quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Quando a coisa não está fácil

Estimados e amigos leitores, isto não está fácil.

Não está fácil encontrar tema para escrever na medida que, com o passar do tempo, as coisas que antes me surpreendiam tornaram-se comuns e o que era surpresa é banal nos dias que correm. Se ao princípio trabalhar como professor de Língua Portuguesa era um desafio extraordinário presentemente é um ganha-pão como qualquer outro. Se no começo eu achava incrível incendiar pistas de dança nas minhas atuações como DJ agora acho incrível quando tal não acontece.

Tenho tido dificuldade em arranjar temas sobre os quais valha a pena escrever sem resvalar na fácil tentação de converter o mishanapolonia num blogue de notícias. Não é esta a natureza deste espaço, este é um blogue sobre as impressões de um algarvio a viver na Polónia e tal facto causa(-me) cada vez menos impressão. Não quero falar do frio nem da vodca, não quero falar de louras nem da Segunda Guerra, são temas explorados e expirados. Daí que decidi fazer uma pausa e repensar a utilidade e essência do blogue por forma a não perder fidelidade nem qualidade de escrita.

Por outro lado, as ocupações ditas profissionais – não me considero um ‘empregado’ de ninguém tal como a palavra é geralmente compreendida – consomem fatias cada vez maiores do meu tempo. Felizmente ambas as carreiras têm vindo a descolar e os dias são passados em corridas constantes entre o computador, as aulas e discotecas, isto quando não há treinos de futebol. Portanto como pode o leitor constatar pela inexistência de artigos recentes, isto não está fácil.

Voltarei em 2016 com uma nova ideia para o mishanapolonia, ideia que ainda não a tenho mas com certeza há-de aparecer. Até lá, então.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Infâncias polacas

Aula de Inglês com a Asia, praticar estruturas gramaticais com o tema ‘o que costumávamos fazer quando éramos crianças’. Eu tentei dar uma de aventureiro, explicando que quando era puto costumava ir de bicicleta com a minha cambada até à lixeira da Câmara para apanhar latas (de bebidas) para as nossas coleções. Diálogo entre professor/amigo e aluna/amiga, originalmente em Inglês mas aqui reproduzido em Português:

- E tu, Asia? Como costumavas passar as férias de verão quando tinhas, digamos, oito anos?

- Eu costumava ir para a casa da minha avó no campo e era muito engraçado! Ia com uma amiga para umas dunas que lá havia, escavávamos as dunas e encontrávamos granadas e bombas da Segunda Guerra Mundial que não tinham sido detonadas e brincávamos com elas. Uma vez levámos uma granada no bolso para casa da minha amiga, a mãe dela descobriu e fez um escabeche dos diabos, chamou a Brigada Anti-Explosivos, os tipos invadiram a aldeia para esgravatarem as dunas de alto a baixo. Era só camiões a irem e virem, divertimo-nos muito! Outra ocasião estávamos sozinhas na casa dela e ouvimos um barulho estranho a vir do estábulo, quando fomos ver do que se tratava vimos que era uma porca que estava a dar à luz e ajudámos no parto. Nasceram oito porquinhos. Sabias que as porcas parem de pé?

Ir à lata na lixeira? Moss, menino…

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Natolin

Rua Belgradzka Anos passados desde a minha mudança, voltei hoje a Natolin. O bairro onde vivi as primeiras aventuras varsovianas a solo, o lugar onde comecei a cimentar a estadia na Polónia, o sítio que me acolheu durante metade da minha vida em Varsóvia. Natolin é o berço da minha experiência polaca e regressar a este canto a sul da cidade provocou uma cascata de emoções porque me fez recordar setembro de 2008 no tempo em que não tinha carro, as viagens noturnas ao Tesco de Kabaty, as farras na varanda até de manhã, a primeira namorada a sério, acordar às 5:30 no frio breu no inverno para começar a trabalhar às 7:10, o apartamento onde comecei a receber os meus primeiros amigos feitos em Varsóvia, onde finalmente instalei a antena parabólica e comecei a ver o Sporting na televisão – como o épico jogo no Etihad Stadium durante o qual a Ewa se trancou no quarto com medo que alguma peça de mobília que eu atirava pelo ar com os nervos lhe acertasse acidentalmente - e onde os 'munines' de Faro se amalhavam depois de inolvidáveis bezanas no Enklawa e no Klubokawiarnia. Natolin foi a transição de menino para homem porque quando terminou a minha relação com a Iza e fiquei dois meses sem casa foi Natolin que me recebeu e foi em Natolin que me fiz sozinho à vida profissional. Natolin foi trapézio sem rede, deu-me embalagem para encarar a Polónia de frente. Era lá que agendava entrevistas de trabalho, era lá que preparava as aulas que me proporcionaram reputação positiva como professor de línguas, era lá que ensaiava para as minhas primeiras atuações como DJ (um grande obrigado ao enorme Ed Szynszyl que me deu a primeira oportunidade no extinto Muza), era lá que acabavam noites de indescritível luxúria.

