sexta-feira, 20 de julho de 2012

Das pérolas a porcos

Cerveja de fim de tarde em Varsóvia, duas raparigas polacas e um rapaz português. Conversa entre elas:

- Não sei o que se passa com os homens deste país, andam todos abichanados. Vestem-se como gays, andam como gays, falam como gays e aqueles que não são gays são labregos. Que desgraça a minha.

Seguiram-se uns segundos de silêncio, logo a mesma rapariga, olhos azuis turquesa marejados de indignação, enfatiza:

- Eu quero ter sexo, eu preciso de ter relações sexuais, mas com quem? Desde março que não se passa nada, o que há de errado comigo?

O português leva a garrafa de cerveja à boca para evitar comentários demasiado sinceros. Ela volta-se para ele e diz:

- Tu sabes que eu gosto muito de ti, diz-me porque é que eu não consigo ter ninguém.

O português, na sua inevitável latinidade, rende-se, pousa a garrafa depois de ter engolido o que faltava de um trago, olha-a dentro daquele olho cor de fundo de piscina e anuncia:

- Linda, se passares uma semaninha no sítio de onde eu sou voltas para a tua terra sentada num balde de gelo com o andar igual ao Lucky Luke.

Dito isto levantou-se e foi ao bar pedir mais três fresquinhas antes que dissesse mais alguma coisa de que se pudesse vir a arrepender no futuro.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Crónicas de Lviv - 6

ukrnafta Consegui arrastar os jagunços para fora daquela cena de tragicomédia às 2:00, já me doía o braço dos subanos que o ucraniano me dava e tinha os ouvidos dormentes das perguntas da menina hiperativa de Lviv e ainda tinha umas centenas de quilómetros pela frente. Não estava cansado, estranhamente, sentia-me desperto e capaz de levar o carro mas confessei ao Dani, o outro condutor, que não me importava se parássemos numa bomba de gasolina para tomarmos um estimulante. Assim fizemos, já tínhamos localizado uma estação da Shell à entrada da cidade (porque a UkrNafta não inspirava muita confiança), ponto onde fomos abastecer carros e neurónios. O Dani grita: "Olha só para o preço do diesel!"

O gasóleo estava a €0.99 por litro, quase cinco vezes menos que em Portugal, quatro vezes menos que em Varsóvia (na Polónia os preços dos combustíveis não são cartelizados como em Portugal dando-se o caso de serem mais baixos em zonas onde o poder de compra dos polacos é mais reduzido, por exemplo, o preço da gasolina é mais alto em Varsóvia do que noutras cidades do país) e por isso decidimos atestar. Quando acabo a operação fixo o número da bomba, a importância e entro à procura do Red Bull da ordem, a estrica adicional para suportar melhor a viagem. Vejo latas de meio litro, dose cavalar, "nesta terra é tudo à bruta" pensei, mas ainda bem. Vou pagar, o funcionário pede-me 400 coroas das deles, eu vi que só tinha posto 250. Já estava a barraca armada.

O homem diz algo que eu não percebi, eu respondo "Ja, Mercedes" e repito a quantia em polaco. Ele diz que niet, niet e chama a colega que por sua vez abandona o cliente que estava a atender deixando-o em pé de guerra. Mais palavras em decibéis elevados e enervados, a mensagemdinheiro ucraniano sem passar e a mulher resolve assumir as rédeas da situação, o colega refugia-se atrás do balcão sacudindo a cabeça, faz-me lembrar o empregado do restaurante, a mulher pega em dois talões e aponta para eles e para as bombas, ralha em ucraniano apontando insistentemente para os talões e para as bombas e pergunta "rozumi?" Aí desorientei e expliquei tudo em polaco tim-tim-por-tim-tim e pareceu-me que estávamos a chegar a algum entendimento quando se ouve uma voz muito baixa, como se pronunciada debaixo de água "Um momento...". Era o segurança, falava português.

