Sexta-feira apareceram cá uns patrícios amigos duma colega minha, envolvidos numa acção profissional. Combinámos um jantar na Baixa também para dar-lhes a mostrar alguma coisa da noite de Varsóvia. Apanhei o metro como de costume e dirigi-me para o Centro da cidade, a carruagem estava à pinha de gente preparada para a diversão nocturna. Não os invejei pois não fiz planos para borgar naquela noite porquanto pensava apenas em jantar com estes novos amigos e aturar-me para a cama o mais rapidamente possível. Indiferente ao barulho feliz da multidão, fechei os olhos e dormitei.
Perto da estação Pole Mokotowskie começa a sobressair um som diferente dos demais, mais harmónico e agradável que se aproximava da minha posição. Era o som duma gaita de beiços que emergia do tagarelar polaco e ia silenciando as pessoas à medida que se impunha no ar. Achei curioso o contraste entre o som melancólico duma harmónica e a barulheira frenética da noite citadina e aguardei que o tocador se revelásse. Quando os passageiros se afastaram para dar passagem à gaita, um velhinho surgiu, o responsável pela melodia.
O velhinho estava bem vestido, de unhas limpas e tinha o rosto perfeitamente escanhoado aparte do seu bigode branco e bem tratado. Levava a gaita na mão direita e estendia o braço esquerdo em cujo pulso se pendurava um saco de plástico com revistas. Na máo esquerda, trémula, um copo de café onde repousavam algumas moedas, sinal de que o senhor estava a pedir esmola.
Ao olhar para aquele senhor, que apesar de aparentemente passar necessidades não deixa de se apresentar asseado ao mundo, lembrei-me do meu avô. Este senhor também será avô mas terá menos hipóteses de dar as coisas boas que o meu me deu. Lembrei-me das caixas de Mars e KitKat que ele tinha para mim e para o meu irmão se nos portássemos bem, do extraordinário feijão guisado que me empanturrava nas tardes de Inverno, das boleias para o Ciclo ou Liceu que ele nunca me negou, da corrida que ele deu a um puto mais velho que me tinha batido na Alameda, das pizzas de 3 andares que ele cozinhava e, como esquecê-lo?, do Mini Metro que ele me emprestou N vezes quando tirei a carta de condução.
Não retirando o mérito e o empenho com que as pessoas constroem o seu futuro, a sorte beneficia uns e encolhe os ombros a outros. Esse é um pensamento que transporto comigo todos os dias, hoje estamos bem mas amanhã não temos muita certeza. O futuro assusta-me, sempre me assustou e sempre tive dificuldades em lidar com projecções a longo prazo. O mundo é cada vez mais um sítio selvagem e injusto para se viver e este tocador de gaita terá certamente estórias para contarr a esse respeito.
Fiquei fulo comigo por não ter tido sequer um zloty para dar àquele dziadek. Para expiar o pecado, pedi emprestado à Sónia um livro de Manuel Tiago para ir lendo e aprendendo mais alguma coisa sobre solidariedade. Um dia, quem sabe, teremos de agarrar na gaita e tocar a melodia da nossa vida a alguém que se comova conosco.