Nas vésperas de completar oito anos na Polónia, visitar Natolin foi como voltar à nossa escola primária e ver antigos colegas. O jardim onde eu vi pela primeira vez um ouriço na cidade, a casa onde morava a minha senhoria que infelizmente já faleceu, o supermercado onde a menina da charcutaria sempre me fazia olhinhos, o restaurante jugoslavo onde a minha ex adorava jantar, o mercadinho de rua no qual eu comprava bananas e cebolas, as pequenas ruas calcetadas junto ao bosque que eu percorria em passeios desintoxicantes, a estação de metro que significava o porto seguro depois de noites pesadas de copos no centro - tantas vezesEstação de metropoliotano Natolin acompanhado pelo meu leal escudeiro Giga - e claro, o prédio da rua Belgradzka n° 4 onde fui felicíssimo habitante durante um maravilhoso período da minha vida. Parece uma coisa sem muito sentido, ter tanta emoção por ir a um bairro que posso visitar sempre que me apeteça, mas o meu ritmo de vida mudou imenso neste último biénio e tem-me afastado de Natolin, daí que este retorno tenha provocado em mim enorme comoção, tanto foi o que vivi e cresci naquela zona a sul da Cidade Capital. 

Ter ido a Natolin hoje fez-me perceber uma coisa curiosa. É que já não é só de Faro que sinto saudades.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Dos gatos com os quais caçamos quando não temos cães

Fresquinho em Varsóvia Apesar de parecer uma tarefa complicada em virtude de diversas situações que têm desorganizado a minha agenda, este ano ainda não perdi a esperança de ir a banhos na Praia de Faro, banhos de sol e de sal que são fundamentais para a sobrevivência dum animal de praia em paragens afastadas do litoral como Varsóvia. A praia do Báltico polaco é um destino que já calendarizei um punhado de vezes mas que nunca se concretizou porque o trabalho não permitiu, a companhia faltou ou o destino estava superpopulado e desaconselhava a viagens longas - de Varsóvia à praia marítima mais vizinha são três horas de caminho e é impensável fugir no sábado e voltar ao domingo devido aos crónicos problemas de engarrafamentos nas estradas polacas. Sobra ao deslocado algarvio fazer curtas mas incisivas deslocações a estâncias locais onde se possa encontrar areia para estender uma toalha, de preferência junto a um lago ou a um rio suficientemente limpos para se poder passar os gomos por água fresca. Lançado à tarefa, localizei um par de lugares muito agradáveis e reboquei o meu camarada Duarte, um português que fala fenomenalmente polaco, para desbravarmos esses lugares.

Żyrardów é uma localidade conhecida pelos lofts que levaram muitos varsovianos (e um determinado farense) a ponderar mudar-se para esta vila apesar de se situar a 60 e poucos quilómetros da Cidade Capital. Esta terra também é célebre pelo açude que retém água da chuva e do rio Pisia Gągolina e que foi aproveitado pela autarquia para criar uma praia fluvial posteriormente referenciada pelas autoridades sanitárias nacionais como própria para banhos. Visitei o lugar com o Duarte e a amiga Kasia, geleira cheia de sandes e de cervejame, passámos um ótimo dia de praia, ganhámos uma corzinha que minimizou um pouco a minha vergonha por andar branco como a cal e ficou no ar um possível regresso ainda durante o estio. E o regresso seria concretizado se uma outra amiga não me levasse a um sítio na saída sul da cidade, sítio que se tornou num meu spot de verão preferido.

