quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A inauguração desportiva do Estádio Nacional – 100 dias para o Euro2012

Estádio Nacional O Estádio Nacional foi inaugurado desportivamente na noite de hoje em Varsóvia tendo como prato forte o jogo entre as seleções principais da Polónia e de Portugal, desafio que despertou entusiasmo e expetativa entre os polacos e que resultou numa afluência massiva de mais de 50.000 pessoas ao recém-concluído estádio ansiosas por testemunhar o primeiro jogo na estrutura desportiva mais importante do país.

Varsóvia engalanou-se para o baile, deu tréguas no frio a futebolistas portugueses e fez subir a temperatura até aos 6º C, um rebuçado comparado com os –12º C que infligiu aos sportinguistas há dias. O público era na esmagadora maioria da casa e só esporadicamente se podia vislumbrar um ou outro tímido ponto verde e uma bandeira lusa no imenso mar branco e vermelho que eram as bancadas no Narodowy, dezenas de milhar de polacos que bem cedo começaram os cânticos de apoio à sua equipa e até a fazer a onda mexicana, coisa invulgar nesta terra de comportamentos mais circunspetos. Quando os acordes d'A Portuguesa entoaram pelo menos três portugueses acompanharam o hino com uma mão no coração e outro no pulmão, é que a festa era polaca mas o esplendor é de Portugal. Estrofes sentidas, a Pátria ali no relvado, nós de volta à raíz, ao berço, à terra, o John abraçado ao Dani, o Dani abraçado a mim e eu a abraçar o lado esquerdo do peito. O nosso hino é de uma pujança e de uma solenidade que só devia ser tocado por decreto. De repente e no meio do hino... as palmas, o estádio a bater palmas ao hino português, uma reação inesperada que prova que o adepto de futebol polaco não pode ser representado na sua totalidade pelos arruaceiros que puseram Lisboa em estado de sítio quando a Legia foi lá jogar. Linda, a homenagem do público polaco à canção portuguesa retribuída com um respeitoso silêncio enquanto A Mazurka de Dąbrowski se ouvia. Tal como eu havia dito em declarações prestadas a uma estação televisiva polaca, este era um jogo de festa entre dois países amigos e sem razões para quezílias. Estavam lançados os dados, o jogo ia principiar.

Mais compromisso por parte dos voluntariosos jogadores polacos, mais envolvimento, mais aguerridos e mais entregues ao jogo enquanto os portugueses trocavam calmamente a bola entre si. A festa era polaca e eles é que tinham de entreter o público que pedia constantemente golos, notando-se essa sede de golos sempre que a seleção da águia recuperava a bola e ensaiava envolvimentos ou conseguia trocar a bola a meio campo, mesmo sem progressão. Sentia-se a emoção a cada metro ganho, a cada passe metido, a cada finalização de lance ainda que frouxa. O público puxava pelas suas cores mas Portugal arrefecia os  ânimos eslavos quando Nani galgava pelo seu corredor, sentia-se que Portugal podia marcar um ou dois golos na primeira parte caso pisasse um pouco mais no acelerador mas Adepto bezanotambém se viu que os jogadores portugueses não tinham muito interesse nisso, para não estragar a festa dos simpáticos anfitriões e para não se exporem a lances mais viris que resultassem em lesões mal-vindas numa altura em que se jogam partidas decisivas para os desfechos de várias ligas europeias e para as próprias competições da UEFA. E foi assim que o jogo se desenrolou, uns podendo ganhar e não querendo, outros querendo ganhar mas não podendo, um 0-0 insonso que não feriu suscetibilidades e que embalou as muitas cervejas e vodcas que transpiraram naquelas bancadas como testemunha a imagem acima.

Não me vou alongar nas apreciações técnico-táticas porque não sou jornalista desportivo nem é essa a natureza deste espaço, este é o ponto de vista dum português que mora em Varsóvia e nesse aspeto fiquei muito agradado com o estádio enquanto recinto desportivo e seguramente será motivo de orgulho e honra para os polacos e para os varsovianos em particular. Uma única chamada de atenção para o dispositivo de escoamento da multidão – As autoridades policiais encerraram a ponte Poniatowski ao trânsito e cortaram os transportes públicos nos dois sentidos desde a Rotunda Washington até à Rotunda de Gaulle obrigando as pessoas que assistiram ao jogo a percorrer dois quilómetros a pé pelo tabueiro da ponte que passa por cima do rio Vístula até aos autocarros e táxis que estavam na margem oeste do rio num processo fácil de vazar o estádio e suas imediações mas não muito confortável para pessoas com dificuldades de locomoção. Solução típica do Leste: É soltá-los e eles que se amanhem! Polónia e Portugal não têm um passado de problemas entre adeptos e por isso não houve confusões no trajeto mas não pude deixar de pensar “E se um gajo com os copos resolve meter-se comigo por causa do cachecol de Portugal? E se se dá aqui uma caldeirada das antigas, malta ponte abaixo, como é que é?” Não houve problemas porque não houve provocações de parte a parte mas pergunto-me como será se um dia a Inglaterra (ou a Rússia, ou, pior!, a Alemanha) vierem disputar jogos oficiais a Varsóvia.