Um ucraniano em Lviv que fale português, isso é menos natural que o preto de cabeleira loura ou o branco de carapinha mas caiu do céu. Num português ferrugento mas bendito ele explicou que o rapaz tinha cobrado a bomba do Dani a mim e que o Dani tinha pago a minha conta, a solução era fácil, cada um pagava a gasosa do outro e acertávamos as contas um com o outro mais tarde. O Pimpão não perdeu hipótese de meter conversa com o senhor, perguntou-lhe tudo e ele lá foi respondendo que tinha trabalhado em Lisboa e Tomar, que tinha sido muito bem recebido pelos portugueses e que por isso torcia por Portugal no Europeu. Era um facto, os ucranianos confessaram-nos a sua predileção por Portugal muito em parte devido à hospitalidade com que recebemos os seus compatriotas durante a sua diáspora. Foi uma conversa bem disposta, alegre e necessária para arejar o ambiente, depois dos problemas solucionados ele conclui com uma expressão que eu já tinha ouvido na Polónia: "A cabeça trabalha", o Dani completa: "Mas não é sempre" Seguimos viagem.

Sair de Lviv foi um alívio para o automóvel, recuperámos a calma nas suspensões, calou-se a chiadeira e calaram-se os munines também, cansados da aventura, dos cânticos, da pressa das coisas. À noite aquelas aldeias onde meninos e velhotes nos saudavam e vitoriavam parecem desertas, de dentro das casas não se vê um fio de luz, das chaminés não sai um risquinho de fumo, nada indicia que as casas tenham gente e só se vê pernadas de árvores, sebes mal podadas, sinaisSinal medonho escritos em cirílico, uma paisagem sinistra que só consegue melhorar quando imagino o mesmo lugar no inverno, o anoitecer prematuro, o frio insuportável, a aspereza das pessoas e da gastronomia rural eslava. As mesmas terras passam por nós, os mesmos nomes estranhos, as mesmas placas ferrugentas e estragadas que exibem as marcas de um passado negligente e austero, como se tivesse sido teletransportado 20 anos atrás no tempo, os Lada agora descansando numa garagem feita de ramos de carvalho, as casas sem reboco e por fim as luzes do posto fronteiriço, a cancela da liberdade, a passagem para a civilização, o escape para o éden, a fuga atrasada por mais uma fila, mais um controle, mais uma série de burocracias, uma boa meia hora em plena madrugada ucraniana à espera do visto nos passaportes.

Fuma-se para matar o tempo, todos menos o Giga e o Rui. Cansados, os munines rendem-se ao aparelho das formalidades. Já não estamos habituados a isto, desde a ponte sobre o Guadiana, e temos de levar a coisa na desportiva. Olho para trás e vejo um raio de sol a levantar-se sobre a planície ucraniana, sobre a terra que tanto me preencheu o imaginário da adolescência. Onde eu estive, aquela terra onde conduzi era União Soviética há pouco mais de 20 anos. Era a terra de Dasaev, de Gorbachev, de Kasparov, nomes da minha infância que habitavam paragens tão longínquas que me pareciam irreais, que só existiam na televisão. Os soviéticos, os terríveis, os malvados, os déspotas. Caramba!, eu estive lá, na terra que já foi deles, na ex-URSS.

Fronteira de voltaOs guardas mandam avançar, eu julgo que ouço o marchar de botas militares na minha direção e por um segundo vejo o escudo da foice, do  martelo e da espiga por cima do corredor automóvel em vez do tryzub – o tridente amarelo em fundo azul. Impressão minha.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

1:00, toca a acordar que já é de dia

TrovoadaA noite cai e a temperatura não parece baixar, o ar continua húmido, pegajoso, lembra os entardeceres da República Dominicana aos quais só lhes falta o mar e as palmeiras. O resto existe, o calor e a sensação de que precisamos de outro banho cinco minutos depois de termos saído de debaixo do duche. Há um contraste incrível, uma diferença enorme entre a Polónia de inverno e a Polónia de verão. Do frio ártico que varre o país, das massas de ar polar que assolam a Europa Central e que nos fazem tiritar na rua, castigando-nos com violentos –20º ou –25º até ao calor abafado que obriga as pessoas a estufar debaixo de 30º ou até 35º, uma diferença de temperatura na casa dos 60 graus, coisa absurda. Os roupeiros têm de ser maiores para albergarem tanta roupa de inverno, de verão e de meia-estação que faz falta, casacos, sobretudos e blusões dividem a camarata com as t-shirts, camisolas e camisas mais frescas. O curioso é que, ao contrário do que se passa(va) na casa dos meus pais em Faro, não se pode tirar a roupa de inverno de lugar para colocar a de verão quando a estação muda porque não se sabe quando uma gabardina vai ser necessária em pleno julho ou um casaco mais forte vai fazer falta nos fins de tarde mais frescos de agosto. Temos de reservar um espaço imenso em casa para guardar toda a roupa, todos os sapatos e botas, todos os calções e gorros muitas vezes na mesma gaveta, uma tarefa interessante se tivermos em consideração a pequenez da maioria dos apartamentos de Varsóvia, pelos menos aqueles que pertencem aos meus amigos que por não nadarem em dinheiro têm de viver em áreas mais módicas.

