quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O que é que a gente tá aqui fazendo? - 14


Às dez horas da noite em Tarchomin parece que estou numa cidade da península de Kamchatka. Não se vê vivalma na rua, ninguém se aventura a sair de casa e enfrentar a poeira de neve que cai e que cobre os carros, as últimas pessoas a pisar aqueles passeios já debandaram há muitas horas, vieram da missa das sete enfiadas e atarracadas nos casacos e gorros caminhando a passadas curtas mas rápidas, meteram-se em autocarros ou em carros particulares, muitas moravam ali perto e depressa recolheram ao quentinho do lar. Eu dou uma vista de olhos ao bairro e certifico-me que de facto não se passa nada.

É dos livros, quando chega o inverno o humor dos polacos cai mais depressa que o escudo, resguardam a iniciativa em alguidares de café para se manterem acordados ou em vasilhas de chá para se manterem aquecidos. Não sou adepto desse desporto mas rendi-me à cafeína matinal, ajuda mesmo a despertar o encéfalo e a enfrentar os alfarrábios de Conjuntivo e preposições que me esperam ansiosos nas prateleiras da escola. O Homem é um animal de hábitos e a capacidade de adaptação e flexibilidade faz a diferença nestas paragens, a substituição ou aquisição de novos hábitos por mais estranhos que sejam faz parte do processo de integração, muitos deles até ajudam a enfrentar as condições climatéricas agora que o ar arrefece e a vontade de sair da cama é menor.

Pois é. Eu procuro sempre ver o lado positivo da coisa, mesmo na altura em que toda a gente lamenta a chegada do inverno eu consigo perceber que os dias começam a ser mais longos a partir do solstício de dezembro, quando a neve cai aos caixotes eu alegro-me porque isso é sinal de subida de temperatura, quando o termómetro marca -15º ou -20º eu ainda encontro motivos de satisfação pois nesses dias geralmente o sol brilha (não aquece, é certo, mas ao menos brilha) e quando os dias estão encobertos significa que vai estar à volta de -5º e assim já não preciso de cachecol nem de gorro. Há sempre uma outra face em cada moeda e eu tento olhar para aquela que mais me agrada ou que melhores sensações me desperta, ainda estou para descobrir o que é que esta rua nevada dum bairro do norte de Varsóvia tem de positivo. Mas tranquilo, alguma coisa boa há-de ter e eu hei-de encontrá-la para evitar que o meu munine Rui Miguel faça a pergunta que dá título ao artigo.