As águas do lago de Powsinek estão classificadas como de classe II (água não-potável própria para banhos, prática de desportos aquáticos e criação piscícola) e por isso são muito procuradas pelos habitantes da Cidade Capital em virtude da sua proximidade. Por iniciativa privada foi construída uma praia fluvial num dos braços deste lago e edificada uma estrutura de recreio e lazer comLago Powsinek apoio de bar e restaurante, lugar que colheu a minha preferência este verão e onde me fiz quase residente para banhos de sol e de água doce, servindo de anfitrião ao Duarte e família - os meus 'sobrinhos' fartaram-se de brincar com o 'tio' nas bóias - e conseguindo convencer o Dani e o John a aparecerem para beber uma geladinha. Colchões, esplanadas, adequada música lounge, o destino ideal para uma escapada de fim de dia ou para uma tarde de domingo.

Já no início da época estival tinha visitado o lago artificial de Tarnobrzeg, um local que se formou a partir do desvio de águas do vizinho rio Wisla para a desativada mina de extração de enxofre e onde foi erguida uma estação de purificação e limpeza permitindo que a água do lago se mantenha sempre limpa e cristalina. Por não se situar perto de grandes cidades, o lago de Tarnobrzeg não sofre com a pressão turística sendo mais um oásis azul-turquesa na grande mancha verde-floresta que é o centro-sul da Polónia. Um pequeno paraíso de areia fina e branca que me encantou no fim de semana em que o visitei.

Já nos cascos de agosto uma amiga levou-me para secretos piqueniques em praias que não aparecem nos almanaques, aninhadas nas margens sul do Wisla ou metidas nos seus afluentes. Praias amplas onde não se vê vivalma ou pequenas línguas de areia escondidas entre frondosos bosques cujos acessos são mais apropriados para BTTs do que para um carro citadino como o meu. Regatos percorridos a duras penas porque não é fácil caminhar no leito dum rio com uma mochila às costas e um saco de plástico cheio de material para a merenda, valendo depois a privacidade e o silêncio absoluto do lugar.

Rio Świder No verão que agora finda, um generoso verão onde recuperei muita da ilusão e vontade perdida na transição 2014/2015, um verão onde ainda não consegui visitar a Praia de Faro (mas haja fé que a estação só acaba na segunda metade de setembro), houve lagos que se vestiram de Ria e Costa. Não posso dizer que tenha sido a mesma coisa porque nada, absolutamente nada substitui a Praia de Faro. Contudo tenho de confessar que foram suplentes que aproveitaram duma excelente maneira a oportunidade para mostrar o seu valor, tão bem aproveitaram essa oportunidade que são aqui recomendados.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Falando de bola – lançamento da época leonina de 2015/2016

 

A coerência é a virtude dos imbecis

Oscar Wilde



PORTUGAL SOCCER SUPERCUP Provavelmente serei um imbecil, não gosto de ser apanhado em falso nem em contradição e por esse motivo não faço julgamentos nem aponto dedos a ninguém. Mesmo quando a falha do parceiro é gritante, mesmo quando o vejo a criticar aquilo que há pouco tempo tinha aplaudido. Serve esta introdução para comentar o agitado defeso futebolístico português de 2015.

Ponto prévio: O processo de despedimento de Marco Silva é discutível. Eu próprio tenho alguma dificuldade em avaliar a postura do Sporting nesta matéria porque não estou habituado a ver o Sporting comportar-se duma maneira tão aguerrida, quase cruel. Regra geral o Sporting é brando, uma brandura que tem origem nas raízes elitistas nobres do clube. As pessoas educadas não falam alto, não têm gestos bruscos e argumentar 'justa causa' para despedir um treinador querido pelos sportinguistas - apesar do pioneirismo dos despedimentos por justa causa pertencer ao rival da Segunda Circular - surpreendeu o universo leonino. Por outro lado, é um facto indesmentível que o Presidente do Sporting zelou pelos interesses do clube e fê-lo de forma acirrada ao mandar a conduta à fava espremendo a paciência da parte beligerante, que aconteceu ser o tal treinador querido pelos sportinguistas. Veja-se por que prisma for, o Sporting foi defendido pelo seu líder de forma intransigente e no fundo é para isso que o Presidente lá está.

