terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Insónia

Morskie Oko - Isto tá mau...
 
E mais uma volta na cama. Para o que me havia de dar, insónias. Logo eu que sempre me gabei de nunca ter perdido o apetite nem o sono por maiores que fossem as preocupações. Acontece a todos, se calhar, em algum momento da vida. Não há vacinas contra as insónias como há contra o tétano ou a difteria, possivelmente se houvessem seriam tão caras que só de pensar no preço delas ficávamos sem sono. Repito a rotina que uso para adormecer: Passo os dias mais próximos em revista, extraio os momentos agradáveis modificando alguns detalhes para a estória ficar mais gira, edito e monto o filme e torno-o a ver, tantas vezes quantas as que forem precisas até me deixar embalar. Debalde. Hoje não pega.
 
Hoje esteve um dia frio, bera como o raio, alguns 9 graus negativos. Já no sábado esteve assim, levei um quarto de hora a raspar o gelo e a neve da capota do carro. Como eu tenho saudades de ter garagem... A cidade parece um vulcão adormecido, uma calmaria entre a erupção consumista das compras do Natal e a gigantesca borga de fim de ano, mas sente-se o borbulhar lá no fundo, como se pudesse explodir a qualquer momento. Mesmo as pessoas andam diferentes, parecem alheadas e andam pela rua sem saberem para onde ir, não têm mais prendas para comprar e ainda é cedo para se prepararem para a passagem de ano. É o pulinho do pardal, estes cinco dias entre uma coisa e outra, período de limbo cinzento. Se eu não tivesse trabalho provavelmente também andava como elas, ia espreitar uma montra para ver uma camisa de estrear na noite de ano novo mas tenho de passar o dia no elétrico para cá e para lá. Melhor assim, ao fim e ao cabo. Sempre estou a trabalhar e a ganhar dinheiro em vez de o gastar em coisas que, feitas bem as contas, não preciso. Toda a vez que encontro um assento vago no elétrico surge uma senhora, parece de propósito! Cedo-lhes o lugar por uma questão de educação e de simpatia que é a melhor coisa que podemos dar a uma pessoa que não conhecemos. Elas nem agradecem, deve ser do tempo, o frio emburrece as pessoas. Estranhamente começo a achar piada ao meu dia, as orelhas frias e os pêlos do nariz a crescerem para dentro, o carro a engrenar com dificuldade devido à ação do frio no gasóleo, o laguinho do parque Morskie Oko semi-congelado que até dói só de ver, os gorros enfiados nas cabeças irrepreensivelmente redondas dos polacos, as lojas já em promoções pré-natalícias e a vitória mais improvável do Sporting mais atípico dum passado recente. Embalo, vou dormir.
 
Quase a adormecer toca o sinal do chat do facebook. É ela a dizer que não pode ir almoçar comigo amanhã porque está ocupadíssima, e eu com o dia quase todo livre, só tenho uma reunião com os gerentes duma casa onde vou começar a tocar aos domingos, ela uma loura de pele láctea e olhos pequeninos cor de turquesa e ele um empresário tão rico que não sabe o que há-de fazer ao graveto e acha boa ideia empregar DJs portugueses. É péssimo lidarmos com ricos sem sermos ricos, absorvemos os hábitos dessas pessoas mas depois não conseguimos acompanhá-las. Lamento, o não ser rico e a nega dela. Já tinha imaginado uma lasanha de espinafres regada com um Barolo e rematado com um tiramisu numa trattoria nova e muito simpática no centro da cidade. A tal conversa do ovo na cloaca da galinha, um desperdício de disponibilidade, tantas horas vazias e eu com tão pouco para as encher. Desperto outra vez.
 
Vou à varanda para fumar um cigarro, intoxicar a cachimónia para ver se anestesio os neurónios e consigo pregar olho. Vá lá que o primeiro compromisso de amanhã é só à uma da tarde.
 
- Isto tá mau...
 
Marafado ano que nunca mais acaba, mesmo velho e moribundo insiste em xaringar-me a corneta até ao último suspiro.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Balanço

Sol em Kabaty Os fins de ano têm sempre uma coisa que eu não gosto: os balanços.

Esta minha antipatia por balanços já vem do tempo quando eu trabalhava na Farmácia Alexandre, na década de 90, muito antes da informatização das farmácias. Nessa altura o balança era feito à unha, um colega empoleirado num escadote assomando-se às prateleiras dos antibióticos anunciando quantas caixas de Britacil havia, a dosagem e o tamanho da embalagem. Outro enfiavam o nariz nas empoeiradas gavetas para dizerem quantas carteirinhas de Aspirina lá estavam – naquele tempo vendiam-se comprimidos avulso – ou lamelas de Nimed, pessários, xaropes de óleo de rícino, frasquinhos de formicida, champôs Johnson’s, todos os centímetros quadrados da farmácia era passados a pente fino e tudo registado digitalmente, ou seja, com os dedos a segurarem a esferográfica e os blocos de papel. Começava-se às 19:00 duma dada sexta-feira logo que as portas fechassem, a primeira noite ia até à uma ou duas da manhã, sábado o dia todo madrugada adentro e domingo até ao almoço. Era um horror!, mesmo que a equipa de colegas fosse divertida.

A tentação de fazer um balanço do ano quando entramos na reta final de dezembro é grande, olhamos para trás e tentamos perceber o que fizemos bem para repetir e o que fizemos mal para tirar ilações. O mal é que recordamos com mais facilidade as coisas ruins, talvez porque deixam uma marca maior. Quando a vida nos corre de feição nem nos lembramos disso, não refletimos, achamos que é assim que deve ser e não registamos esse período como especial ao passo que quando nos acontece um dissabor este permanece mais tempo na memória, martela o subconsciente e não nos deixa sossegados. O subconsciente é uma coisa desnecessária, é como o apêndice – só sabemos que existe quando começa a dar problemas. Lamentamos quando temos azares mas não mostramos gratidão no momento da felicidade, é assim a nossa maneira de ser. Egoístas e mal-agradecidos.

A somar a isto tudo, o problema das últimas impressões ficarem sempre mais presentes. Podemos ter tido um ótimo primeiro trimestre mas tudo isso vai ficando nos fundos da nossa sala de recordações à medida que eventos mais recentes vão entrando e sendo arrumados nas prateleiras mais próximas da porta da sala, ocupando o lugar das memórias mais atrasadas. Uma fabulosa mariscada caseira em janeiro pode muito bem ser suprimida em favor um frio ‘feliz natal’ em dezembro ou uma enorme farra de abril preterida por uma chatice de outubro. Por isso é que eu não gosto de fazer balanços, porque mais depressa me lembro dum corte falhado que deu uma oportunidade ao adversário em novembro do que da minha elevação imperial e cabeceamento irrepreensível para golo em março. Sou só eu que penso assim?

2014 não me deixa muitas saudades. Considerando a falta de objetividade que já expliquei acima e que me impede de analisar este ano num todo homogéneo, arrisco a qualificar este ano como o pior desde que me radiquei neste país. Desde sérios revezes familiares a complicações de cariz pessoal e profissional, 2014 serviu-me uma ementa completa de problemas e ralações que me colocaram numa roda de hamster durante semanas e meses, apático, incapaz de reagir, logo nesta terra que não perdoa aos indolentes e aos acanhados. Se por um instante caísse na tentação de fazer um balanço de 2014 diria que tinha sido um ano de merda, que pouco ou nada me tinhaRua de Nascente acontecido de positivo e que a única coisa de boa que este ano tem é o estar perto do fim. No entanto não o vou fazer para não contrariar a minha natureza. Esta diz-me que 2015 vai ser um ano de confirmações, realizações, conquistas e êxitos. Sempre foi assim desde que cá cheguei, o sol aparece sempre mesmo depois da mais intensa borrasca, mesmo nos tempos de maior incerteza consegui dar a volta por cima e tocar o barco para a frente.

Por isso, estimado leitor, permita-me que mande 2014 para o raio que o parta mais toda a negatividade com que me surgiu. Permita-me enxotar este ano maldito que, à parte alguns salpicos de alegria e satisfação, só me trouxe arrelias e chatices. Permita-me chutar o ano velho para longe, para tão longe que nem lhe consiga sentir o fedor. E se quiser junte-se a mim, ponha-se comigo à janela espreitando a rua que vem de Nascente, tentando perceber o que vai trazer 2015. Tenho grande fezada, amigo leitor, que vai ser um grandioso ano para nós.

Até porque há pouco tempo conheci o mais belo par de olhos azuis que alguma vez vi… E olhe que já vi muitos!

domingo, 30 de novembro de 2014

Retalhos da vida de um Algarvio - Parte 22

Iluminaçao de Natal Sempre achei piada às pessoas que se queixam da vida que têm, que se lamentam que a vida é uma trampa e engendram teorias de conspiração estelar ou de ações coordenadas por parte de entidades misteriosas que têm por único propósito estragar-lhes a sua/nossa existência. Um exagero que às vezes até chega a aborrecer. Já há muito tempo que aprendi que a vida é aquilo que nós fazemos com ela e que tudo que nos ocorre foi porque de alguma maneira contribuímos para que tal sucedesse, que tudo acontece por uma razão e que somos nós que fazemos acontecer. Outra coisa que também aprendi, afinal já são mais de quarenta anos a virar frangos, é que há sempre alguém com problemas mais sérios que nós independentemente da gravidade que as nossas maleitas possam apresentar. Já passei por graves crises devido ao caráter liberal da minha profissão e consegui sempre dar a volta por cima devido a uma dose de perseverança, de dois saudáveis bracinhos e duas rijas perninhas que nunca fraquejaram na altura de pegar no batente. Tão rijas estão que até dá para distribuir ripada (e alguma qualidade) em campos de futebol da Mazóvia. Por isso encaro todos os fenómenos que surgem na minha vida como consequência de decisões tomadas, mesmo que por vezes os considere inoportunos. Esta reflexão a propósito do fim-de-semana que ora finda.

