segunda-feira, 29 de abril de 2013

Força Farense, alé!

Farense!

14.000 pessoas (quase 1 em cada 3 habitantes de Faro) juntaram-se no mítico Estádio de São Luís para celebrar o regresso do Sporting Clube Farense aos campeonatos profissionais, um passo mais no caminho árduo que o clube está a percorrer até chegar ao seu local de sempre – a Superliga. Um farense residente em Varsóvia devorou cigarros ouvindo o relato e abriu uma Amarguinha para comemorar a vitória e a ascensão à II Liga.

Se és de Faro, és do Farense!

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Do desejado mas inútil sol do mês de abril


Já durante a noite tinha ouvido a chuva a cair, tamborilando no parapeito da janela como o anel de um guarda prisional a bater nas grades da cela em sinal de aviso. Alertado pelas pedras de água que me impediam o sono esperei pelo habitual, pela trovoada, inseparável companheira das chuvadas varsovianas, escudeira fiel dos dilúvios da Cidade Capital. Fiquei de sobreaviso para não saltar da cama à primeira descarga, irritado por antecipação, em estado de pré-fúria por antever uma noite em branco, o culminar ideal para a tarde de merda que tinha tido - podemos escolher tudo na vida, até o momento e estilo da morte, mas não podemos escolher a família. Nada mais natural. Mas o trovão não veio, a chuva percebeu que eu estava demasiado zangado com as minhas coisas para lhe dar importância e abandonou ou seus propósitos, talvez com medo que eu a xingasse, adormeci de novo e não me mexi até amanhecer.

O dia nasceu prometedor, 10° C sempre é melhor do que a invernia que sofremos este ano, um inverno que pareceu perpétuo. Saí para a rua como um coelho de focinho para o ar a cheirar o céu cor de rato para tentar perceber se aquela tonalidade era só mau feitio ou se tinha algum fundamento meteorológico. Fui buscar o carro, tinha-o deixado numa garagem situada por trás dum cemitério nos confins da cidade, três quartos de hora de elétrico e autocarro, vivendas envelhecidas de paredes descascadas com carcaças automóveis ferrugentas no perímetro, muros de reboco caído, passeios decrépitos em que a única marca de vida é o musgo que cresce arrastadamente, um musgo com medo de ser verde, com medo de destoar no meio daquela pobreza plástica e que por isso se tornou também cinzento, um musgo camaleónico que se adaptou à tundra de asfalto e brita de Młociny para não ser corrido a pontapés de ciúmes.

O ruído estranho não era do motor como eu receava mas do compressor do ar condicionado que entregou a alma ao criador, um arranjo mais económico do que eu pensava e que resultou numa surpresa agradável e tão desejada como uma sombra na ilha de Tavira em agosto, recuperei o carro e dei uma volta a ver se encontrava algum lugar onde pudesse fazer a troca de pneus para os de verão mas nada, tive de voltar para o centro da cidade montado numa roda pequena que desestabiliza a condução. Paciência.

Entretanto clareou e a promessa de chuva nâo se cumpriu, as nuvens compreenderam a minha magna irritação e os olhares de ódio que os varsovianos lhes enviaram desde a crosta terrestre e abriram frechas que o sol alargou com prazer entornando raios generosos de luz e calor. Parece que é desta que ele, o sol, mesmo que seja ainda um imberbe sol de abril, veio para ficar. Espero que sim porque conduzir com este pneu suplente é o mesmo que andar com uma perna de pau.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O país das estátuas gigantes