Depois, decidiu-se contratar um treinador que estava em fim de vínculo com o maior rival da sua entidade patronal. Uma situação incomum mas que não obstante ter sido feita com clareza e legalidade - algumas individualidades até acrescentam em surdina que com a conivência do presidente encarnado - suscitou violenta reação de variados quadrantes dos adeptos e simpatizantes do clube da Luz. De ser apodado de 'Judas' até ver a sua imagem apagada das conquistas assinadas na última temporada, Jorge Jesus viu o seu inquestionável protagonismo ser minimizado como se o bicampeonato, façanha que 'o maior clube do mundo' não conseguia há mais de três décadas, tivesse sido alcançado com a equipa jogando em piloto automático.

As mesmas vozes que se ergueram para condenar o comportamento dos dirigentes do Sporting na condução do 'Caso Marco Silva' silenciaram-se cúmplices na campanha de branqueamento dos méritos de Jorge Jesus, treinador que só tinha predicados e que subitamente passou a possuir apenas defeitos. Em Carnide era bestial, no Lumiar tornou-se besta.

São compreensíveis as dores encarnadas sentidas por se perder o timoneiro em favor duma nau rival, especialmente quando o timoneiro teve arte para otimizar o rendimento da tripulação a índices27º título que lhes permitiu chegar a lugares há muito tempo arredados. É compreensível o desnorte que reina na Luz por se sentir que a equipa não vai render o mesmo que nos últimos anos como prova a recente exibição da Supertaça 2015 disputada no Estádio Algarve. É compreensível a frustração da instituição de Carnide por ter visto a mulher da sua vida fugir com o vizinho do lado e vê-la feliz. É compreensível a confusão que domina presentemente os espíritos benfiquistas mas essa é uma característica que já consta no DNA, como prova a confusão do ano de fundação e da contabilização de títulos (veja-se a capa da revista Record de 93/94 onde se assinala o 27º campeonato nacional conquistado pelos encarnados que somados aos de 2004/05, 09/10, 13/14 e 14/15 daria na minha modesta matemática 31 títulos, número que contrasta com o lema adotado para esta época).
 
O que não é compreensível, pelo menos para este imbecil, é a incoerência patenteada ao criticar ferozmente a postura dos outros quando a que se tem na própria casa não é minimamente melhor.

Ou talvez seja um sinal de que realmente o Sporting deixou de ser a coletividade do 'croquete', isto pode ainda estar a criar comichões muita gente e algumas pessoas poderão não saber ainda como reagir a esta nova realidade. O futebol é o momento e o momento presente não é o mesmo momento de há três meses. Engulam o sapo, preparem-se para a travessia, lidem com isso.

PS – Se calhar o momento até é o mesmo de há três meses. O Sporting a triunfar, Jesus a ganhar troféus, hmmm…

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Quando um copo de café com leite desperta a nostalgia

Já são quase oito anos a viver na Polónia e cada vez menos coisas me surpreendem neste país. Ao invés, é graças à adaptação e enraizamento cada vez mais consolidados que tenho conseguido aceder a propostas bastante interessantes e a ocasiões de realização profissional e pessoal que dificilmente (ou mesmo nunca) estariam ao meu alcance em Faro ou em qualquer outra terra portuguesa. A Polónia mostrou-me que tenho capacidade de pensar fora da caixa, fez-me crescer de uma maneira que eu não julgava possível, do ponto de vista emocional, sociológico, no plano das relações interpessoais e interculturais, se eu não tivesse vindo para cá não teria aprendido o que aprendi, não teria criado certas competências, não teria gozado o que tenho gozado, não aproveitaria as minhas potencialidades como tenho feito desde que assentei pé neste país. A Polónia tem dado inúmeras oportunidades, tem-me proporcionado condições incríveis para me desenvolver sendo também exigente na paga. Esta terra não dá nada sem receber algo em troca e do muito que já recebi houve coisas que também perdi por não ter sabido cuidar. Faz parte, aprende-se com os erros mas segue-se em frente porque amanhã o sol nasce outra vez.

Na Polónia já fui ator de televisão e teatro, professor universitário e tradutor, modelo fotográfico e diretor comercial duma empresa, comentador na rádio e na televisão, DJ e jogador de futebol. Não sei o que pôr no cartão de visita além da minha morada e do meu nome, esse elemento que revela a minha portugalidade ao mais desprevenido, que fala de mim e dos meus, que responde à pergunta 'de onde és'. O meu nome é português e eu venho de Portugal, a terra do fado, do mar e da saudade. Saudade: Essa palavra que, tal como o meu nome, não tem tradução em nenhuma língua. Esse bicho que morde sempre que pensamos que já morreu, quando já nos julgamos imunes ao seu veneno, que as suas radiações já não nos afetam. Tão ativo tenho andado de escola em festa, de estação de televisão em relvado que não me tenho lembrado de Faro - não que alguma vez em me esqueça do berço mas porque me sinto tão bem por cá que não tenho sentido necessidade de voltar à terra ou de nela pensar, mesmo que há sete meses que lá não vá.

