sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Suestada

O Levante mete os velhos doentes e os novos malucos

Luís António Fernandes

Ria Formosa Nascente com a lua A revista francesa Météo vaticinou o verão mais frio dos últimos 200 anos anunciando até com 70% de certeza a inexistência de calor em julho e agosto. A publicação falou numa queda de um a três graus na temperatura média no território da Península Ibérica, em precipitação intensa, nebulosidade e surgimento do calor estival apenas em setembro e outubro, tudo culpa do inverno tardio e da pouca atividade solar.

Não sei como correu o verão no resto da Península Ibérica, não sei como foi no resto do território português nem sei como foi no resto do Algarve pois, como é sabido, raramente saio do meu spot da Praia de Faro. Sei como correu o verão mais frio dos últimos 200 anos no concelho de Faro e devo comunicar ao amigo leitor que passei um agosto como não passava há vários anos, com noites quentes que convidaram a patuscadas bem regadas de cerveja e caipirinhas levadas pela noite dentro e que muitas vezes acabavam dentro do Atlântico a assistir à aurora por trás da Ilha do Farol.

Entrando na última semana do verão seria de esperar que os dias de praia se tornassem ventosos e os fins de tarde mais frescos, que esse vento rodasse a ondulação do mar para sudoeste trazendo assim asPraia de Faro águas frias de fora. Os dias ficariam mais curtos e também mais nublados, as mangas passariam a ser compridas em vez de curtas, a pele perderia progressivamente o tom chocolate em favor numa cor mais de baunilha, até colocaram a capital algarvia sob um assustador alerta amarelo, significado de relâmpagos e trovôes com chuvas diluvianas como acompanhamento, um conjunto de fatores favoráveis ao aparecimento de neuras e quebras de moral… mas não.

Ria Formosa Poente A malta daqui da praia já se ri com o que é escrito sobre a meteorologia, dos aguaceiros prometidos, das ameaças de tempestades medonhas. O Mestre Dida mete-se quase todos os dias no seu saveirinho e vai passear pela Ria, os miúdos da escola de surf continuam a aprender a arte de cavalgar ondas de manga curta, os caloiros da UAlg vêm receber as praxes no areal, eu continuo a tomar belos banhos matinais de mar e rebolo-me com rir ao ver as previsões dos indígenas que prognosticam mais suestada, ou seja, água do mar na casa dos 22º / 24º C e o belo do levante que vai fazer subir o mercúrio para gáudio dos nativos algarvios que assim podem desfrutar dos encantos do sol sem a ‘Turma da Via Verde’ a zurzir. Mesmo agora foi dito que este vai ser o fim de semana mais quente do ano no Algarve, precisamente o fim de semana quando se inicia o outono.

Pois é, amigos. É engraçado ver que há quem pague para estar onde nós vivemos.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O futebolista

O 'mishanapolonia' conseguiu chegar à fala com o mais recente reforço do Inter Warszawa, Nuno Bernardes. À conversa com o blogue, Nuno comentou o seu surpreendente regresso aos relvados e contou-nos como tem sido a sua adaptação a um novo futebol.

mishanapolonia - Nuno, um regresso ao futebol quase a atingir 40 anos. A pergunta impõe-se: Porquê?
Nuno - Porque quem praticou futebol oficialmente como eu pratiquei durante quase 20 anos fica sempre com o bichinho. Deixei de jogar pouco antes de vir para a Polónia mas nunca resisti a uma bola que saltasse na rua e não descansei enquanto não encontrei um grupo de peladinhas de fim-de-semana para matar a vontade, daí até pensar em voltar a jogar federado foi um saltinho.

m - Mas aos 39 anos não é vulgar ver-se regressos ao futebol, é mais uma idade adequada para a reforma e um estilo de vida mais pacífico.
N - Talvez seja, mas eu sempre andei contra-corrente (risos). O facto é que me apercebi que ainda estou em condições físicas aceitáveis e nos jogos com os amigos nunca corria menos que os meus colegas (bem) mais novos, era mais competitivo que os outros, aguentava sempre a pedalada e sentia-me confortável em campo. Por isso decidi experimentar de novo o futebol de 11, por uma questão de gozo. Para saber se aguento uma época de treinos e jogos e para poder um dia contar aos netos que o avô jogou no estrangeiro.

m - E como tem corrido esse regresso?
N - Muito bem. Encontrei colegas com muito entusiasmo pelo futebol e que me acolheram bem apesar de eu ser o mais velho de todos, oito anos mais velho do que o seguinte. Não tem havido problema.