Estas condições climatéricas são ideais para grandes trovoadas de verão, tempestades terríveis que assolam toda a Polónia sem deixarem nenhuma pedra por levantar. Há pessoas que não se importam com trovoadas, há mesmo que se ponha à janela para assistir ao espetáculo mas eu não sou desses, não gosto de trovoadas como já referi em artigos anteriores. Os entendidos dizem que as fobias tratam-se com a exposição contínua à fonte do medo, não queTrovoada em Ursynów eu tenha medo de trovoadas – prefiro chamar-lhe respeito. Acho que algo semelhante me está a acontecer visto que quando a tempestade de aproxima e quando a banda de trovões anuncia a sua chegada não me enervo tanto como antigamente. Quatro anos a conviver com estas situações já me dão algum calo e não me irrito tão facilmente. Mas há um problema que permanece e para o qual eu não hei-de ter remédio, é o horário que as malditas escolhem para aparecer, raramente durante o período de tempo que passo no trabalho, concentrado demais para ouvir e ver o que quer que seja, mas sempre alguns minutos depois da meia-noite, hora em que habitualmente toca a recolher na minha casa. Às vezes até chegam mais tarde, deixam que eu adormeça embalado pela brisa que sopra entre os ramos dos teixos que tenho em frente à varanda, a corrente fresquinha que passa de janela em janela e ajuda a cair no sono, mas depois entram ventanias vigorosas e repentinas que batem portas e vidros, explosões ensurdecedoras, clarões arrepiantes e olhinhos bem abertos porque não há quem consiga dormir com tanto barulho, tenho de me levantar para fechar as janelas porque batem nos caixilhos com tanta força que podem quebrar-se a qualquer momento. Acho que a Natureza faz de propósito, uma sinfonia de trovões, uma revolução que eclode quando a cidade está mais pacífica, mais tranquila, mais silenciosa. Parece que é para lembrar do sítio onde estamos, Varsóvia, onde nada surge fácil, tudo é obtido a duras penas, nada é ganho sem suarmos as estopinhas. Segunda-feira é por hábito o dia mais complicado da semana, pois eis uma trovoada épica durante a madrugada para começarmos bem a jornada, de bom espírito e motivados para o trabalho.

Nem quando os dias parecem bonitos Varsóvia nos faz a vida fácil.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Varsóvia e a nostalgia depois do Euro2012

Começou assim, a maior Fan Zone do Euro2012.

Fan Zone de Varsóvia

Por dentro era assim, 120000 m² de restaurantes, bares, bancadas e de muito espaço para ver a bola nos diversos ecrans disponíveis.

Fan Zone - interior

A festa acontecia tanto de dia como de noite, a rua Nowy Świat era o palco preferencial de todas as comemorações.

Nowy Swiat de noite

Nos dias anteriores aos quartos-de-final em Varsóvia, o Portugal – Rep. Checa, até encontrámos patrícios estacionados em pleno centro da Cidade Capital. À patrão!

Fan Zone com furgoneta portuguesa

Até os edifícios vizinhos se associaram ao evento. Havia festa, cor, alegria.

Prédios decorados

Agora que o torneio acabou, vê-se isto.

Desmantelamento da Fan Zone

E as intermináveis obras da segunda linha do metropolitano que hão-de durar até ao ano 2063.

Cruzamento Swietokrzyska - Marszalkowska

O problema de viver um certame destes por dentro é a sensação de vazio que se sente depois do circo partir, já é a minha segunda vez (2004 e 2012) e nunca fica mais fácil…q;,(

ps – John e Dani, juntos não perdemos nenhum!