Sexta-feira fui convidado para uma festa de portugueses, uma daquelas festas já outrora descritas neste espaço e que marcam a vivência dum tuga radicado em Varsóvia. Os ingredientes eram os mesmos de sempre pois numa fórmula de sucesso não se mexe: Bebida com fartura, um sortido invejável de gajas boas, convidados bem-dispostos, música de qualidade, tudo o que faz falta para a borga durar até às 3 da matina. Entre penáltis de vodca, jolas e balões de hélio aspirado, aconteceu de tudo ao vosso escriba, até mesmo uma interessantíssima discussão com uma rapariga sérvia sobre o quão hot são os lumbersexuais, tentando ela convencer-me que a moda agora é machos peludos e cheirando a suor, chegando ao ponto de reprovar a minha escassez capilar torácica depois de ter enfiado a mão pela minha t-shirt acima. Uma pouca-vergonha. Poupando pormenores, importa apenas o epílogo da noite que consistiu numa ‘saída à inglês’ com uma das convidadas.

Sábado voltei a sentir aquela conhecida sensação de acordar em cama alheia com o dia adulto e a boca a saber a papel de música, roupa espalhada pela sala como se tivesse rebentado uma bomba na divisão, unhas de pé envernizadas a aparecer por baixo do edredão, copos deixados a meio em cima da mesa de cabeceira, a pele a tresandar a vodca e fumo. Mal dormido e depois de mais um tiro no porta-aviões consegui voltar a casa com a cabeça a 10 e o mundo a 100, o duche e o pequeno-almoço dos duros puseram-me quase fino para as quatro horas de aulas que tinha para despachar à tarde antes de atacar a festa da noite, tocar num bar numa festa subordinada ao tema Andrzejki. No fim do evento estava combinado mais um folguedo com os colegas de equipa do Inter Warszawa mas o motor estava a precisar de repouso e tomei o rumo de casa onde encontrei a minha cama mais sexy do que nunca, como se fosse uma banheira cheia de mousse de chocolate. Apaguei. Dormi 11 horas de estalo.

Domingo seria um dia de penumbra em condições usuais, pedir pizas e ver bola italiana, mas os meus capangas de sempre (Semper fidelis!) resgataram-me para uma lauta patuscada de hambúrgueres, colesterol a montes para recuperar a condição física. Pessoal que nunca me falha e queFuck sushi! sempre lança a bóia na melhor altura. Depois do restauro ainda mais um passeio em companhia feminina, pouca vontade em caminhar na rua com seis graus abaixo de zero e por isso entrámos num bar onde ela comeu uma salada de cuscus e eu churupitei um sumo de maçã. De repente a pergunta dela: ‘O que é o amor?’ À brutalidade da questão respondi com uma bem trabalhada e filosófica dissertação que até a mim surpreendeu pela fluidez e saímos do restaurante, resistindo às tentativas dela de me levar ao centro comercial para a aconselhar na compra dum gorro para o frio mesmo que ela me chamasse a atenção para a beleza das iluminações de natal do centro de Varsóvia.

Finalmente dei comigo em casa e de pijama. Sentei-me no sofá com o comando da tv numa mão e um copo de gelo mergulhado em Amarguinha no outro, a refletir nas minhas últimas noites de fim de semana em que o prato forte foi borga da forte e feia e a pensar que se calhar já não tenho vida para isto.

Mas se calhar é isto que a vida tem para mim.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Quando um arrumador polaco tem mais competências linguísticas que muitos empresários algarvios

Carrefour Express de Tarchomin, tardinha de cacimba e alguma rijeza que o outono decidiu entrar ao serviço. O único algarvio das redondezas sai do supermercado com o carrinho das compras cheio de fruta e legumes (sopinhas, agora que o tempo vai arrefecendo) mais um garrafão de cinco litros de água. Chega-se ao carro e pelo canto do olho bispa um papítrio montado em duas canadianas a aproximar-se, com certeza para cravar uns trocos. Diz o agarrado, em polaco:

- Boa tarde, senhor. Posso fazer-lhe uma pergunta?

Responde o algarvio impaciente e aborrecido, em português:

- Desculpa, amigo. Não faço polaco, não sei o que estás a dizer.

E toca de meter as compras na bagageira do carro. O arrumador de carrinhos de compras hesita um pouco e torna, conciso e preciso:

- Hmmm... Excuse me, sir. Would you be so kind as to let me park your shopping car?

Levantei a cabeça, olhei para ele e só consegui dizer-lhe:

- Um... Sure...

Uma das escassíssimas vezes em que alguém me deixou sem resposta foi protagonizada por um polaco toxicodependente. Toma lá que já almoçaste!

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Postais da Polónia - 20

MRPP Portugal, finais da década de 70. Tempos de palavras pesadas como ‘Revolução’, ‘Revisionismo’, ‘Censura’, ‘Insurreição’, ‘Reacionários’. Tempos de siglas sinistras como ‘MRPP’, ‘COPCON’, ‘SUV’, ‘PREC’, ‘LUAR’. Tempos de atentados bombistas, de assaltos a bancos, de murais de inspiração política, de partidos de esquerda maoísta, trotskista, guevarista, marxista e moderada, do 25 de abril e do 25 de novembro, de Eanes, Cunhal, Sá Carneiro, Otelo e Soares, movimentos militares e civis, burguesia e classe operária, capitalismo e proletariado.

No Portugal de brandos costumes que se conhece até custa a acreditar que houve casos de piratas do ar – o primeiro caso mundial de desvio de um voo comercial aconteceu em Portugal, a ‘Operação Vagô’. Porém era um Portugal efervescente aquele em que vivi no primeiro lustro de vida, daí que todos os nomes e acrónimos acima mencionados façam parte do meu imaginário, palavras que me fazem recuar aos tempos dos televisores a preto e branco, dos Citroën GS de 4 velocidades e das calças de boca de sino.

Todas essas memórias me assaltaram quando eu voltava para casa depois de ter ido uma grande superfície comercial comprar chinelos de piscina – não porque queira mandar umas braçadas mas porque tenho de proteger os pés nos balneários dos campos de futebol – e passei por um cruzamento onde estava esta placa, a placa que indica onde é a Rua dos Proletários.

Medo!

Faz algum sentido na medida em que a dita rua fica na zona industrial de Żerań onde se encontram uma central termoelétrica, que fornece 40% da energia elétrica consumida em Varsóvia, e uma cimenteira mas batizar uma artéria como ‘Rua dos Proletários’ é uma daquelas coisas que só mesmo nesta terra. Ou se calhar também no Barreiro.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Op Art - Como prolongar o efeito duma bezana sem gastar um tostão

A ansiada segunda linha do metropolitano de Varsóvia está prestes a ser aberta ao público. A data de inauguração do troço central da obra ainda não é conhecida mas aponta-se a primeira metade de novembro como prazo mais provável para que os habitantes da Cidade Capital possam finalmente desfrutar de comunicações mais facilitadas entre as margens nascente e poente do Vístula. Numa antecipação à jogada, a cidade abriu algumas artérias que estiveram encerradas até agora e que causaram inúmeras dores de cabeça aos automobilistas varsovianos e a todos os que precisavam de se deslocar ao centro da cidade. As ruas Świętokrzyska, Prosta e Kasprzaka estão finalmente transitáveis e prevê-se um alívio de algum trânsito no coração da capital bem como menos engarrafamentos.

No ponto de vista pessoal do vosso escriba, a segunda linha do metro não aquece muito nem arrefece pouco uma vez que os seus humildes aposentos se situam em Tarchomin, a norte de Varsóvia e na margem nascente do rio, lugar onde não se prevê a chegada de comboios subterrâneos por se verificar a extensão da linha do elétrico. Pode ser que com a estação Nowy Świat - Uniwersytet o caminho de e para a Universidade fique mais facilitado - o que não é necessariamente uma alegria para mim já que usufruo de lugar grátis de estacionamento no parque da UW - mas pode dar jeito para voltar para casa depois duma noite marafada nos Pawiliony, complexo de bares sombrios e cruéis onde se apanham as maiores carraspanas da Mazóvia, ou no Luzztro, pavorosa boîte techno aberta non-stop de quinta a domingo onde tudo (mas TUDO mesmo!) acontece.

Uma das coisas que me assusta é o interior das novas estações, concetualizadas no estilo Op Art pelo renomado pintor polaco Wojciech Fangor. Inquieta-me a ideia de sair do Luzztro às 8 da matina, carregado de shelltox, meter-me numa daquelas estações psicadélicas e pensar que ainda estou a curtir a bezana. Por outro lado, é capaz de ser engraçado sentar num banco da estação com auscultadores enfiados no toutiço e ficar ali a anhar sem gastar dinheiro.