E se estivessem os –12º C que ripei com os munines no Pepsi Arena há quinze dias?

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cine Polónia - II

Os Dois Que Roubaram A Lua A indústria polaca de cinema tem produzido títulos que são conhecidos a nível internacional, casos do famoso Katyń que teve nova vida depois do desastre aéreo de Smolinsk em abril de 2010, e do recente W Ciemności que foi nomeado pela Academia das Artes e Ciências Cinematográficas para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Até houve filmes portugueses que contaram com a presença de polacos como Piotr Adamczyk, um dos mais famosos atores polacos que foi protagonista no filme de Miguel Gaudêncio Second Life ao lado de nomes como Lúcia Moniz, Pedro Lima e Paulo Pires sendo que o polaco era o único … ator propriamente dito. Cineastas como Andrzej Wajda, Roman Polański e Rafał Wieczyński assinaram títulos memoráveis e mesmo em Hollywood há muitos polacos no negócio principalmente nas funções off-screen, é um exercício engraçado ver qual o genérico final dum filme que não tem um Kowalczyk ou um Nowak incluído (tal como ver se há alguma produção que não tenha um Souza ou um Silva mencionado).

A Polónia também produz filmes para o mercado interno, películas como Popiełuszko - baseado na história do jovem padre assassinado pela polícia secreta polaca devido às suas convicções e instigações pró-Cartazes de Carta Para M e O Amor Acontece Solidariedade - ou A Guerra Polaco-Russa foram sucessos recentes de bilheteira e demonstram a pujança duma indústria que serve 40 milhões de pessoas, das grandes cidades às vilas maus pequenas. Tal como em Portugal, o cinema na Polónia viveu a sua idade do ouro em tempos mais antigos na era da "comédia fina", um jeito subtil de entreter o público mas sempre no limiar do que era permitido pelo Estado do qual Sami Swoi ou Como Comecei a Segunda Guerra Mundial é um bom exemplo, uma arte condicionada pelos ditames do regime principalmente a partir da instauração da Lei Marcial em 1981. Era um cinema mais genuíno, mais autêntico, mais polaco.

Cartazes de Ocean's Twelve e Sztos 2 Agora a indústria vira-se mais para as grandes produções, filmes modernos que versam temas contemporâneos e comuns a qualquer sociedade ou civilização do planeta. O cinema polaco globalizou-se, cosmopolitizou-se, pega em fórmulas de sucesso em outros países e veste-as com roupagens polacas, transforma os nomes, muda Los Angeles ou Londres para Varsóvia ou Cracóvia e regista êxitos de biheteira mesmo que a arte e originalidade não sejam o principal atributo desde cinema mainstream. Até os cartazes publicitários têm enormes parecenças com os grandes sucessos de Hollywood.

O cinema polaco acompanha as tendências da moda e tenta estar na vanguarda do que se faz nos Estados Unidos da América, tem meios e profissionais técnicos de primeira qualidade e uma escola de cinema em Łódź com pergaminhos e reputação elevada no meio. Podia era ter argumentistas e publicitários mais criativos, é que o plágio a que ultimamente se têm votado para obter lucro rápido chega a ser motivo de escárnio e não dignifica o passado nobre da indústria cinematográfica polaca.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Ou escreves algo que valha a pena ler, ou fazes algo acerca do qual valha a pena escrever.

Benjamin Franklin

E como ultimamente não se tem passado nada digno de registo nem coisas que considero valerem a pena comunicar, casa-trabalho-trabalho-casa, temos silêncio. Peço desculpa mas de momento é o que se pode arranjar…

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Braços no ar!