Mas por muito tempo que viva na Polónia, por muito ar polaco que respire, por muitas palavras polacas que profira, por muitas mulheres polacas com que durma, por muitas vodcas polacas que beba, por muitos relvados polacos que pise, por muitos cidadãos polacos que eu ensine, por muita rua polaca que percorra, por muita neve polaca que sacuda do carro, corre e sempre correrá nesta minha aorta sangue português e de estirpe algarvia. Nesse tipo de sangue o bicho saudade faz o seu habitat natural e não há nenhum antídoto contra esse malvado. Por esse motivo, depois de ter encontrado um lugar no centro da Cidade Capital que serve galões praticamente iguais aos galões que eu bebia na pastelaria Bijou com o meu avô Luís, provavelmente o único benfiquista que eu consegui(ria) amar, este vosso escriba sentou-se à mesa e enquanto sorvia o café com leite recordou o seu terno e divertido avô, bigode à Errol Flynn, infalível com a bica depois de almoço na esplanada d'O Seu Café, notável músico e campeão regional de xadrez, batoteiro incorrigível no dominó e mestre das sopas de batata doce e frade, ficando trancado em casa de azia quando o Glorioso perdia (a minha avó não me deixou entrar em casa no dia dos 7-1, 'vai-te embora que o teu avô tá de beiço') mas garantido na visita à farmácia onde o neto sportinguista trabalhava caso o clube da Luz vencesse, certo que foi ele que me conduziu até esta cafetaria para que eu voltasse a sentir o bicho a morder, se calhar para que me lembrasse dele, de Faro e de todos os que não tenho perto de mim mas que de mim fazem parte inseparável.

E que estarão sempre comigo, nem que seja quando me voltar a sentar aqui para beber um galão.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Tarchomin – O retiro do guerreiro

Tarchomin à noite Escolhendo morar numa zona afastada, assumi a inevitabilidade de receber poucas visitas. Apesar de a minha casa ser bastante confortável – dois quartos, sala, cozinha e uma casa de banho que dá para acampar – e de acomodar gente com fartura, o facto de morar longe desencoraja as pessoas a aparecerem. Isto apesar de ficar a apenas um quarto de hora de carro do centro da cidade ou a 25 minutos se optarmos pelo metro e elétrico. O problema reside mais na preguiça das pessoas em fazer os tais 15/25 minutos do que propriamente o afastamento entre o ponto de partida e o de chegada, o que acho curioso ao comparar com os tempos em que eu era criança quando famílias inteiras visitavam outras sem aviso prévio. Lembro-me, por exemplo, dos Belchiores aparecerem na casa dos meus pais para um uísque para os adultos e jogos de tabuleiro para os miúdos ou de irmos a casa do Zé Guerreiro depois do jantar para os homens falarem de negócios, as mulheres falarem do que quer que elas tivessem para falar enquanto as crianças bazavam para o quarto ler livrinhos do Cebolinha ou jogar A Viagem de Marco. Também eram 15/20 minutos de caminho mas não era nenhum suplício, antes uma alegria receber pessoas pois era certeza dum serão animado.

Não considere, amigo leitor, estas linhas como queixa. A vida de um homem solteiro é bem mais preenchida do que se imagina pois a lida da casa é dividida por uma pessoa só e entre cozinhar, lavar louça, lavar e estender roupa, passar a ferro, fazer as compras, aspirar seis divisões e passar a esfregona em três delas (os quartos e a sala são alcatifados), limpar pó e uma limpeza aprofundada de cozinha e casa de banho pelo menos uma vez por mês, preparar ou corrigir aulas, pesquisar e organizar músicas, fazer o saco do treino/jogo e outras coisinhas devoradoras de tempo, pouco sobra para o verdadeiro lazer doméstico como espojar-se no sofá a ver um filme, ler um dos três livros que tenho em cima da mesa de cabeceira ou mesmo saber o que se passa nas redondezas do Tinder. Então, não receber visitas não é uma situação alegre mas também não é propriamente uma chatice. Moro em Tarchomin, no norte de Varsóvia, pertinho mas do outro lado do rio e só o nome do bairro causa logo estertores aos potenciais visitantes.