Para vos dar uma ideia do que me espera, anexo algumas imagens de uma maqueta e de duas estações que já foram visitadas pela comunicação social.




terça-feira, 30 de setembro de 2014

Há pouco mais de dois anos

Está de volta! Porque já há muito tempo não falava do Sporting e porque o momento atual do clube levanta algumas suspeitas, entendi que devia consagrar um par de linhas ao meu grande amor.

O adepto de futebol tem por regra memória muito curta e apaga com rapidez e facilidade os registos de temporadas anteriores, especialmente quando esses registos são negativos. Parece que há muito sportinguista a padecer do mal e já esqueceu o que aconteceu há apenas pouco mais de dois anos, altura em que o Sporting rubricou a pior época da sua centenária história, tanto no campo desportivo como em termos de gestão. Ninguém prognosticava uma recuperação a curto/médio prazo para aquele Sporting bisonho onde pontificavam nomes como Boulahrouz, Pranjić, ou Gelson Fernandes, um Sporting horroroso herdado do de Torsiglieri, Polga, ou Maniche. Contra os meus próprios prognósticos, que advogava uma solução tipo Fiorentina – refundação do clube para recomeçar com dívida zero, o Sporting renasceu e apresenta agora índices animadores de recuperação desportiva e financeira, qualificou-se diretamente para a fase de grupos da Liga dos Campeões quando há pouco mais de dois anos pairou o inimaginável fantasma da despromoção em Alvalade. Falava-se em 'belenensização', 'boavistização', 'riverplatização' do Sporting, falências e Planos de Recuperação, entregar o clube ao banco (e que rico banco...) e definhar em banho-maria.

Resulta que esta noite o Sporting vai enfrentar o Chelsea num jogo para a contar para a mais prestigiada prova de clubes de futebol do mundo. O sportinguista, que há pouco mais de dois anos pedia apenas entrega e garra aos seus atletas, que aspirava apenas a que os atletas dignificassem o leão rampante que levavam ao peito, esse sportinguista vai poder ver o seu emblema bater-se com os plantéis do mundo, vai poder ver o seu estádio acolher os melhores treinadores do mundo, vai poder ver os seus jogadores medir forças com as melhores equipas do mundo. Pelo meio iniciou uma batalha pioneira contra o parasitismo dos chamados 'fundos financeiros' que entretanto a FIFA adotou. Está sadio, confiante e os adeptos estão com a equipa, acompanham-na. Tenho amigos que saíram de Faro na sexta parGarra! a verem o clássico, voltaram às suas casas e já se meteram outra vez à estrada para estarem presentes no regresso da Champions a Alvalade. Quem poderia imaginar um cenário destes há pouco mais de dois anos?

Só há um homem mais fatalista que o português, é o sportinguista. Clube maldito, equipa sem sorte, perseguido pelos árbitros, o fado leonino. Esse fatalismo acaba hoje! Esta noite dá-se o primeiro passo na grande caminhada do Sporting até ocupar o lugar que lhe pertence. Mesmo que percamos hoje, não mais o Sporting mergulhará nas trevas, não mais o Sporting será desrespeitado, não mais o Sporting cairá na vulgaridade. Mesmo que o Cédric leve trezentas nozadas do Hazard, mesmo que o Diego Costa ate o Maurício e o Sarr no mesmo nó, mesmo que o Fàbregas passe por cima do Adrien, mesmo que o Terry varra o Slimani, mesmo que o Ivanović seque o Nani, mesmo que o Courtois não sue as luvas, isso não abala a minha férrea convicção que o Sporting está no caminho de recuperar o prestígio, a ilusão e aquilo que faz do Leão o meu clube. Há liderança, há crença, há ilusão. Há o que não havia há pouco mais de dois anos e isso já significa haver muito.

Agora sim, o Sporting está de volta!


 


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Sezam - Memórias

Sezam Se eu tivesse de escolher o Top 10 dos lugares mais significativos da minha vida eles seriam:

I - O Estádio de S. Luís, onde os meus tios me levavam a ver o Farense e onde comecei a gostar de futebol;

II - A Praia de Faro / Ria, onde passei os melhores momentos da minha infância com família ou amigos e para onde fujo num reset mental sempre que tenho possibilidade;

III - O Largo da Caganita, onde fiz as minhas primeiras amizades a tinta permanente e indelével;

IV - A Bijou, extinto salão de jogos em Faro onde conheci a minha primeira namorada (A Margarida);

V - O Liceu, onde me fiz rapaz e comecei a fazer homem;

VI - A Farmácia Alexandre, onde me fiz efetivamente homem e (a muito custo) aprendi o que significa obrigações e responsabilidades;

VII - A Disneyland Paris, onde tive a minha primeira experiência profissional no estrangeiro e que me incutiu a curiosidade em trabalhar fora de Portugal;

VIII - Tychy / Katowice, primeiros locais de residência e trabalho na Polónia e onde comecei a respirar ar eslavo;

IX - O Klubokawiarnia, discoteca onde conheci a mulher da minha vida e em cujas casas de banho fiz coisas que contadas ninguém acredita;

X - O Sezam, supermercado de atmosfera incrivelmente socialista onde eu comprava os meus pequenos-almoços quando trabalhava no meu primeiro emprego a sério em Varsóvia (Escola Bravo).

A possibilidade do Sezam ser encerrado já tinha sido aventada há algum tempo, o edifício em que o supermercado funcionava era obsoleto e sofria de malformações congénitas que o avanço do tempo e da tecnologia tratou de agravar. Anexo ao prédio do Sezam funciona o primeiro (e até à data mais lucrativo) McDonald's da Polónia, mesmo em frente ao estalinista Palácio da Cultura e da Ciência em mais um dos deliciosos contrastes que Varsóvia oferece a cada metro quadrado. Mais ao lado, no lugar onde antes havia a esplanada da hamburgueria, pesadas máquinas esgravatam o chão na laboriosa tarefa de concluir uma estação da segunda linha do metropolitano de Varsóvia, uma obra de Sta. Engrácia. Entretanto em redor do Sezam já tinham aberto bancos, lojas de roupa de marca, cafés, outrosSezam visto do PKiN supermercados de redes ocidentais. Mas o Sezam aguentava-se, baluarte dum comércio tradicional e castiço onde as mais antigas marcas polacas de manteiga e maionese conviviam lado a lado com Pepsis e Matutanos. Compravam-se deliciosos folhados de salsicha e outros de couve, havia uns estranhos bolos de queijo e frutos silvestres, pacotes de meio-litro de leite e numa ocasião até doce de batata doce comprei lá. Na cave do edifício funcionavam livrarias, lojas de totobola e raspadinhas, de meias de senhora, de carimbos e tinteiros de impressoras, de cortinados e reposteiros. O primeiro andar era ocupado por um estabelecimento que vendia champôs, louças e alguidares entre outros artigos de utilidade doméstica. O último andar era particularmente interessante pois no mesmo piso coexistiam uma afamada marca de eletrodomésticos e um oleoso bar cujas paredes transpiravam gordura e onde almocei uma única e suficiente vez com o meu compadre Mário. No rés-do-chão o tal supermercado, uma porta lateral com acesso tímido para o McDonald's e outro pormenor lindo: A galeria de arte de Ewa Tudorska, não mais de 5m2 com exposição permanente das pinturas da autora e onde às vezes a mesma se abancava a ver um livrinho como se ela própria estivesse para venda.

O carismático Sezam assistiu à derrota de primos seus, estabelecimentos dos tempos de outrora que foram apagados em nome do progresso ou da modernização. O mercado KDT em frente ao Palácio da Cultura, o Jarmark junto ao precursor do Estádio Nacional onde – diz a lenda – até órgãos humanos se podia comprar entre outras sinistras superfícies comerciais. É uma prova de que a cidade mudou, mudança que tenho testemunhado ao longo destes quase sete anos de Polónia. Pouco tempo, quiçá, mas tempo suficiente para ter memórias, recordações daquilo que foi e que já não é. Coisas que já se foram, coisas que se perderam.

Oxalá eu não tenha perdido tudo, e do que perdi oxalá consiga recuperar pelo menos uma coisa que eu cá sei.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Uma questão de fé

Em 2012 Já há muito tempo que isto me fazia confusão, por que motivo no princípio do ano eu encontrava casas com a porta de entrada garatujada a giz, rabiscadas com inscrições sinistras que pouco ou nenhum sentido faziam? Letras, sinais aritméticos e um ano, o ano que vem. Em muitas casas a mesma mensagem, em todas elas o mesmo sentido, em cada caso a minha ignorância e, confesso, o meu receio. Já tinha ouvido falar de casas que são marcadas por meliantes com sinais de comunicação para que a comunidade saiba onde e quando se pode assaltar, julgava que era um código parecido e assustava porque tanto se via a mensagem em prédios modernos como nos fedorentos blocos do tempo do Soviete Supremo. Nada disso. A explicação é bem mais simples e mais lógica, atendendo ao contexto do país.

K + M + B não é nada mais nada menos do que a primeira letra do nome polaco dos três reis magos: Kacper, Melchior e Baltazar. As pessoas escrevem a mensagem para receberem proteção divina e para que o novo ano seja pleno de venturas e prosperidade, um hábito que não surpreende tendo em conta a tradição católica que está profundamente enraizada na Polónia. Talvez o que muita gente não saiba, e que este algarvio ateu descobriu, é que a inscrição K + M + B é errada e está totalmente afastada da versão original.