Sportinguistas em Varsóvia Estavam sete graus negativos à hora do início da contenda, um frio difícil de suportar se não estivermos em movimento. A fórmula habitual de combate à rijeza, cântaros de cerveja ou de vodca, era desaconselhada devido ao controlo à entrada do estádio, a polícia polaca mandava assoprar no pífaro para medir as octanas nos hálitos dos espetadores, mais de uma imperial no registo equivalia a entrada negada. Um grupo de seis irredutíveis algarvios ocupou por fim os seus lugares, puxou de cigarros nervosos para acelerar a concentração, abriu os braços e os pulmões e recebeu o Sporting com a paixão e a entrega que só nós conhecemos.

De facto só nós sabemos porque não ficaram em casa aqueles algarvios, rapaziada mais acostumada a toalhas espreguiçadas em areias quentes, preferindo enfrentar a dureza do inverno continental só para ver um jogo de futebol. Pois aí é que está, não era apenas um jogo de futebol. Além da visita ao amigo emigrado na Polónia e da consequente visita guiada pelos pontos mais célebres e turísticos da capital polaca, havia um propósito maior que tinha de ser cumprido fosse qual fosse a latitude onde o jogo fosse disputado: Jogava o Sporting e ele precisava de nós.

Ser adepto dum clube, no meu caso do Sporting Clube de Portugal, é bem mais do que comentar resultados na segunda-feira ou discutir Matias em vez de Carrillo. Não se pode chamar de adepto aquele que bota faladura sobre momentos de forma mas não mete os pés em Alvalade, não tem legitimidade aquele que rasga jogadores e técnicos mas nunca pagou um bilhete nem um mês de quota. O Sportinguismo não é só de boca, não é um decreto nem um bem alienável. O Sportinguismo é um evangelho que se pratica, que se demonstra, que exige penas e dores, não é apenasMunines... e uma polaca quando as coisas correm bem que se diz que é sportinguista, é quando a chuva (neste caso, a neve) cai, quando o vento uiva, quando todas as probabilidades, as conjunturas e os prognósticos estão contra, quando ninguém julga que podemos dar a volta por cima… aí estamos nós. Os Sportinguistas, os sempre fiéis, aqueles que acreditam numa causa, num ideal tal como o marido traído vezes sem fim mas que sempre regressa aos braços da mulher que ele ama. Os amigos bem que lhe dizem para a deixar, para a trocar por outra mais bonita ou mais nova mas ele só vê este amor, esta cor, esta dor. Impossível imaginá-lo noutra cama que não o do seu amor, a apreciar outro perfume que não o do seu amor, a provar outros lábios que não os do seu amor. Que o ceguem para que ele não veja as crueldades que o seu amor lhe inflige, que o embebedem para ele não sentir os ferros com que o seu amor lhe bate mas enquanto houver um pingo de sangue, um suspiro, uma pulsação, aquele corpo terá um e um só lema, uma só ideia, um só dono, um só amor: O Sporting.

Em Varsóvia, na passada quinta-feiram, o Sportinguismo foi praticado mais uma vez por estes munines, moços que a expensas do Sporting já sofreram chuvas e rixas, neves e gripes, insolações e ressacas mas estão lá, dão o corpo ao manifesto e gritam “presente!” quando tal é necessário. É disto que um Clube é feito! Mas só os escolhidos têm vida para isto, barafustar de pantufas a partir do sofá é que é para qualquer um.

E o Sporting é o nosso grande amor!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Tragam ceroulas, moços!

Ora, mais ou menos vinte e quatro horas antes do jogo Legia - Sporting a cidade de Varsóvia apresentava este visual:

Varsóvia 7.45 am

Por sua vez, a Pepsi Arena, palco do jogo, tinha este aspeto:

Pepsi Arena um dia antes do jogo

Isto vai ser lindo…

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Calma, Portugal. Não é só aí que há maus políticos.

Joanna Mucha A Final da Supertaça da Polónia é um jogo de futebol que, tal como em Portugal e em qualquer país onde se disputem provas de futebol profissional nos mesmos moldes que Portugal e Polónia, opõe o vencedor da Liga e o da Taça, no caso da Polónia respetivamente Wisła de Cracóvia e Legia de Varsóvia. A edição de 2012 estava marcada para este sábado no Estádio Nacional na capital polaca mas entretanto foi anulada devido à recusa da emissão do certificado de segurança por parte de algumas autoridades, um documento de importância acrescida quando frente a frente se encontrariam duas equipas de rivalidade ancestral cujas falanges de seguidores detestam-se visceralmente. O estádio padece de atrasos crónicos, atrasos na adjudicação da construção, atrasos na consolidação das estruturas de sustentação das bancadas e sofre agora de mais dois atrasos, o de implementação do relvado, iniciado apenas anteontem, e o carimbo de autorização de realização de megaeventos. Grande pressão tem vindo a ser exercida junto das entidades oficiais, da Federação Polaca, da Liga e do Governo através da tutela, o Ministério do Turismo e do Desporto. Joanna Mucha, a ministra que detém a pasta do Desporto, fez jus ao epíteto de B&B (bonita e burra) quando, provavelmente já agastada com tanto debate e insatisfação popular, soltou esta pérola na praça pública:

