quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Plac Zbawiciela

Plac ZbawicielaBrunch de fim de manhã de terça-feira na Plac Zbawiciela, uma das minhas praças preferidas da cidade. Admirável sol de outubro, um rebuçado para os desconfiados varsovianos que já se enfiaram em blusões e sobretudos escuros como o dó, um desperdício de claridade empregue a iluminar tão cinzenta gente. Eu e a minha companhia dispomo-nos na esplanada do Charlotte de nariz para cima de modo a não falharmos nenhum raio de sol, ela com um típico chazinho, eu com um cesto de fatias de pão e dois potes, um de doce de amora e outro de chocolate de leite. Ela beberrica a sua água quente e eu lambuzo-me de doce enquanto trocamos impressões sobre a vida, as pessoas e trivialidades quejandas. Desfrutamos do calor, dos bem-acolhidos vinte e dois graus centígrados que se fazem sentir no centro de Varsóvia, ela ri-se divertida e aconchegada com o sol, eu enrugo a testa penitenciando-me por me ter esquecido dos óculos escuros em casa mas evitando proferir qualquer tipo de impropério, bem pelo contrário, dando graças ao excelente dia de que estávamos a gozar por ter bem presente na memória o tenebroso 15 de outubro de 2009 no qual caiu uma senhora nevasca por volta do meio-dia que me deixou a mim e ao meu compadre Mário enregelados desde a unha do dedo pequeno do pé até à ponta do mais hirto cabelo, caso que não se verifica na pessoa do meu dileto compadre visto a sua cabeça já ter sido minada de irreversível calvície. Por isso me mantenho franzido mas satisfeito pelo vigor do astro-rei, pela pujança com que os seus braços cercam a Cidade Capital. Um mimo, um prazer, um regalo. Nem o ruído das infinitas obras de modernização da cidade me apoquentam, com este sol nesta praça tudo me passa ao lado.

Nas mesas ao lado vários casais jovens e jovens sem estarem acasalados, raparigas de smartphone em punho, rapazes de ar hipster batucam absortos nos seus portáteis, pessoas mais velhas que tomam o seu chá, idosos que passeiam ou que vão às compras. Numa dessas mesas senta-se uma senhoraO cãozinho de idade, curvada pelo tempo mas de gesto nobre e bem vestida com a écharpe em plano de evidência. Chama o empregado de mesa e pede um chá – para não destoar – e um croissant de amêndoa, um deleite que encaixa perfeitamente no glorioso dia que se vive, dia de gozos e delícias. Ao lado da mesa desta elegante senhora está uma outra dez ou quinze anos mais nova à qual se junta um homem que se faz acompanhar de um cão, com certeza um passeio inesperado para o canídeo mas muito bem aproveitado para exercitar as pernas e os pulmões. Senta-se o homem mai-lo cão, o humano à conversa com a companheira e o quadrúpede a fitar o lanche da chique senhora que, por sua vez, não tardou a dar atenção que o simpático animal requeria, atenção essa consubstanciada nos flocos de massa doce que a dita senhora começa a distribuir ao bicho, grandes pedaços que são absorvidos com gula até à saturação. O saldo terá sido de um terço do croissant para o cão, o que justificou o rápido recolher do animal entre as pernas da cadeira onde se sentava o dono, provavelmente agoniado com tanto açúcar, apesar da insistência da senhora para que comesse mais bolo.

O Céu da Plac Zbawiciela Barro mais uma fatia de pão com chocolate e enfio-a na boca, mastigo delambido para prolongar a festa dos sentidos que o sol e o chocolate despertaram no organismo, descanso os cotovelos na mesa e dou uma volta à praça com o olhar. O céu rebenta de azul, parece que os prédios nadam numa gigantesca piscina invertida por cima de Varsóvia e o sol estende-se pelas vielas mais estreitas de Śródmieście Południowe A Matylda continua a sorver o chá escondida atrás duns Ray-Ban vermelhos. Que bom que seria se o outono durasse assim até ao Natal.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O raio do outono

2013-10-09 15.10.13 As pessoas falam muito do inverno polaco e das suas condições extremas. Frio extremo, escuridão extrema, baixa extrema da pressão atmosférica, todo um ror de defeitos que fazem do inverno uma coisa temível apesar de inevitável. O inverno polaco incomoda-me bastante, não tanto pelo frio porque este só se sente quando estamos fora de portas uma vez que quando estou em casa podem estar -15ºC na rua que eu ando alegremente descalço, de boxers e t-shirt. É a neve que suja os sapatos e a entrada de casa, é o frio que me agrafa ao sofá aos fins de semana fazendo-me perder borgas épicas da noite varsoviana, é a moleza que se mete no corpo e que nos faz definhar de fome em frente ao televisor por preguiça de sair à rua para fazer compras. Mas apesar do inverno ser ruim e severo não me irrita tanto como o outono.