Nos primórdios da tradição, a inscrição original era C†M†B que advém do latim "Christus Mansionem Benedicat", ou seja, "Cristo AbençoeEm 2013 este Lar". Talvez porque o 'c' polaco em muitos casos se tenha convertido em 'k', a realidade é que a inscrição sofreu na realidade mutações de letras e sinais, tendo adotado um significado completamente diferente ao que tinha na origem. Contudo a intenção mantém-se, invocar o divino, rogar a sua proteção. Em suma, a prática da fé dum país profunda e explicitamente católico. Recorda alguns lares de Portugal que têm um Cristo crucificado por cima da porta, sendo os portugueses mais púdicos na sua crença preferindo-a guardar dentro de portas do que exibi-la publicamente.
 
O que me poderia acontecer se eu desenhasse um crescente com uma estrela na minha porta, ou um leão rampante em fundo verde?

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Lógica aplicada à origem das palavras

Crica - 
cri·ca 
(origem controversa)

substantivo feminino
1. [Calão]  Conjunto das partes genitais femininas. = VULVA
2. [Regionalismo]  Berbigãomolusco.
3. [Sinónimos Farenses]  Barbela, Alçapão, Barcoita, Xôxa, Amêijoa, Rola, Rolaça, Maria Perniana, Lola, Loló, Lolinha, Pachacha, Rata.

"crica", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/crica [consultado em 06-08-2014].

" (...) De louro pêlo um círculo imperfeito
Os papudos beicinhos lhe matiza;
E a branca crica, nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito: (...)"

Bocage in Arreitada Donzela

Então,

  • Se uma biblioteca é uma coleção de livros;
  • Se uma filmoteca é uma coleção de filmes;
  • Se uma pinacoteca é uma coleção de obras de pintura;
Uma cricoteca é...?


sábado, 26 de julho de 2014

Retalhos da vida de um Algarvio - Parte 21

Varsóvia dum 40o andar 1:30 da manhã no quarteirão de um dos hotéis mais finos da Cidade Capital, por consequência arrisco a dizer, do país. Tinha acabado de cumprir mais uma noite como disc-jockey na noite de Varsóvia, desta vez sem o grande bumbumbum das antigas noitadas transpiradas do Muza ou na louca vertigem do Platinium. Uma atuação tranquila e sossegada dentro dum registo lounge, 118 bpm no máximo, adequado ao espaço que foi concebido para o convívio luxuoso... ou sigiloso consoante a intenção. Hotel cinco estrelas, clientela de carteira generosa, garrafas abertas de seguidinha, baldes de frapê a passarem à minha frente para desaparecerem atrás da porta de correr feita de vidro baço com a indicação 'VIP Room'. Ainda lancei um olho curioso para saber o que acontecia atrás daquela entrada por onde passavam tantas pernas delgadas e vestidos justos mas a curiosidade ficou centrada entre a trança loura e a anca delgada da barmaid, acabei por não perceber que rebaldaria havia naquele compartimento que exigia tanto champanhe e também não tive muito sucesso com a barmaid pois ela não se deixou impressionar com os meus arreganhados agradecimentos quando ela me entregava o Ice Tea que lhe pedia para me refrescar do efeito da spotlight que eu tinha apontada enquanto tocava. Entristeci-me, nem consegui ver a paisagem do reservado nem saquei um sorriso à empregada do bar. Se calhar melhor assim, consegui concentrar-me no set e logrei uns abanos de cabeça ao ritmo da música por parte dumas senhoras de idade que se tinham sentado na mesa ao meu lado. Um triunfo para uma noite tão calma.

Povo amigo chegou entretanto, claramente com o propósito de me rebocarem para copos apesar de eu cumprir uma noite abstémica por causa do trabalho e também por ter de guiar de volta para casa. Ao sábado os malinos andam sedentos de multas e uma matrícula estrangeira chama mais a atenção na via rápida que conduz ao meu bairro, por isso não quis arriscar no xarope mas acabei por sair com eles. Estava uma típica noite quente de verão varsoviano, o ar doce e pegajoso a ameaçar chuva, a fazer lembrar Sevilha até pela movida que se via na rua com carros e limusinas em romaria para o centro lúdico da cidade. Tinha estacionado atrás do hotel, na rua das putas. Elas lá estavam, caminhando dum lado para o outro sem dar bola aos transeuntes, sem espicaçar, sem provocar, maneira curiosa de atrair a freguesia. Nem olham para os homens, talvez de esguelha mas nunca mostrando interesse. Não seiCapital de todos os contrastes se por uma questão cultural ou legal, não vejo prostitutas de rua em mais lugar nenhum de Varsóvia a não ser naquele quarteirão do Centro e também nunca vi que fossem interpeladas pelas autoridades. Parece que a polícia fecha os olhos, desde que elas ali estejam confinadas não andam em mais lado nenhum, não dão mau aspeto à terra, os clientes sabem onde encontrar o produto e todos ficam contentes.
 
Não deixa de me fazer impressão mais este contraste na capital de todos os contrastes. Nas traseiras dum empreendimento de alto gabarito, paredes-meias com a igreja de Sta. Bárbara, vagueiam as mulheres da vida, defendendo-se como lhas deixam das tolheitas da vida, expostas ao frio glacial do inverno e a canícula de verão, fazendo o que podem para ganharem uma miséria ao passo que outras comem e bebem do bom e do melhor, rebolam-se em lençóis de cetim e banham-se em tinas de mármore. Tanta diferença e tanta semelhança entre as putas da rua Emilii Plater… e as senhoras do reservado do bar do Marriott.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Argentina!

"Brasil, decime qué se siente,

tener en casa a tu papá.

Te juro que aunque pasen los años,

nunca nos vamos a olvidar.

Que El Diego los gambeteó, El Cani los vacunó, están llorando desde Italia hasta hoy...

A Messi lo van a ver, la Copa que va a traer, Maradona es más grande que Pelé".

(este texto é dedicado à geração farense da primeira metade da década de 70 e a todos os que comigo chutaram bolas na Escola do Carmo)

D10S Soviético, Artur, Zé Gato, Ruben, Fábio, Samora, Paulinho Santana, Pedro Gancho, Batatinha, Pasteleiro, Adegas, Tozé Patas-de-Urso, Zé Mosca, Ganso, Amador, Paulo Gomes, Joca, Rui, Posta de Carne. Estes eram alguns dos jovens que apareciam ao sábado e ao domingo para jogar à bola na Escola do Carmo. O Artur morava mais perto e às vezes ia buscá-lo a casa logo depois do almoço para aquecer as virilhas jogando baliza-a-baliza, às vezes eu saía mais atrasado e corria desalmado pela rua Cunha Matos abaixo até vislumbrar o alcatrão do pátio da escola, fazendo figas para que não estivessem mais que nove moços para poder jogar logo e não ter de esperar pelo bota-fora. A dose de bola do fim-de-semana era reforçada e transformada em diária durante o verão, a malta ia à praia pelas 10 ou 11 horas (os algarvios dos anos 80 não passavam cartão a cuidados de exposição solar) mas voltava às 15 ou 16 horas a tempo de fazer pelo menos quatro horas de pelada. Durante o verão de 1986 a rotina não era diferente… a não ser durante o Mundial do México, quando jogava a Argentina.

Aí parava tudo. Ao grito ‘Vai começar a Argentina!’ da mãe do Paulinho Santana que morava atrás duma das balizas, a bola de catchumbo deixava de saltar e o campo onde 10 suados meninos corriam, gritavam e praguejavam era evacuado em menos de nada. Terminava a peladinha, tudo regressando a casa em alta velocidade para ver o ‘Pelusa’ jogar, era como ver desenhos animados, circo ou um espetáculo de ilusionismo. O 10 albiceleste era incrível e por isso todos nós apoiávamos a seleção argentina naquele Mundial, se calhar até se jogassem contra Portugal!

A Argentina do tango triste e melancólico, dos bairros portenhos e das pampas, do chimarrão e do asado. Quanta da sua alma está representada na seleção, quanto do seu ser está espelhado no apoio dos inchas.

Maradona era a Escola do Carmo num jogador de futebol. Tinha aprendido a jogar no laboratório da rua, como nós às vezes jogávamos com latas de coca-cola a servir de bola e mochilas de escola como postes das balizas. Via-se nele a habilidade do Fábio demonstrada no segundo golo contra a Inglaterra – o golo do século, a picardia do Zé Gato como no primeiro golo aos ingleses em que D10s salta como um coelho na área inglesa e põe a bola com a mão nas redes do dormente Shilton, a resistência do Artur patenteada na maneira como sempre recuperava das entradas que sofria, a força do Samora vista na arrancada que resultou no segundo golo contra os belgas e mais a potência do Joca, a magia do Paulo Gomes, a ratice do Amador, a competitividade do Ganso, a robustez do Posta de Carne. Já naquele tempo havia Laudrup mas era muito manso, Platini mas era muito francês, Boniek mas era muito cavalheiro, Rummenigge (o Karl-Heinz) mas era pouco sanguíneo, Zico mas era pouco venenoso, Scifo mas era muito frágil. Nenhum reunia todas as qualidades que cada um de nós apreciava num futebolista, Maradona não só conciliava todas essas qualidades em 1,66 de pessoa mas exponenciava-as como ninguém.

