quinta-feira, 25 de abril de 2013

Do desejado mas inútil sol do mês de abril


Já durante a noite tinha ouvido a chuva a cair, tamborilando no parapeito da janela como o anel de um guarda prisional a bater nas grades da cela em sinal de aviso. Alertado pelas pedras de água que me impediam o sono esperei pelo habitual, pela trovoada, inseparável companheira das chuvadas varsovianas, escudeira fiel dos dilúvios da Cidade Capital. Fiquei de sobreaviso para não saltar da cama à primeira descarga, irritado por antecipação, em estado de pré-fúria por antever uma noite em branco, o culminar ideal para a tarde de merda que tinha tido - podemos escolher tudo na vida, até o momento e estilo da morte, mas não podemos escolher a família. Nada mais natural. Mas o trovão não veio, a chuva percebeu que eu estava demasiado zangado com as minhas coisas para lhe dar importância e abandonou ou seus propósitos, talvez com medo que eu a xingasse, adormeci de novo e não me mexi até amanhecer.

O dia nasceu prometedor, 10° C sempre é melhor do que a invernia que sofremos este ano, um inverno que pareceu perpétuo. Saí para a rua como um coelho de focinho para o ar a cheirar o céu cor de rato para tentar perceber se aquela tonalidade era só mau feitio ou se tinha algum fundamento meteorológico. Fui buscar o carro, tinha-o deixado numa garagem situada por trás dum cemitério nos confins da cidade, três quartos de hora de elétrico e autocarro, vivendas envelhecidas de paredes descascadas com carcaças automóveis ferrugentas no perímetro, muros de reboco caído, passeios decrépitos em que a única marca de vida é o musgo que cresce arrastadamente, um musgo com medo de ser verde, com medo de destoar no meio daquela pobreza plástica e que por isso se tornou também cinzento, um musgo camaleónico que se adaptou à tundra de asfalto e brita de Młociny para não ser corrido a pontapés de ciúmes.

O ruído estranho não era do motor como eu receava mas do compressor do ar condicionado que entregou a alma ao criador, um arranjo mais económico do que eu pensava e que resultou numa surpresa agradável e tão desejada como uma sombra na ilha de Tavira em agosto, recuperei o carro e dei uma volta a ver se encontrava algum lugar onde pudesse fazer a troca de pneus para os de verão mas nada, tive de voltar para o centro da cidade montado numa roda pequena que desestabiliza a condução. Paciência.

Entretanto clareou e a promessa de chuva nâo se cumpriu, as nuvens compreenderam a minha magna irritação e os olhares de ódio que os varsovianos lhes enviaram desde a crosta terrestre e abriram frechas que o sol alargou com prazer entornando raios generosos de luz e calor. Parece que é desta que ele, o sol, mesmo que seja ainda um imberbe sol de abril, veio para ficar. Espero que sim porque conduzir com este pneu suplente é o mesmo que andar com uma perna de pau.

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