Essa sim, é a pior estação do ano e não me deem o discurso do ‘verão dourado polaco’ porque isso é tudo conversa de chacha. Não há nada de agradável numa estação nas quais os dias começam a ser dramaticamente mais curtos, a temperatura desce a olhos vistos – o que se torna um problema sério durante os treinos noturnos de futebol – o carro começa a ficar com uma camadinha de gelo no pára-brisas que nos consome minutos a raspar, não posso deixar as janelas abertas para arejar a casa sob risco de entrar numa arca frigorífica quando regresso a casa, faz vento, cai chuva, há uma leitosa névoa matinal (e noturna, ainda ontem no treino eu não conseguia ver a baliza oposta) que nos faz sentir ramelosos, um mar de folhas em cima do carro para sacudir todas as manhãs… Não encontro uma só virtude no outono e esta é uma estação que podia muito bem ser eliminada do calendário para evitar a rabugice que se apodera de mim. Ainda por cima a hora está quase a mudar para agravar mais a situação.

Os polacos têm sentimentos mistos em relação ao outono, conseguem encontrar-lhe algum encanto nas tonalidades das folhas caducas, no vento fresco Nevoeiro em Varsóviaque vem das florestas, na apanha de cogumelos ainda antes do sol nascer, na satisfação com que se aprestam a renovar o guarda-roupa de inverno. Parece-me até que gostam mais do outono do que do verão porque eles reclamam do calor quando o estio aperta, que é um inferno, insuportável, uma punição que só os sarracenos sulistas conseguem gramar. Eu não acho virtude nenhuma no outono, pronto. Vai entrar a época dos agasalhos com todas as coisas más que tal acarreta, até as cores das roupas quentes são mais deprimentes, azuis escuros, cinzentos, castanhos pesados, verdes secos, é medonho. Está hora de pegar na agenda telefónica e atualizar os contactos para se arranjar aconchego durante as noites arrefecidas de outubro e novembro, felizmente que a SportTv está a bombar em pleno e o livro da Bimby tem quase 200 receitas para me entreter.

domingo, 6 de outubro de 2013

No meio da tempestade, uma bonança

Bruno de Carvalho - El PresidenteNo corrente período de indefinição não tenho tido muitas razões para andar motivado ou esperançado, os planos estão todos em stand-by por causa da instabilidade que se vive nos meus interesses em Portugal e também devido à mudança de paradigma que tive de adotar como resultado de alterações fraturantes no plano da vida sentimental sofridas num passado recente. Tudo se afigura nublado para mim, o meu horizonte temporal estende-se a uma semana porque não consigo enxergar mais longe do que isso. Penso que todos passamos ou pelo mesmo, um período em que se põe tudo em causa e se desconfia da própria sombra, precisamos de frequentar outros lugares e ver outras pessoas para preservar a imagem, não a desgastar e não a impor. É um período desse que atravesso, de total clausura ou de fera libertinagem consoante os estímulos que me chegam sem nunca, porém, roçar as maluqueiras ou quadros de bipolarismo. Mecanismo racional de defesa ou reação endógena, sei que no geral não me tem apetecido grandes galhofas por falta de causas aceitáveis. No meio desta tempestade de sentimentos surge uma fonte de alegria justamente dum quadrante há muito enegrecido e ressequido: O Sporting.

Não há muito tempo o mundo via o pior Sporting de sempre, bisonho e triste, um saco roto de vergonhas e a levar vexames em todos os estádios portugueses e europeus. Assistia-se ao extenuar dum extraordinário clube de futebol devido à criminosa e demente política gestora dos seus dirigentes, gente duma total inaptidão para a responsabilidade de que foram incumbidos e que atiraram o Sporting para a chacota e risada do povo, mesmo entre os bufões que já celebravam vitórias garantidas e que terminaram de mãos vazias tal como os seus rivais de avenida. O Sporting entristecia, envergonhava, adoecia, perdia e perdia e perdia até o mais fiel adepto esmorecer e abandonar a fé. Não se via melhoras nem jeitos disso acontecer, o cenário era péssimo e aventava-se a possibilidade de terminar de vez, acabar e começar de novo. Eu próprio defendi uma solução tipo Fiorentina, refundar o clube e recomeçar a história de passivo e contas limpas, suportando a gozação de disputar divisões mais baixas e de defrontar adversários mais modestos mas com a cabeça novamente levantada e sem poluição a atrapalhar o olhar. Até que surgiu Bruno de Carvalho.