O ‘barrilete cósmico’ marcou a nossa infância e a nossa concecão de futebol. Maradona transformou o futebol num representação teatral, graciosa bailarina em bicos de pés que quase flutuava no relvado ou cão raivoso (atenção aos 0:34’’) se lhe pisavam os calos, criança de sorriso rasgado ou de cólera incontida após um golo. Maradona amava a sua seleção como nós amamos a mulher da nossa vida, carregou o seu país ao colo até atingir a maior consagração do futebol mundial, provou que aos seres humanos determinados não se consentem limites, trouxe ilusão e encanto ao meu passatempo preferido, coloriu a minha infância.

Foi, é e será o melhor jogador de futebol de todos os tempos e é por isso (e só por isso já basta) que apoiarei sempre a Argentina, desde que não jogue com Portugal.

 

PS – Impossível evitar os pêlos em pé e uma lágrima comovida ao ver os filmes do Golo do Século e da Gloriosa. Tremendo!

PS II – Eu? Não tinha nada do Maradona, tinha mais do Dasaev.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

A Rita

Cidade Capital
A Rita esteve em Varsóvia!
- Uau, fantástico... E quem é a Rita? - pergunta o leitor, se calhar intrigado por dar tanta importância a uma portuguesa na Polónia. Como se eu estivesse num salão da Ferrari e ficar todo contente por ter encontrado um Fiat 127.
A Rita é uma das pessoas que me ensinou a ser professor de Língua Portuguesa, se é que já atingi tal estatuto. É uma das pessoas que me ajudou na integração na Comunidade Portuguesa, que me amparou em momentos mais periclitantes e que me acompanhou nos primeiros passos na Cidade Capital. Juntamente com o Mário, a Rita foi parte integrante duma tríade de portugueses responsáveis pelo ensino do idioma lusitano numa das escolas de línguas mais conceituadas da cidade e fez parte crucial dos meus primórdios neste país. Graças a ela conheci pessoas e lugares, aprendi usos e hábitos, pude funcionar com mais facilidade. É uma pessoa pela qual eu guardo um carinho especial e que terá sempre um lugar diferente no meu grupo de amigos varsovianos.

Os meus primeiros tempos na capital polaca foram passados na companhia da minha (ex-)ex-namorada, dias difíceis porque não conhecia ninguém e Varsóvia assemelhava-se a um enorme formigueiro onde as pessoas nem sequer se cumprimentavam e não tinham interesse em conhecer outras pessoas. Conheci o Mário e a Rita quando procurava emprego, o Mário fez-me a entrevista e abriu-me as portas da Escola Bravo e a Rita mostrou-me o funcionamento da empresa e preparou-me para enfrentar turmas de curiosos alunos. Foram duas importantes muletas num período menos estável da minha vida, numa altura em que as saudades de Faro ameaçavam minar os planos de triunfo na Polónia. Eles, sabendo o que sofre um português no começo da sua aventura polaca, pegaram em mim e mostraram-me as coisas boas que existem em Varsóvia, levaram-me a sítios bonitos, proporcionaram-me experiências muito giras e que eu desconhecia por completo (um marcante passeio de bicicleta por Praga Norte no tempo em que ainda havia a feira junto ao Estádio, por exemplo) e, o mais importante, apresentaram-me portugueses. Foi a partir desse momento que a minha vida mudou, quando conheci portugueses em Varsóvia. Obviamente que nem todos eles se revelaram interessantes, como em todos os povos há sempre pessoas com quem temos mais afinidades que outras, pessoas que depois se tornam mais relevantes que outras, mas a presença de compatriotas numa paragem tão afastada do berço é importantíssima no plano da adaptação dum recém-chegado como era o meu caso. Graças à Rita conheci o meu melhor amigo (um mano!) John, a minha maninha algarvia Sónia, um outro amigalhaço que é o Ricardo e foram estas pessoas que formaram a minha base de apoio. A Sónia entretanto foi para os Estados Unidos mas o Ricardo e principalmente o John continuam cá e compõem aquele forte onde sei que me posso abrigar em caso de tempestades.

A Rita veio a Varsóvia!
Quantos lamentos eu ouvi dela, que os polacos eram isto e aquilo, cheios de defeitos. Eu rebolava-me a rir porque entretanto já me tinha lançado na noite a todo o pano com elevada rotatividade de parceiras e não sofria de todo do mal dela, pelo contrário, às vezes até tinha problemas de agenda porque os encontros sobrepunham-se. E ela protestava, barafustava, guerreava comigo porque eu era um lambaraz e só tinha sucesso porque elas não percebiam o que eu lhes dizia. Uma vez encontrei-a com uma data de portugueses perdidos de bêbados no antigo Przekąski Zakąski, eu fui com uma amiga para a apresentar aos meus amigos patrícios e revelou-se um erro. A Rita apanhou uma piela de tal maneira que não se aguentava nas canetas, agarrava-se a mim para não cair e a minha amiga começou a desconfiar, pensava que eu queria uma no papo e duas no saco e ameaçou abandonar a discoteca para onde todos fomos em seguida. A duras penas consegui persuadi-la a ficar, que a Rita era apenas uma colega de trabalho e que o meu interesse era nela. Segundos depois de a ter convencido eis que a Rita protagoniza um episódio hollywoodesco, desequilibra-se e prega uma punhada na garrafa de cerveja que a minha companhia segurava, salpicando-a de cima a baixo, ao que se seguiu um épico espalho na mesa vizinha. Dividido entre a vontade de rebentar a rir e hipotecar o engate, abandonar a bêbeda para salvaguardar a minha prevista cópula ou fazer a coisa certa e ajudar a amiga lisboeta acabei por açaimar as hormonas e chamar um táxi para a Rita, coisa de que ela nem gozou porque fugiu incognitamente da casa de banho enquanto o chofer de praça esperava por ela sendo que o seu regresso a casa se ainda mantém envolto num espesso manto de mistério, tanto para mim como para ela.

A Rita voltou a Varsóvia!
Grande companheira, do tempo em que ganhávamos pouco mas ríamos muito. Bastante do meu êxito e da minha paixão por esta terra se deve a ela. Volta sempre, miguinha!

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Jaruzelski, o general da Lei Marcial

Wojciech Jaruzełski Wojciech Jaruzelski, o último Presidente comunista da Polónia, morreu este domingo aos 90 anos de idade vítima de complicações relacionadas com linfoma. Figura sinistra e sombria, traço acentuado pelos óculos escuros que sempre usava devido a ter sofrido cegueira de neve em adolescente, o general Jaruzelski ficou infamemente conhecido a nível internacional por ter declarado em dezembro de 1981 a Lei Marcial no papel de líder da Conselho Militar de Salvação Nacional, uma decisão que justificou em 1992 numa entrevista a um jornal alemão:

Era a estratégia lógica daquele momento porque os interesses da União Soviética na Polónia estavam a ser ameaçados pelas movimentações de Lech Wałęsa e o Kremlin ponderava invadir o país porque temia que o Solidarność fizesse um golpe de estado

Estas afirmações colidem com o resultado da reunião do Politburo, três dias antes da imposição da Lei Marcial, na qual o líder do órgão Yuri Andropov, acossado pelas despesas da guerra no Afeganistão, foi claro:

Não podemos assumir o risco de mandar tropas para a Polónia. Não sei qual vai ser o resultado desta situação mas se o poder tiver de cair nas mãos dos sindicalistas, que caia porque nós não vamos intervir sob pena de nos serem infligidas mais sanções económicas por parte dos países capitalistas, sanções essas que não conseguiremos suportar. Concentremo-nos no nosso próprio país, essa é a posição correta.”

Fragilizado pelas constantes greves internas e pela perda de apoio de Moscovo em consequência da nova política de reformas implantada por Mikhail Gorbachev (o líder soviético não tinha interesse em envolver-se em outro conflito além-fronteiras por temer contestações idênticas às sofridas aquando da Primavera de Praga), Jaruzelski acedeu em encetar conversações com o Solidarność, uma decisão que se revelaria crucial para o futuro do país. Na mesa-redonda triunfou a ideia dos sindicalistas de legalização das suas organizações e convocação de eleições livres para o Senado, o general mais tarde abandonaria todos os cargos políticos e militares, seria acusado de crimes contra a Constituição e contra os Direitos Humanos, acusações posteriormente retiradas em virtude da sua idade avançada e acentuado declínio do seu estado de saúde e viveria o resto dos seus dias numa vivenda no bairro varsoviano de Mokotów.

Jaruzelski viveu o tempo suficiente para ver a conversão da Polónia à economia de mercado e a todas as mudanças que o país experimentou, testemunhou Jaruzełsk e Wałęsa em 2005 - Foto PAPa entrada do país na NATO e na União Europeia – facto que comemora dez anos – e assistiu às celebrações dos 25 anos do Acordo assinado a 4 de abril  de 1989 que lançou as bases para a abolição do comunismo na Polónia além de ter sentido o crescimento da importância da Polónia como parceiro comercial e estratégico da Europa Ocidental. Mais tarde reconheceria que o “comunismo falhou” e assumir-se-ia social-democrata apoiando Aleksander Kwaśniewski nas eleições presidenciais de 1995 contra Lech Wałęsa, eleições ganhas pelo primeiro.