O que as pessoas não conhecem é o passado medieval e ilustre de Tarchomin. Com efeito, existem registos de que a zona onde moro hoje já era habitada por alturas do séc. XIII e posteriormente foi residência de famílias pertencentes à nobreza até aos séculos XVI e XVII. Tornou-se um polo de reunião dos Olędry, imigrantes protestantes de origem holandesa e alemã que fugiram das suas terras de origem devido a perseguições movidas pelos cristãos e que viveram em algumas zonas da Polónia com especial incidência ao longo do rio Vístula e nas margens dos seus afluentes criando povoações com leis e credos próprios.Rua Światowida

Na idade moderna e já no séc. XIX foi em Tarchomin que se construiu uma fábrica de vinagre que depois se tornou no maior produtor de adubos do país e no início do séc. XX foi igualmente em Tarchomin que se instalou aquela que se tornaria na maior empresa polaca do ramo farmacêutico, a POLFA. Apesar da distância geográfica até ao centro de Varsóvia, o meu bairro tem tudo o que me faz falta para viver tranquilo e satisfeito. O elétrico já chega a casa desde dezembro do ano passado, o que dá um jeitaço do camano nas noites de maior caudal de bebida. Há bombas de gasolina, farmácias e supermercados abertos 24/7, tenho um enorme passadiço ao longo do rio para as minhas corridas de início de época, existe todo o tipo de reparações e serviços domésticos, automobilísticos e até relacionados com vestuário e calçado ao dispor da população e hoje reparei que já começaram a abrir os caboucos para o primeiro centro comercial desta zona da cidade.

As pessoas franzem o rosto quando lhes digo onde moro. “Épa, isso é muito longe!” Mas quando percebem que se leva apenas uma vintena de minutos acabam por perceber que não é tão longe. E claro, quando veem o meu latifúndio domiciliário.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Falando de bola - balanço leonino de 2014/2015

O primeiro de muitos troféus A época futebolística terminou com uma vitória do meu Sporting na Taça de Portugal, vitória suada e sangrada como todas as vitórias deste amaldiçoado clube que não consegue alcançar um triunfo tranquilo, fazendo sofrer os seus adeptos com exibições descoloridas ou, quando as coisas até estão a correr de feição, arranjando maneira de complicar a tarefa até tudo se perder. Quis a Fortuna (e a competência dos sportinguistas envolvidos na Final) que desta vez a Taça vestisse de verde, sete anos depois dum improvável Tiuí ter dinamitado as cogitações dos corruptos de Campanhã. A conquista da Taça de Portugal confirma o percurso ascendente do Sporting iniciado com a eleição de Bruno de Carvalho como Presidente do Clube. O Sporting tinha encerrado a sua pior campanha desportiva num deplorável sétimo lugar, vivia em convulsão devido à contestação criada em volta da gestão de Godinho Lopes e as perspetivas não eram animadoras tendo em conta as frágeis finanças do Clube. Sem dinheiro, sem presença nas competições europeias, sem plantel com qualidade ou com valor de mercado, Bruno de Carvalho herdou um Sporting para o qual até eu, eterno otimista, preconizava soluções draconianas como a refundação do Sporting à imagem da Fiorentina. Felizmente a direção do Sporting tinha outros planos, reanimar o Clube, restaurar a sua credibilidade e ressuscitar a fé na equipa e com a ajuda dum treinador de eleição, Leonardo Jardim, perito em fazer muito com pouco, alcançou-se o milagre de colocar o Sporting na fase de grupos da Liga dos Campeões no ‘ano zero’ da nova Administração. Vendido o artífice do milagre (há quantos anos o Sporting não vendia um treinador?), Bruno de Carvalho acerta novamente na escolha do timoneiro com a aposta em Marco Silva, consensualmente apontado como um dos melhores treinadores da nova vaga e com resultados muito positivos na liderança dum clube pequeno. Entre ventos e tempestades ainda não clarificadas na totalidade, Marco Silva assina uma temporada muito boa batendo o recorde de pontos neste século, consentindo menos derrotas que o clube campeão, rubricando ótimas prestações na Liga dos Campeões com uma equipa alicerçada em jogadores da formação e confirma as suas potencialidades ganhando a Taça de Portugal, única competição nacional acessível ao Sporting em virtude do atraso no Campeonato e da Taça Lucílio Batista ter vencedor anunciado por decreto desde da sua criação, depois num jogo épico de bravura e caráter. A Gestão pouco ortodoxa de Bruno de Carvalho consegue, no espaço de dois anos, transformar um clube moribundo numa força desportiva vencedora, capaz de seduzir futebolistas mais capacitados que procurem projetos aliciantes de carreira e de atrair investimento. A nação sportinguista voltou por fim a sair à rua para vitoriar a sua equipa e extravasar a alegria. Por fim caiu a timidez de se ser do Sporting, provou-se que o Leão é capaz de ganhar mesmo com meios inferiores aos dos diretos adversários e que conseguimos concretizar objetivos que outras equipas melhor apetrechadas não conseguiram. Aqui reside o meu segundo regozijo da época.