m - Mesmo com a linguagem?
N - A linguagem do futebol é universal e rapidamente se aprendem os básicos. Czas, do niego, szanuj, jestem, masz são coisas que se aprendem depressa. Também não é preciso ser um licenciado em filologia para comunicar dentro de campo.

m - O futebol polaco é muito diferente do futebol português?
N - Completamente. A única coisa em comum é a bola, o resto é outra história. Na Polónia encara-se a baliza como o lugar onde a bola deve estar, entãoInter - Drukarz estica-se rapidamente a bola na frente e todos os jogadores correm que nem doidos para a baliza do adversário. É aí que a coisa fica complicada para mim porque já não tenho pernas nem caixa para ir atrás deles nem para encarar sozinho a transição. Às vezes aparecem-me dois e três na ressaca e tenho de mandar um pela proa para evitar males maiores.

m - Então o que faz para se adaptar a esse futebol?
N - Tento impor o meu, bola no chão, progressão com os colegas, passes simples mas pela certa, dou atrás para ir buscar na frente, quase sempre tento o um-dois. Não fui criado na escola britânica, não sei jogar em chutão nem sou queniano para correr como louco, jogo como sei e tento explicar aos meus colegas que a bola não se cansa e por isso é a bola que tem de correr.

m - E eles compreendem-no?
N - Pela reação deles eu percebo que eles me compreendem e que até tenho uma certa razão, mas aquilo está-lhes na massa do sangue e muitas das vezes que eu peço a bola porque estou sozinho tenho como resposta um barroaço na frente para o nosso avançado que está com três em cima. Apetece-me esganá-lo mas tenho de manter a cabeça fria.

m - Já fez um jogo que não correu lá muito bem...
N - Pois foi. Perdemos 2-5 em casa na estreia para o campeonato. Foi um jogo bizarro, fomos para o intervalo a ganhar por 1-0, aos 47 mins sofremos o 1-1, o treinador manda-me aquecer para dar alguma calma ao meio-campo, levamos o 1-2 aos 50 e o 1-3 quatro minutos depois logo após a minha entrada. Nem tinha tocado na bola e já tinha encaixado três batatas.

m - Para o meio-campo? Mas o Nuno não era guarda-redes?
N - Era mas decidi que ia jogar de campo. Já não tenho vida para meter a cabeça onde os outros metem os pés.

m - No jogo aconteceu o que se chama ter galo.
N - Não foi galo, foi azelhice mesmo. Havia jogadores que sentiram nitidamente o peso da estreia e nem conseguiam dominar uma bola, tremiam que nem gelatina. Serviu para aprender. Não se pode sofrer 3 golos em 7 minutos.

m - Como lhe correu o jogo a nível individual?
N - Mal porque perdemos e eu não gosto de perder nem nas paciências. Senti que ainda não tenho os níveis físicos necessários para aguentar 90 minutos e perdi alguns duelos individuais na força, mas com treinos regulares isto vai ao lugar. Consegui no entanto algumas aberturas interessantes, parece que ainda meto a seta onde meto o olho (risos).

m - Nuno, que expetativas para esta época?
N - Não me lesionar e jogar bem para ajudar a equipa. Já conheço bem os sinais que o meu corpo me manda, os ligamentos e os adutores são muito caprichosos, reclamam frequentemente e por esse motivo tenho de gerir o esforço. Também preciso de descansar mais porque a capacidade de regeneração não é a mesma, menos álcool, menos refrigerantes, mais sono. Vai ser complicado compatibilizar o futebol com o trabalho como DJ mas quem corre por gosto não cansa. Fundamentalmente quero acabar a época fisicamente em bom plano para ver se na temporada seguinte repito a experiência.

m - O quê? Pensa jogar na próxima temporada?
N - E por que não? Se a carcaça aguentar o cachão desta época por que não hei-de fazer mais um ano? Adoro treinar, adoro o jogo, adoro o ambiente do balneário, o ritual de me equipar, sair de noite ao frio só para estar com a rapaziada. Só quem nunca jogou futebol é que não compreende o que é a paixão pelo futebol, o que nos leva a abandonar o quentinho de casa para levar porrada à chuva, torcer pés, boladas na cara, canelas roxas, cabeçadas e punhadas e ainda pagar do próprio bolso. A alegria dos colegas quando se marca um golo é paga suficiente para todos estes sacrifícios. O futebol é a coisa mais bela do mundo e eu só tenho de agradecer os generosos cromossomas que tenho que me permitem continuar a desfrutar da minha paixão.
 
Foi assim a conversa com o camisa 3 do Inter Warszawa, Nuno Bernardes. Boa sorte e que não lhe amassem muito o chassi porque peças para este modelo já não se fazem mais.