Os polacos têm uma opinião geralmente negativa do general, principalmente aqueles pertencentes à ‘Geração Solidarność’. Não lhe perdoam o seu envolvimento enquanto Ministro da Defesa nos massacres de 1970 quando o exército avançou sobre manifestantes desarmados e de lhes ter mentido sobre a ameaça duma invasão soviética que nunca esteve nas cogitações do Kremlin. Ironia suprema, Wojciech Jaruzelski morreu no mesmo dia em que os polacos, aliás, 22.7% do eleitorado polaco escolhia os seus representantes no Parlamento Europeu, uma instância na qual o general nunca esperou ver a Polónia. Os seus compatriotas foram lestos a reagir à notícia da sua morte:

Jaruzelski levou a expressão ‘ir à urna’ demasiado à letra

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Estudo sobre a nova emigração

No âmbito de um projeto de investigação sobre a emigração portuguesa atual, “REMIGR: A Nova Emigração e a Relação com a Sociedade Portuguesa”, financiado pela FCT  e desenvolvido por uma equipa da Universidade de Lisboa, da Universidade de Coimbra e do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, o ‘mishanapolonia’ foi contactado no sentido de divulgar um inquérito online. Os objetivos deste projeto de investigação em causa são: conhecer o perfil dos portugueses residentes no estrangeiro, as suas trajetórias migratórias, os fatores que impulsionaram as saídas, as suas intenções de mobilidade, e as suas relações com Portugal.

Considero uma pesquisa interessante e o testemunho de jovens emigrantes pode ser muito útil para que se atinjam os objetivos dos responsáveis. Caso o leitor queira dispensar alguns momentos a responder ao inquérito, eis o link: http://tiny.cc/remigra

O pessoal agradece.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Epic Fail, ou como se diz em português, Pior a Emenda do que o Soneto

Depois de um par ou dois de anos sem ter sido organizada, ou pelo menos sem eu ter recebido tal convite, a Receção aos Portugueses da Polónia vai ser reatada como era tradição no dia 10 de junho que é o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Decisão louvável, a de retomarem os encontros dos cidadãos portugueses com a sua Embaixada. A Edyta, diligente e simpaticíssima funcionária da representação diplomática portuguesa no meu país adotivo, fez a fineza de me contactar a fim de atualizar a sua base de dados com a minha morada corrente, um gesto que caiu muito bem porque demonstrou interesse e preocupação para com os patrícios que por cá labutam, para poder enviar o convite tendo a certeza que eu o ia receber. Bem o disse, melhor o fez. Ontem já cá cantava o honroso convite. Mas…

Cabeçalho do convite

Li, reli e não entendi. Uma embaixada portuguesa envia um convite a um português para um evento português relacionado com Portugal, com o Poeta português e com as Comunidades Portuguesas… escrito em inglês?! Procurei dentro do envelope se havia uma versão do convite para nativos lusos e descubro uma informação referente aos patrocinadores do evento, todos empresas portuguesas ou com grande participação de capital português. E…

Cabeçalho dos agradecimentos aos patrocinadores

Então qual foi a conclusão que este português tirou? A de que esta é uma receção ‘para inglês ver’ na medida em que o convite oficial foi feito ‘para inglês ler’. Nesta medida, thank you very much, Mr Ambassador, for your kind invitation but I believe I would feel a bit out of place among your English-reading guests. Nevertheless, I remain at your service for any Portuguese-related issues you find my help appropriate. Yours sincerely, Nuno Bernardes.

Por outras palavras: Tal não foi a barraca que vocês deram, mariolas!

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Balada de um dia cabrão

Por trás de Bemowo É um daqueles dias em que não me apetece sair de casa. Não porque o tempo esteja mau mas porque o humor não está para grandes convívios. Há dias assim, dias cabrões como diz o povo da minha terra, dias em que até o barbear aborrece. Dias em que acordo a pensar em voltar logo para a cama, não apetece fazer nada apesar do tanto que há para fazer. Só dá vontade de fazer as coisas mais elementares como coçar onde há comichão e relaxar os esfíncteres desde que tal não implique tarefas posteriores. Apetece mais passar fome do que fazer o pequeno-almoço, só a trabalheira que dá mexer o café no leite e barrar manteiga no pão - ainda mais essa, ter de ir ao pão! Ah, hoje é um dia daqueles, daqueles dias cabrões.

Os dias cabrões são os piores dias porque são os dias em que nada se passa, nada que nos chute para fora da modorra que se estende até à hora do treino, única altura do dia em que me apercebo que tenho qualquer coisa líquida a circular nas artérias. Isto deve ser da falta de trabalho, andamos num período de exames e a malta recolhe em casa para marrar deixando de poder dar atenção às aulas particulares e mirrando os proventos do professor. Os riscos duma profissão liberal.

É nestes dias em que mais me esforço para ver o sol que brilha além da neblina porque não há mal que sempre dure, a porra é quando um gajo se vai abaixo e deixa de acreditar em dias melhores. Se calhar não é a neblina que mais me afeta, é mais conseguir ver esse sol sabendo que ainda falta um bom bocado até que ele esteja por cima de mim. Às vezes sinto-me como naquele filme em que o recluso sabe que foi inocentado, sabe que vai ser libertado mas não sabe quando isso acontecerá e que conta cada dia que passa como mais um dia na choldra em vez de considerar esse dia como menos um que falta até se tornar um homem livre.

Acabo por pegar no carro e sair pela cidade fora, meter-me em ruas que nunca tinha percorrido em distritos aos quais nunca tinha ido e abancar em cafésSopa de Ovo Algarvia que nunca tinha visto. É um bom companheiro, o café. Foi preciso emigrar para eu começar a beber café, primeiro para despertar a meio das tardes de inverno quando o escuro embala o corpo e depois como auxiliar de escrita e leitura como o cão que se aninha no tapete aos pés do dono, é aconchegante e confortador. No treino a coisa corre bem. O homem coloca-me a fazer finalização num ambicioso exercício em que tenho de fazer passar o tiro num estreito espaço entre duas varas, ele atira-me bolas cheias de carapaus e quer que eu chute sem preparação. A primeira bola vai à gaveta, um golo da Eurosport que arranca aplausos aos colegas (brawo, profesorze!), a segunda vai fraca à figura e a terceira, puxada ao pé esquerdo, é atirada em trivela para uma parada monumental do guarda-redes que também merece aplausos. Jogar futebol tem um certo efeito terapêutico em mim, deixo as toxinas todas no campo, volto para casa mais tranquilo e com menos propensão em pensar em tristezas. Termino o dia de pijama sorvendo uma sopinha de ovo feita pela minha companheira de noites tristes e a ouvir as calamidades solenes que o Primeiro-Ministro português profere nas celebrações da caricatura e partido político a que preside, um partido pelo qual eu até tive simpatia no tempo em que defendia valores idênticos aos meus.

Epiteto escreveu um dia que "o Homem não se preocupa tanto com um real problema quanto com a ansiedade imaginada em torno desse problema". É capaz de ter razão, se pusermos o problema em perspetiva. Não há nada que seja tão terrível que não tenha solução e se não tiver solução é menos uma coisa com a que nos temos de preocupar. Haja saúde e um par de braços para trabalhar porque amanhã o sol nasce outra vez e nós já sabemos que Varsóvia não deixa ninguém parar para limpar o suor.

terça-feira, 22 de abril de 2014

E todos os sportinguistas vão excomungar-me depois de lerem isto

Belenenses 0 - Sporting 1 2013-2014 Foi bom que o nosso rival da 2ª Circular ganhasse o campeonato, uma vez que o Sporting não estava em condições de o ganhar. Digo-o porque prefiro que seja um clube do sul a ser campeão do que os batoteiros do norte.

O poder do futebol esteve concentrado na cidade do Porto durante as últimas três décadas, um poder daninho. Um poder arquitetado em residências de luxo no Parque da Cidade, em Miramar e em Gaia, um poder exercido nos escuros das casas de alterne, um poder consumado em viagens pagas a árbitros, um poder consubstanciado em corrupção desportiva com prejuízos evidentes para todos os restantes competidores, um poder que se impôs ao Poder Judicial pois anulou todas as conclusões incriminatórias que perigavam os órgãos da máfia. Um poder que desacreditou uma das maiores fontes de esperança do povo português – o futebol.

Habituados a serem prejudicados pelo Estado, os portugueses sempre tiveram no futebol um escape de frustrações e o futebol sempre serviu para criar ilusão. O português vibra com o seu clube, exalta os seus heróis nas vitórias e roga maldições na hora da derrota. Quando perde, o português vai trabalhar de azia, fica resmungão, protesta se faz sol ou se chove, fica sem paciência para aturar quem quer que seja – os colegas, a mulher, o chefe, os filhos. Quando ganha ele beija prolongadamente a mulher (às vezes até com um bónus posterior) depois do jogo, sai mais cedo de casa para o trabalho, vai alegre e impante, dá os bons-dias a toda a gente e nem uma multa de trânsito o chateia. É assim que o tuga comum vive o futebol e essa vivência foi adulterada por uma corja de gatunos que ocupam cargos diretivos dum clube de futebol chamado Futebol Clube do Porto. Os dirigentes desse clube viciaram o futebol português nos últimos trinta anos, retiraram à maioria dos portugueses a ilusão, a magia, o divertimento, a distração que o futebol lhes causava. O futebol em Portugal foi gravemente lesado pelos comportamentos e ações protagonizadas pelo Futebol Clube do Porto, perdeu credibilidade e afastou espetadores e adeptos, os portugueses deixaram de acreditar na beleza do futebol porque os resultados estavam combinados, os árbitros comprados, os vencedores previamente escolhidos.