No tempo da Guerra Fria era costume nos países do Pacto de Varsóvia erguerem-se monumentos às grandes personalidades do regime. Figuras de Lenine em Budapeste, enormes estátuas a Ceaucescu em cidades romenas, um portento de mármore em honra a Estaline em Praga. Uma prática comum em ditaduras cujo líder quer ver a sua imagem adorada e perpetuada, recordamos as estátuas de Saddam Hussein derrubadas por vontade dos próprios iraquianos ou as abismais réplicas de Kim il-Sung e Kim Jong-il - fundador da Coreia do Norte e filho / sucessor respetivamente. O culto da imagem do Chefe de Estado, a imagem vigilante, o olho grande sobre a população como que a dizer 'durmam (in)tranquilos porque estou atento'. Essa prática nunca colheu adeptos nos países democráticos e mesmo na Polónia se assistiu a um derrube de estátua aquando do processo de democratização do país, concretamente o monumento a Felix Dzierzhinski que existia na Plac Bankowy e que dava nesse tempo o nome à praça (Plac Dzierżyńskiego). Os tempos mudaram, a Polónia democratizou-se, humanizou-se, civilizou-se até mas manteve alguns dos tiques comunistas em vários setores da sociedade principalmente num que talvez fosse o mais insuspeito de todos neste campo - a Igreja Católica.

É sobejamente famosa a forma como a Igreja manipula a informação e o raciocínio de uma parte significativa da população polaca, tanto que 30% de polacos continua a acreditar que Smoleńsk foi mesmo atentado porque o presidente Lech Kaczyński detestava os russos e por isso o Kremlin queria
limpar-lhe o sarampo. É também conhecida a estapafúrdia estátua de Jesus Cristo erigida sabe-se lá com que fundos nos arredores dum vilarejo de 20.000 almas chamado Świębodzin, um mamarracho de 36 metros de altura que até ficou direcionado... para a Alemanha. Pois a autoridade-sombra volta a ser notícia pela iminente inauguração em Częstochowa duma estátua de 14 metros de João Paulo II, objeto considerado a maior estátua do mundo ao papa polaco, obra polémica na ótica de vários arquitetos devido à escala, aos materiais utilizados (plástico) e ao seu posicionamento que obstrói uma das principais entradas rodoviárias da cidade.

Częstochowa é a capital espiritual da Polónia, cidade gémea de Fátima, e é lar de 235.000 pessoas. Talvez seja o único lugar onde tal construção tem cabimento mas começo a ficar preocupado com as preocupações dos polacos, protestam que os hospitais não têm meios e que as estradas são das piores do continente porém canalizam uma pipa de massa para este tipo de aquisições perfeitamente dispensáveis. Fica uma pergunta no ar para alguém me esclarecer, qual a diferença em conceito entre as estátuas acimas mencionadas e estas recentes levantadas em solo polaco?

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Postais da Polónia - 18

Ao fim de quase seis anos a viver nesta terra decidi almoçar num Bar Mleczny, um bar de leite na tradução direta para Português. O que é um 'bar de leite'?

O primeiro estabelecimento deste cariz foi criado em Varsóvia pelo senhor Stanisław Dłużewski no distante ano de 1896 e tinha a função de servir refeições com base em laticínios, legumes e farináceos. A ideia pegou facilmente e assistiu-se à abertura de casas semelhantes por todo o país até que em 1918 o Estado nacionalizou os bares de leite regulamentando os preços e menus tornando-os acessíveis apenas aos cidadãos com maior poder de compra. Posteriormente o regime socialista adotou o conceito para responder às necessidades dos trabalhadores que não tinham cantina no seu posto de trabalho e expandiu-o cobrindo toda a Polónia e popularizando o novo lugar de comida rápida onde todos podiam obter uma refeição quente por um preço justo. Presentemente os bares de leite oferecem principalmente especialidades da gastronomia polaca como os pierogi, o joelho de porco ou pyzy que são bolas de batata com farinha que se comem em substituição das próprias batatas. Os preços estão afixados num menu inalterável colocado numa parede do restaurante, cada refeição custa em média um terço do que é cobrado pelo mesmo prato num restaurante privado, o cliente dirige-se à caixa anunciando a sua escolha após o que lhe é entregado um talão o qual será posteriormente passado à funcionária que dispensará o prato pedido. Depois de terminar a refeição o cliente tem de levantar a mesa, devolver os pratos sujos e assegurar a higiene do lugar que ocupou.