Eu não acredito em Messias nem no sebastianismo, ainda estou cético em relação à presidência de Bruno porque já levei muita porradnha de gente que prometeu fundos e mundos para no fim levar com uma correia de desilusões no lombo e agora só acredito nos ‘prognósticos só no fim do jogo’ e não embarco em euforias prematuras. Mas há uma coisa que eu não posso negar, é que finalmente voltei a ter prazer a ver jogar o Sporting. Agora eu acordo em dia de jogo já a pensar na bola, já planeio o dia em função do horário da transmissão, já elimino compromissos que possam cair ao mesmo tempo que o Sporting joga – epá, não posso. Dá o Sporting –, já vou ao supermercado fazer as compras necessárias para ver o desafio, já voltei a pôr o cachecol por cima do televisor, já me sinto inquieto na análise às estatísticas e antevisão do jogo, já deixo o telefone ligado para comentar as peripécias da partida no WhatsApp com os meus amigos sofredores leoninos, já acabo os 90 minutos de sorriso no rosto em vez de lavado em suor sofrido e dececionado. Tenho perfeita consciência que este estado não vai durar para sempre nem é admissível que assim seja, não vamos passar da pior temporada da história para a melhor de sempre, mas há coisas que são inegáveis e que dão supremo prazer aos adeptos leoninos.

  • A equipa joga bem, equilibrada e com lógica nos processos, tem critério e sentido no que faz; Fredy Montero
  • Fredy Montero é um achado. Faz golos de coisa nenhuma, sendo uma meia-leca de gente (1,75m) superioriza-se no jogo aéreo a defensores mais espadaúdos e resiste ao choque;
  • Os jogadores são lutadores e solidários, ninguém se esconde, todos assumem as suas responsabilidades sem protagonismos nem azias;
  • Rui Patrício, Cédric, William Carvalho, André Martins, Adrien, Wilson Eduardo, futebolistas made in Sporting, são regularmente titulares. Mais de metade da equipa titular do Sporting foi formada na Academia o que faz os adeptos gostarem ainda mais deles, incentiva o apoio e o carinho à equipa Ainda Dier, está sempre à espreita duma oportunidade, Mané já se estreou e há ainda João Mário, Betinho e Esgaio se for caso disso.
  • O presidente está no banco e prova que está com a equipa, com os técnicos, com os adeptos. Ao eliminar os ‘croquetes’ criou empatia e ao unificar as claques no mítico topo sul tornou-se líder incontestado;
  • A malta vai à bola, assistências sempre acima de 30.000 espetadores comprovam que os sportinguistas acreditam no Sporting. Isto porque o Sporting voltou para os sportinguistas, voltou a ser o nosso grande amor.

O Sporting não vai ser campeão este ano, se calhar nem no próximo, mas é o grande vencedor da edição 2013-2014 da Liga Zon-Sagres. Qual fénix leonina, renasceu dos seus próprios escombros e de um gato magro e piolhoso fez-se novamente leão lustroso e de apetite feroz, uma equipa capaz de criar centelhas de orgulho e alegria nos olhos dos seus adeptos. Regressou ao seu lugar de destaque no futebol nacional seguindo políticas de acordo com os seus ideais, políticas de justeza, seriedade, retidão e verdade. É isto que valorizo no meu clube, esta postura ímpar que procuro imitar na minha vida e no meu dia-a-dia.  Esta é a grande vitória do meu Sporting, a de reconquistar fés perdidas de velhos leões desenganados (a pontos do pai do Artur, verde empedernido mas amargurado até ao azedume, largar sem esforço uma cédula de 10 para ir ver o Sporting encavar os fis d’olhéu) e de chamar novos adeptos à causa, como a minha sobrinha de 18 anos que ama o Sporting como o tio – quem é que tem moral para ser sportinguista com essa idade? Este é o exemplo que pretendo seguir e pôr em prática na minha pessoa. Lamber as feridas, olhar ao espelho, eriçar a juba e rugir de novo porque tal como para o meu Sporting, também para mim amanhã o sol nasce de novo.

Saudações leoninas, com orgulho restaurado e uma moral do camano para ir trabalhar amanhã!