Dois clubes de Lisboa com entrada direta na Liga dos Campeões representa uma machadada séria no futuro próximo do clube de Campanhã, dinheiros que não entram nos cofres azuis-e-brancos, jogadores insatisfeitos por não poderem disputar os desafios mais mediáticos do planeta, fatores que agravam a crise duma época desastrosa em termos desportivos (3º lugar abaixo dum Sporting ainda em convalescença da pior temporada da história) e em termos de gestão (a venda de Otamendi, o melhor central da equipa, é a coisa mais estapafúrdia do ano). A liderança parece dar sinais de erosão (há quanto tempo não se via um treinador ser despedido do FC Porto?), há falta de referências e de mística no balneário portista (Mangala capitão? WTF?!) e prevêem-se dias difíceis na gestão do clube. Pinto da Costa não é eterno, o prazo de validade está a expirar e a sua saída deixará um imenso vazio e originará uma luta selvagem pelo poder porque há muita gente a mamar na teta da SAD portista, muitos administradores que ganham muito dinheiro com o modelo de gestão do FC Porto, muitos Adelinos, muitos Reinaldos, muitos Anteros, Cerqueiras, Madureiras, muita canalha que se banqueteia com o resultado das negociatas do FC Porto… e a mamagem está a acabar.

Pode ser que esta época seja uma antevisão das épocas que se seguirão. Faço votos que o campeonato ganho pelos encarnados e a conquista da entrada direta na fase de grupos da Liga dos Campeões por parte do Sporting (e a consequente oxigenação que os milhões da UEFA vão permitir aos cofres leoninos) signifique a viragem do futebol a Sul, o fim da dinastia bafienta dos barões do Norte, o fim da batota, da trafulhice e da corrupção. Pode ser também que tenhamos que assistir a mais uma época de trapaças e situações nebulosas porque o polvo ainda tem alguns tentáculos vivos mas a tendência é para definhar porque a verdade é como o azeite e vem sempre ao de cima. Vejam o que se passou na vizinha Espanha em que o ‘FC Porto espanhol’, o Barcelona, foi impedido de inscrever novos jogadores nas próximas duas janelas de transferências.

Por isso, e agora vem a parte da excomunhão, sinto uma leve satisfação em que a agremiação de Carnide tenha ganho o campeonato. Porque foram a melhor equipa do torneio e por isso são vencedores justos e porque a batota do FC Porto não foi premiada. Fico mais satisfeito por verificar que, nas duas maiores cidades do país, os adeptos do clube campeão escolheram como lugar de festejos monumentos em que a figura do Leão impera. E por fim, faço votos para que os triunfos encarnados mantenham a mesma regularidade que têm patenteado. Quatro campeonatos ganhos em vinte anos é um número muito apreciável para o “maior clube do mundo”.

Saudações leoninas!

segunda-feira, 31 de março de 2014

Uma polaca, um algarvio e um guisado

Jardim do Padre Popiełuszko A vida de um emigrante é feita de uma constante adaptação ao ambiente que o rodeia, há aspetos de diversos quadrantes que obrigam a essa adaptação e que passam pela adaptação da visão ao planeamento urbanístico da cidade onde se vive, por exemplo, mudar o registo do passeio que costumava ser artisticamente configurado em pedra de calçada portuguesa para uma monocromática e impessoal sucessão de bloco de cimento. Adaptamos a postura que não pode ser tão exuberante porque os nativos do país adotivo são mais reservados e reprovam manifestações exageradas de afeto, falamos mais baixo e gesticulamos menos, às vezes os olhos falam mais do que a boca. Essa adaptação passa também pelos outros sentidos, há odores que nos faltam e que foram entretanto substituídos por outros, há sons que nos acompanham no dia-a-dia da nova terra que nunca fizeram parte da nossa vida, o elétrico a travar, o sinal sonoro de que a porta do vagão do metropolitano está a fechar, a linguagem que as pessoas usam para comunicar, a chave que produz um som diferente ao entrar na fechadura. A textura da água que corre da torneira é diferente, o ar que se respira tem outra espessura, as coisas que compramos no supermercado não são exatamente as mesmas, o detergente da roupa lava de maneira distinta, o próprio organismo reconhece as desigualdades e vai-se formatando após a estranheza inicial. Esta adaptação é contínua e dura desde o primeiro instante de permanência na nova terra até que se a abandone para sempre, nunca seremos iguais aos que cá nasceram por muito tempo que passemos na terra deles. Podemos ser até passar a ser um deles mas nunca seremos iguais a eles, por muito que eu jogue futebol com polacos vou sempre preferir o passe curto e a progressão de pé para pé do que esticar na frente e ver os dois laterais subirem ao mesmo tempo, por muito que eu me sente no inverno em bares com polacos vou sempre pedir uma imperial em vez duma cerveja quente com cravinho. Falarei polaco mas serei português até ao fim, terei necessidades portuguesas, reações portuguesas e gostos portugueses. Principalmente, gostos algarvios.

Não é fácil satisfazer o gosto algarvio numa paragem tão afastada do Algarve como é a Polónia. É difícil matar o desejo dumas conquilhas com molho de manteiga e coentros, dum passeio junto à Doca de Faro, dum ajuntamento de malta para petiscar antes de ver o Sporting, dum tiro de medronho após um lauto repasto de javali assado com batatas e griséus num forno da serra do Caldeirão. Muito menos fácil é encontrar lugares que sejam tão especiais ao ponto de nos fazerem recordar tempos únicos, idades singulares, momentos excecionais. Encontrei um lugar assim.

A Elwira é uma jovem aprendente de Língua Portuguesa, gosta de ir ao meu país para surfar, tem um grupo de amigos com o qual gosta de curtir e apanhar sol e esta é a sua motivação para aprender Português. Além de ser extraordinariamente bonita - é uma Cameron Diaz de cabelo moreno, 'kitada' com a sensualidade eslava que escorre de cada mulher polaca e uma voz rouca capaz de fazer o Marquês de Sade soar como Shakespeare- é uma rapariga de uma simplicidade surpreendente, muito boa onda, sempre tranquila e com um talento especial para encontrar lugares para as nossas aulas. Lugares que combinam com ela, tranquilos, simples mas incrivelmente sexys. Lugares que dão para estudar, para conversar, para comer... e que coisas se podem comer!

Num destes dias a conversa estendeu-se no período pós-aula, sentados em cima dos pés falámos de coisas importantes e ninharias, ela a dizer-me dum curso que ia fazer à Florida e eu a contar-lhe da minha próxima viagem a Faro, decidimos almoçar porque já passava das duas da tarde e estávamos cheios de fome. A ementa apresentava uma tal carne guisada com molho e puré de batata como acompanhamento, decorada com folhinhas de salsa e que resultou na minha escolha. Um prato simples que se tornou na descoberta do ano. A primeira garfada pôs-me a ver estrelas e transportou-me trinta e tal anos atrás no tempo, para o quintal de pedra da casa da minha avó situada na Rua do Alportel, para as jogatanas de futebol na Escola do Carmo, para a apanha de lingueirão com o meu tio no parchal da Ria, para as bancadas de cimento do Estádio de S. Luís, coisas que nenhum cliente ou funcionário do Zagadka desconfia que tenham existido. Uma invasão de sensações familiares a cada dentada na carne, uma explosão de memórias sempre que o molho inundava o palato. Raios e coriscos!, que aquilo que eu estava a comer era a carne de vaca à jardineira que a minha mãe faz.
 
No top 3 dos meus pratos preferidos, a posição primeira está perpetuamente ocupada pelo feijão guisado do meu avô Luís, uma rica sopa espessa que segurava uma colher na vertical no meio do prato, feita em tachos que eram raspados com fatias de pão caseiro e lambidos por mim no final da refeição. A segunda posição pertence a um pudim feito aquando duma consoada pela saudosa Dona Graça e que me fez rebentar lágrimas nos olhos de satisfação quando a língua o esmagou contra o céu da boca. Na terceira posição está este guisado polaco que, ao fechar os meus olhos, me fez sentar 30 anos depois à mesa da minha mãe, tirar o guardanapo das bolsinhas de renda que ela fazia e regalar-me com uma jardineira das dela.
 
A segunda garfada fez-me levantar da cadeira, dirigir-me à Elwira que ao meu lado ouvia divertida os meus grunhidos de prazer e pregar-lhe um beijo na testa (a minha vontade era outra), grato por me ter concebido aquele inexprimível deleite. Ao lado, no Jardim do Padre Popiełuszko, velhinhos sentavam-se nos bancos a gozar o sol primaveril. A Elwira olhava para mim com aqueles seus olhos de pantera e ria-se de mim, um algarvio entregue a um guisado como se mais nada no planeta importasse. Há coisas que nos fazem sentir assim – muito bem.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Da relação que há entre Clark Gable, psicologia e o Ikea

Travesseiro do Ikea
O suíço Carl Jung, autoridade no campo da psicologia e psiquiatria, criou o termo Anima para definir a personalidade interior feminina do homem, o lado feminino numa tradução mais corrente. Não há estudos que provem que as mulheres são mais atraída por homens que possuam uma anima desenvolvida, até porque o grau de desenvolvimento desse modelo é progressivo e acompanha o processo de envelhecimento do indivíduo - quanto mais velho o homem mais a anima está presente na sua personalidade - e isso derruba qualquer teoria nessa direção, apesar de nesta terra a conjuntura ser favorável aos homens masculinos devido à pouca pica que muitos Adãos indígenas suscitam às raparigas polacas e do crescente número de gajos que, já licenciados em metrossexualidade, estão a escrever a tese de mestrado em androginia. Enfim.