O Bar Mleczny é um local asseado e de boa comida, conservando também a característica socialista da dissolução de classes. Com efeito, o número de clientes ultrapassa largamente os lugares disponíveis e os clientes muitas vezes têm de partilhar as suas mesas com outros comensais, o que significa que qualquer pessoa se pode sentar na nossa mesa sem que nós tenhamos muito direito a fazer espalhafato. Vi homens de vestes executivas almoçando na mesma mesa que estudantes universitários, mendigos a partilharem papossecos e sopas, estudantes universitários (irritantes espanhóis que castanholavam aos berros o seu idioma num canto da sala), senhoras de idade muito elegantes à mesa com outras mais humildes, secretárias e administrativas a comer com operários. À minha mesa sentou-se uma rapariga depois de ter vasculhado a sala com o olhar, deve ter pensado que eu tinha aspeto suficientemente fiável, pediu autorização para pousar os pratos e abriu o jornal na secção de classificados. Presumi que devia estar entre empregos. Desejei-lhe bom apetite, acabei o frango, despedi-me dela e vim para a Universidade de barriguinha cheia (belo frango assado no forno), contente pela qualidade e pela sensação que fiquei de que ainda há lugares onde não se olha às letras que colocam atrás do nome.

sábado, 6 de abril de 2013

O hotel mais caro do Leste

estação de ressaca Todas as grandes cidades polacas possuem uma Izba Wytrzeźwień, uma câmara onde os ébrios são levados para se recuperarem da bebedeira. Estas unidades fornecem cuidados de saúde às pessoas em estado de embriaguez tão avançado que descuidam a sua condição higiénico-sanitária, para aqueles cuja bezana represente ameaça à ordem pública ou perigo no local de trabalho, em caso de violência doméstica sob o efeito do álcool, dispõem ainda de um serviço de desintoxicação e de alguns mecanismos de tratamento do alcoolismo. As Izba são fundamentais para o controle do alcoolismo na Polónia porquanto removem os bêbados da rua e levam-nos para um local seguro e onde podem ’curtir a bebedeira’ sem representarem perigo par ninguém, nem para eles próprios. Nestes locais existem condições para o bêbado ser cuidado e tratado sem que se ocupem outros serviços de cuidados médicos como hospitais ou centros de saúde. Durante o inverno é comum verem-se homens (principalmente) entorpecidos sentados ou deitados nos bancos das ruas, são esses homens e mulheres os principais elementos duma longa lista de vítimas de acidentes relacionados com o álcool e o frio, pessoas que adormecem embriagadas para nunca mais acordarem ou que vagueiam por zonas potencialmente perigosas como ruas movimentadas, margens de rios ou caminhos ferroviários. Por esse motivo é obrigatório reportar às autoridades se for detetado um bêbado em risco.

O alcoolismo é um problema sério na sociedade polaca, o hábito do álcool está enraizado nas tradições deste povo como ferramenta de desinibição e de confraternização. Beber é um ato social, de amizade e fraternidade e aquele que não bebe corre o risco de ser marginalizado. Com álcool fecham-se negócios – dizia-se que as partes negociantes ficavam mais tolerantes e abertas ao entendimento depois de convenientemente regadas e por isso os polacos já não vão a jantares de negócios com os russos, porque estes são autênticas esponjas e encostam-nos às cordas –, celebram-se efemérides, selam-se uniões de sangue, comemoram-se êxitos e afogam-se desilusões. É uma situação perfeitamente aceitável virar uma garrafa de vodca com amigos durante uma noite de copos, bebem-se imperiais de litro e meio litro ao jantar, não é raro ver raparigas completamente desgraçadas a caminho dos táxis ou autocarros que as hão-de levar a casa depois de vários assaltos de cerveja. A bebedeira não é vista com horror pelos polacos, antes o epílogo incomodativo mas aceitável dum festejo que correu bem.

Porém, e apesar de existirem lojas que comercializam bebidas alcoólicas abertas 24 horas por dia, o Governo e as autoridades estão cada vez maiscamas na estação atentos às bebedices de rua impondo limites e autuando os que saem da linha. É proibido consumir álcool na via pública nem que seja uma inócua lata de cerveja, bares e restaurantes necessitam duma licença especial para a venda de bebidas alcoólicas, jovens menores de idade estão impedidos de adquirirem tais produtos e se alguém for intercetado pela polícia em estado de intoxicação será imediata e compulsivamente levada para uma das Izba até que ressaque completamente. Casos foram relatados de pessoas que tiveram de passar dois dias na estação para se livrar da carraspana, uma estadia que não deve ter ficado barata uma vez que todos os cuidados prestados ficam por conta do utente.