- Mas quem é que escolheu logo estas equipas para este jogo?

Sra. Ministra… Bom, é melhor eu ficar calado.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Postais da Polónia - 16

Zakopane Não era um preto de cabeleira loura nem um branco de carapinha como se dizia no início dos anos 80 sobre as coisas que fugiam ao convencional. Era apenas um filho da Praia de Faro e do Largo da Caganita que andava na cordilheira dos Tatras no último fim de semana, um corpo estranho entre seres e pessoas habituados aos rigores da temperatura e da altitude, um moço mais dado e habituado a estender-se preguiçosamente na areia a apanhar sol do que descer montanhas cobertas de neve tapado dos pés à cabeça. O meu irmão John organizou um fim de semana para os amigos em Zakopane, vila do sul da Polónia alcunhada de "Capital Polaca de Inverno".

Zakopane é residência fixa de aprox. 25.000 pessoas, número que aumenta substancialmente durante a época da neve com particular incidência para os fins de semana e os feriados de maio chegando a subir dez vezes a população habitual. É uma terra pitoresca com chalésOscypek de telhados inclinados, ruas estreitas e escorregadias onde os carros se deslocam devagar para não derraparem no gelo. Zakopane tem uma oferta turística interessante com destaque para o aluguel de material de desportos de inverno (fatos, esquis, capacetes, etc.), a feira onde se vendem artigos típicos da região como peças de artesanato, roupas montanhesas ou o delicioso oscypek (queijo de leite de cabra) e a gastronomia das montanhas onde as panquecas de batata com cogumelos, as trutas e os joelhos de porco marinados ocupam o topo das preferências. Também o vosso escriba é apreciador das especialidades da montanha e aconselha qualquer uma destas iguarias sem reservas, no entanto constatei que mesmo 1500 e tal dias depois de ter vindo para este país há coisas que ainda não me passam pelo nó da sopa como a pasta de rábano que serve de guarnição ao pão ou os venenosos pepinos fermentados que são piores que chupar gomos de limão a sangue-frio. Isso não anula o prazer de ser servido travessas opulentas de carne com batatas por funcionários vestidos a rigor em restaurantes castiços onde violinos e pianolas animam a clientela que brinda com imperiais de litro ao estilo de vida montanhês. Depois dum suculento festim deu-se a maratona da vodca, corridas vertiginosas de garrafas, uma loucura etílica na qual nove marmanjos aspiraram meia dúzia de frascos de aguardente de batata não contando as cervejas que serviam para acalmar a úlcera entre os penáltis. O resultado foi uma sequência de fotografias engraçadas (ou comprometedoras, conforme o ponto de vista) e uma mão-cheia de carraspanas rebolando ladeira abaixo e divulgadas nas redes sociais da moda, nem por isso pior gozadas. Aí sim, desfrutei do Montanheses (Gorale)ar da montanha, foi o rir com a malta que era a nossa e outra que se foi juntando ao ponto de acabar a noite a discutir gramática inglesa com uma professora da língua, dois belfos da bebida que tentavam elaborar compêndios duma matéria que naquele momento era impossível debater, um pagode de rir.

Zakopane é bonito de se ver, uma vila incrustada no vale de várias montanhas e com diversos cumes brancos de onde se vislumbram esquiadores descendo as suas encostas e que decoram a localidade como papel de parede, uma paisagem bonita e imponente, a Natureza em estado cru. É uma imagem completamente oposta à dos prédios cinzentos da Cidade Capital ou do areal dourado do Algarve, só por isso já merece a visita. Apesar das 5:30 horas que o carro leva desde Varsóvia e das ultrabaixas temperaturas, potenciadas pelo vento que não parou de soprar todo o fim de semana, adorei a estadia nos Tatras e mal posso esperar pela próxima oportunidade.