Talvez tenha sido o meu lado feminino que me permitiu desfrutar do prazer libertador que está presente no ato de ir às compras, talvez tenha sido o meu lado feminino a empurrar-me para a loucura que fiz na semana passada quando rebentei um punhado de contos de réis em meias e boxers na Levi's, na loja da Adidas e no Ikea. O Dani estava de folga e precisava de ir ao Ikea, o que até me dava jeito para comprar ambientadores e copos de vinho tinto para poder receber as visitas com a pompa devida, assim aproveitei a boleia e dei um salto ao Parque Comercial de Targówek para adquirir algumas coisas para a casa, o que me dá bastante prazer pois sou uma pessoa que gosta dos confortos do lar e aprecio ter as coisinhas arrumadas apesar de morar sozinho e não ser fiscalizado a tempo inteiro. Nos primórdios da minha estadia em Tarchomin, a prioridade eram a sala, o escritório e a cozinha, depois dei atenção à casa de banho e finalmente o quarto de dormir, zona mais desprezada pelos meus primeiros investimentos domésticos desde que passei a ser senhor único do lar visto que é uma divisão que serve apenas o propósito de dormir. Porém, o facto de ter passado a dormir numa cama de solteiro, situação que eu não experimentava há talvez 15 anos, obrigou a adaptações prementes como a da minha roupa de cama que é toda formato de casal. Lençóis, fronhas, edredões, cobertores e resguardos, tudo de tamanho desadequado para uma caminha tão estreita, por isso empreguei umas pelegas nuns artigos para o dormitório, em especial no travesseiro.

Se a segunda metade de 2013 foi fértil em turbulências, o primeiro terço de 2014 não tem sido mais sossegado entre inquietudes pessoais (valha-me que em termos profissionais não me posso queixar) de aquém e além-Polónia. É um tempo de profundas reflexões e decisões daquelas que podem mudar a vida própria e das pessoas mais próximas, um trabalho contínuo de ponderação que requer serenidade e limpeza de espírito. Muitas dessas decisões deixo-as para depois da noite, para poder descansar e pensar no que fazer. A cama é um bom lugar para eu refletir, consigo ouvir as conversas dos neurónios, o
Modo Rhett Butler
escuro ajuda-me a focar no essencial porque às vezes eu preciso de fazer outras perguntas até chegar à resposta que quero. Depois de lavar os dentinhos subo para o colchão, adoto a posição de defunto que é deitado de barriga para cima e o meu cérebro entra em processo dialético, começo a magicar nas coisas até adormecer, de manhã consigo raciocinar com mais clareza e a resposta aparece mais depressa... ou não, o que até é melhor porque significa que o problema não tem solução e na minha terra diz-se que 'o que não tem solução solucionado está'. A pensar nas coisas do quarto fui ao Ikea e encontrei um travesseiro que se dizia concebido para as pessoas que dormem de costas ou de lado, despertou-me a curiosidade e enfeirei um exemplar. À noite experimentei-o.

Não sei se foi por ter passado uma manhã com um amigo, a conversa e o desabafo que tive com ele, ter um ouvinte com quem pudesse ter aliviado alguns dos meus stresses. Não sei se foi por ter comprado roupa, o que me causa sempre um suspeito estado de euforia provavelmente resultante duma anima em plena evolução. Não sei se é o travesseiro que é mesmo bom ou apenas um placebo. Sei é que graças àquele dia com o Dani e às compras que fiz, travesseiro incluído, sinto-me mais leve, tenho acordado mais descansado e andado com um humor em modo Rhett Butler.

- Frankly, my dear, I don't give a damn!

segunda-feira, 17 de março de 2014

Largos dias têm trinta anos

Slimani O golo de Slimani é consequência duma jogada em que o jogador que faz a assistência ao argelino, André Martins, recebe a bola de William Carvalho em posição irregular. Essa situação não foi detetada pelo árbitro assistente que acompanhava o ataque sportinguista, não foi vista por nenhum espetador presente no estádio, não foi assinalada pelos narradores desportivos das rádios que relatavam o jogo - bem pelo contrário, afiançavam que Abdoulaye estava a pôr o médio sportinguista em jogo -, não foi contestada por nenhum portista no decorrer da jogada, não foi protestada depois de ter resultado em golo e só foi aventada por Luís Castro depois do final da partida, o que significa que foi um lance difícil de ajuizar. Este lance é usado como argumento nas queixas e lamentos dos portistas que se sentiram prejudicados em Alvalade e perderam o jogo, dizem, devido uma arbitragem tendenciosa favorecendo o Sporting.

Eu comecei a interessar-me pelo futebol de forma mais séria quando tinha 9 ou 10 anos, quando os meus tios começaram a levar-me ao Estádio de S. Luís para ver o Farense. Eles tinham lugar cativo e viam a bola na companhia de outros ilustres farenses como o Sr.. Leonel Horta dos supermercados que abria sempre um espacinho para eu poder ver o jogo perto dos meus tios mesmo que eu não tivesse autorização para estar naquele setor. Ele não se ralava muito com isso porque sabia que eu não aguentava lá muito tempo, mal a bola começava a passar pelos pés de Gil, Bukovac, Nélson Borges e o 'El Feo' Fortes e eu abalava para a bancada por trás da baliza do adversário para ver melhor os ataques do Farense, ouvir a chuteira na bola e as conversas dos jogadores, cheirar a relva. Era uma coisa mágica  passar a tarde de domingo naquele ambiente e mais mágico se tornava quando nomes enormes como Manuel Fernandes, Shéu, Gomes, Jordão, Carlos Manuel, Futre pisavam a mesma relva que os jogadores do meu Farense. As estrelas maiores do futebol português a jogar em Faro, quanta honra! Foi assim que comecei a gostar de ver futebol, que comecei a entender o futebol e a perceber de futebol. Se sempre fui Farense, escolhi o meu 'clube grande' de acordo com o que me pareceu mais de acordo com os meus valores. Com naquele tempo não havia portismo em Faro, a opção era entre os rivais da 2ª Circular e pendi para o Sporting porque notei que os meus amigos mais fixes eram do Sporting ao passo que os que não eram do Sporting tinham sempre qualquer coisa de que eu não gostava. Ou a rua onde viviam, ou porque eram (mais) malcriados (do que eu), ou eram manientos mas havia sempre algo que eu conotava com o clube vermelho. Daí que, mesmo sendo o meu avô lampião até à medula, dei em sportinguista, por exclusão de partes.

À medida que fui crescendo fui também compreendendo melhor as regras do futebol português, fui vendo que essas eram regras sujas e tortas, que eram adulteradas por um grupo de pessoas que não olhavam a meios para alcançar a vitória, que viciavam a verdade desportiva para chegar ao êxito. Para essas pessoas os fins justificavam os meios e criaram um tal poder e uma tal influência que se tornaram intocáveis, no desporto, na justiça, na sociedade. Apesar das provas públicas de falsidade continuaram impunes a somar conquistas, a revolta dos adversários afundava-se no fosso profundo e lamacento da corrupção, único modus operandi desse clube, o FC Porto. Vozes revoltadas eram abafadas pelas baforadas nas casas de alterne onde se combinavam resultados e compravam-se árbitros, as gargalhadas cínicas do bando calavam os adversários que protestava mais um penálti, mais uma expulsão, mais um golo ilegal, mais um roubo. Provada e comprovadamente, o FC Porto construiu o seu passado recente de êxito alicerçado na batota e na violação de regras. É um clube de gente corrupta, de canalhas e que representa uma filosofia criminosa. A classe dirigente do FC Porto são o pior exemplo de dirigismo desportivo, causaram prejuízos enormes à credibilidade do futebol português e sempre fizeram disso alarde. Objetivamente, o FC Porto enfraqueceu os seus rivais de forma irregular, atropelando e agredindo, pressionando e ofendendo, roubando e fugindo. Fizeram-no durante décadas.

O FC Porto diz que foi prejudicado em Alvalade por causa dum fora-de-jogo de milésimos de segundo. Eu, sportinguista, adepto português de futebol, fui prejudicado durante largos trinta anos pela contínua trapaça e corrupção que o FC Porto praticou. Mesmo que o FC Porto fosse escandalosamente roubado nos próximos cinco campeonatos, ainda teriam saldo positivo. Portanto, e peço desculpa pelo tabuísmo, vão para a grandessíssima puta que vos pariu, bimbos de merda, e inchem, corruptos! Que é para provarem o veneno que serviram a Portugal nas últimas três décadas.
 
PS – Duas últimas notas.
Primeira, lamentar o infortúnio de Helton. Grande guarda-redes, grande pessoa, sóbrio e ponderado, um exemplo de desportista que não merece uma lesão grave nesta fase da carreira. Rápidas melhoras!
Segunda, já escolhi o que quero receber no Natal. Pilro, Iniesta e William Carvalho. Os três juntos a jogarem futebol no meu quintal. Se Fernando é ‘O Polvo’, então Sir William é ‘A Aranha’.
 
Sir.William