Há cidades que encerraram a sua Izba Wytrzeźwień como medida de poupança, decisões que não tiveram bom resultado como no caso de Kielce que fechou a sua unidade em 2010 provocando uma inundação de indivíduos alcoolizados no hospital trazidos pela polícia, situação que dificultou a vida do pessoal médico que teve de passar a lidar com um número grande de bêbados agressivos ao passo que na ‘estação de ressaca’ os embriagados são apenas trancados numa sala requerendo menos pessoal médico e de autoridade para sua vigilância. Apesar de alguma polémica levantada por relatos de maus tratos e de desrespeito pelos direitos humanos que de vez em quando são emitidos, as Izba Wytrzeźwień continuam sendo um importante mecanismo de controle e tratamento do alcoolismo na Polónia sendo altamente enaltecidas por muitos responsáveis e elementos do Poder Local.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Azedume

 

Não há outro pecado além da estupidez

 Oscar Wilde

 

Já há pouco comentei isso com um amigo de Varsóvia, estou a passos largos de me tornar um misantropo. Ando a ganhar uma aversão alérgica à estupidez humana, incomoda-me cada vez mais a predisposição das pessoas para fazerem mal aos outros, a incapacidade que têm para detetar comportamentos e atitudes inadequadas, as incoerências, as verdades elásticas, essa merda toda que fazem para poderem estar de bem com deus e com o diabo. Não é que eu só veja preto e branco ou zeros e uns, a minha opinião do mundo não é binária, mas irrita-me o cinzentismo que uma pessoa diga na minha frente 'A' porque lhe fica bem dizer esse 'A' mas que na verdade faça 'B' e 'C' quando me afasto ou quando sente que está sozinho. Sinto que estou cada vez menos tolerante às alarvidades que são ditas e escritas, a falta de respeito e consideração que se tem pelo próximo e, isso então é a irritação suprema, que me façam de estúpido ao tentar empurrar estupidezes para eu as comprar, fazendo juras a pés-juntos para mandar toda essa oratória às malvas no momento seguinte.

Este corrente estado de espírito decorre de atitudes direcionadas a mim e assistidas por mim, perfeitas idiotices ou insolências dispensáveis que tornam mais difícieis tanto as vidas de quem as pratica como as de quem é objecto disso. Já me ocorreu armar-me em provedor ou justiceiro da sanidade social, pegar numa barra de ferro e eliminar todos os inúteis que se ocupam de dar cabo da vida dos outros, romper-lhes o crânio para verificar se o que têm lá dentro é mesmo massa cinzenta ou matéria defecada por algum bovino incontinente porque até à data não me conseguem convencer que certos indivíduos tenham dentro da cabela células da mesma natureza das que eu tenho na minha, sendo que me considero um cidadão meão no que diz respeito a escolaridade e valor social.

A oportunidade deste artigo pode ser confundida com o local de origem do mesmo, Faro, por isso quero deixar já bem claro que não é por estar de férias em Faro que me fartei de gente parva ou que estou a insinuar que na minha terra só há idiotas. Absolutamente! Tenho gabo em poder afirmar que entre os meus amigos de 'ranho-à-bica' tenho gente com elevadíssimo senso comum e que se bate bem em muitos temas académicos e da atualidade mesmo não possuindo grau universitário, como recentemente se pôde comprovar em mais uma jantarada da 'Malta do Largo da Caganita', agora pomposamente designado 'Praça Silva Porto'. Faro não é albergue de idiotas nem o epicentro do zotismo português, por isso não se pense que estas linhas são o resultado de alguma reflexão sobre a realidade farense que vim encontrar. É apenas uma punhada na mesa que tive de assentar por ver tanto néscio e tanto pulha a poluir a humanidade, tanto mentiroso e tanto falso, tanto sorriso pela frente e tanta facada pelas costas, tanta falta do já mencionado senso comum. 

Já vi isto mais perto de acabar no divã se um psicanalista ou de um convento...