alvalade. Quem poderia imaginar um cenário destes há pouco mais de dois anos?

Só há um homem mais fatalista que o português, é o sportinguista. Clube maldito, equipa sem sorte, perseguido pelos árbitros, o fado leonino. Esse fatalismo acaba hoje! Esta noite dá-se o primeiro passo na grande caminhada do Sporting até ocupar o lugar que lhe pertence. Mesmo que percamos hoje, não mais o Sporting mergulhará nas trevas, não mais o Sporting será desrespeitado, não mais o Sporting cairá na vulgaridade. Mesmo que o Cédric leve trezentas nozadas do Hazard, mesmo que o Diego Costa ate o Maurício e o Sarr no mesmo nó, mesmo que o Fàbregas passe por cima do Adrien, mesmo que o Terry varra o Slimani, mesmo que o Ivanović seque o Nani, mesmo que o Courtois não sue as luvas, isso não abala a minha férrea convicção que o Sporting está no caminho de recuperar o prestígio, a ilusão e aquilo que faz do Leão o meu clube. Há liderança, há crença, há ilusão. Há o que não havia há pouco mais de dois anos e isso já significa haver muito.

Agora sim, o Sporting está de volta!


 


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Sezam - Memórias

Sezam Se eu tivesse de escolher o Top 10 dos lugares mais significativos da minha vida eles seriam:

I - O Estádio de S. Luís, onde os meus tios me levavam a ver o Farense e onde comecei a gostar de futebol;

II - A Praia de Faro / Ria, onde passei os melhores momentos da minha infância com família ou amigos e para onde fujo num reset mental sempre que tenho possibilidade;

III - O Largo da Caganita, onde fiz as minhas primeiras amizades a tinta permanente e indelével;

IV - A Bijou, extinto salão de jogos em Faro onde conheci a minha primeira namorada (A Margarida);

V - O Liceu, onde me fiz rapaz e comecei a fazer homem;

VI - A Farmácia Alexandre, onde me fiz efetivamente homem e (a muito custo) aprendi o que significa obrigações e responsabilidades;

VII - A Disneyland Paris, onde tive a minha primeira experiência profissional no estrangeiro e que me incutiu a curiosidade em trabalhar fora de Portugal;

VIII - Tychy / Katowice, primeiros locais de residência e trabalho na Polónia e onde comecei a respirar ar eslavo;

IX - O Klubokawiarnia, discoteca onde conheci a mulher da minha vida e em cujas casas de banho fiz coisas que contadas ninguém acredita;

X - O Sezam, supermercado de atmosfera incrivelmente socialista onde eu comprava os meus pequenos-almoços quando trabalhava no meu primeiro emprego a sério em Varsóvia (Escola Bravo).

A possibilidade do Sezam ser encerrado já tinha sido aventada há algum tempo, o edifício em que o supermercado funcionava era obsoleto e sofria de malformações congénitas que o avanço do tempo e da tecnologia tratou de agravar. Anexo ao prédio do Sezam funciona o primeiro (e até à data mais lucrativo) McDonald's da Polónia, mesmo em frente ao estalinista Palácio da Cultura e da Ciência em mais um dos deliciosos contrastes que Varsóvia oferece a cada metro quadrado. Mais ao lado, no lugar onde antes havia a esplanada da hamburgueria, pesadas máquinas esgravatam o chão na laboriosa tarefa de concluir uma estação da segunda linha do metropolitano de Varsóvia, uma obra de Sta. Engrácia. Entretanto em redor do Sezam já tinham aberto bancos, lojas de roupa de marca, cafés, outrosSezam visto do PKiN supermercados de redes ocidentais. Mas o Sezam aguentava-se, baluarte dum comércio tradicional e castiço onde as mais antigas marcas polacas de manteiga e maionese conviviam lado a lado com Pepsis e Matutanos. Compravam-se deliciosos folhados de salsicha e outros de couve, havia uns estranhos bolos de queijo e frutos silvestres, pacotes de meio-litro de leite e numa ocasião até doce de batata doce comprei lá. Na cave do edifício funcionavam livrarias, lojas de totobola e raspadinhas, de meias de senhora, de carimbos e tinteiros de impressoras, de cortinados e reposteiros. O primeiro andar era ocupado por um estabelecimento que vendia champôs, louças e alguidares entre outros artigos de utilidade doméstica. O último andar era particularmente interessante pois no mesmo piso coexistiam uma afamada marca de eletrodomésticos e um oleoso bar cujas paredes transpiravam gordura e onde almocei uma única e suficiente vez com o meu compadre Mário. No rés-do-chão o tal supermercado, uma porta lateral com acesso tímido para o McDonald's e outro pormenor lindo: A galeria de arte de Ewa Tudorska, não mais de 5m2 com exposição permanente das pinturas da autora e onde às vezes a mesma se abancava a ver um livrinho como se ela própria estivesse para venda.

O carismático Sezam assistiu à derrota de primos seus, estabelecimentos dos tempos de outrora que foram apagados em nome do progresso ou da modernização. O mercado KDT em frente ao Palácio da Cultura, o Jarmark junto ao precursor do Estádio Nacional onde – diz a lenda – até órgãos humanos se podia comprar entre outras sinistras superfícies comerciais. É uma prova de que a cidade mudou, mudança que tenho testemunhado ao longo destes quase sete anos de Polónia. Pouco tempo, quiçá, mas tempo suficiente para ter memórias, recordações daquilo que foi e que já não é. Coisas que já se foram, coisas que se perderam.

Oxalá eu não tenha perdido tudo, e do que perdi oxalá consiga recuperar pelo menos uma coisa que eu cá sei.