Não ver o fc porto ganhar nada este ano deu-me imenso prazer. Mais prazer me está a dar ver o clube em outsorcing, o que prova que algo está a mudar em Campanhã. Nunca vi um treinador do clube ter tanta autonomia a escolher um plantel, todas as contratações que os azuis-e-brancos fizeram desde que o atual presidente entrou em funções têm sido ‘contratações do Presidente’ salvo escassas exceções ao passo que este ano o basco Lopetegui teve carta branca para trazer Adrián, Marcano, Fernández, Campaña, José Angel, maltinha que nem no Ramaldense calçava. Quando as más exibições exasperaram as bancadas do Dragão, ao contrário do habitual em Pinto da Costa, ninguém deu o corpo às balas pelo treinador, foi este que saiu sozinho a terreiro para defender os seus jogadores, não se ouviu a mensagem de dentro para fora que é costume nos azuis-e-brancos quando rebentam crises desportivas. Não houve toque a reunir, ficou JulenA Taça É Nossa! Lopetegui agarrado ao leme da nau dando a imagem de que ninguém estava com ele para o ajudar a dobrar a tormenta, um esmagador silêncio presidencial enquanto a equipa caminhava para o bi-descampeonato, coisa tremenda para um clube habituado a ganhar para poder suportar uma estrutura que custa fortunas ao mês entre administradores de SAD, jogadores emprestados, comissionistas e favores devidos. Quero acreditar, eterno otimista, que o fim do ‘pontificado’ está próximo e que os longos anos negros de trapaçarias serão em breve apenas uma memória feia do que era o nosso futebol nas cinzentas décadas de 80 e 90. Quero crer que o karma também funciona no futebol e que os batoteiros sejam punidos pelo que fizeram, uma pena justa e tendo a do Boavista como referência.

Espero que as duas conquistas protagonizadas por clubes de Lisboa seja o primeiro passo do definhamento do grupo de Campanhã. Espero que as investigações que decorrem na FIFA sejam um sinal claro de que a falsidade e a intrujice não têm lugar no desporto-rei. Espero que o Sporting se mantenha no trilho do sucesso desportivo mesmo que tal suscite tentativas de branquear este facto inegável através de manobras de diversão e peças de jornalismo de vão de escada encomendadas por atacado. Espero que o poder do futebol volte para Sul porque, a não ser o Sporting a ganhar, prefiro que ganhem uns patetinhas foleiros do que uma quadrilha de mafiosos.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Polónia, terra agreste

Tarte de uva silvestre Se há adjetivo que se pode usar para qualificar a Polónia de forma bastante lata é “agreste”. A Polónia é agreste.

O clima é agreste, tanto faz um frio do camano que queima a pele do nariz como a canícula ensopa-nos a roupa em suor e obriga-nos a ter roupeiros em três divisões diferentes. A dieta é agreste, muitos alimentos fermentados que criam faíscas nos dentes e grande desordem de temperos que provocam tempestades intestinais ao que se juntam sopas que têm de rústicas o que têm de saborosas. As mulheres são agrestes, bravias e indomáveis amazonas que destroem impiedosamente um homem na cama e despacham canecas de cerveja com a delicadeza dum camionista apesar de parecerem frágeis bonecas de porcelana feitas à mão.  Há zonas do país bem agrestes tanto na cidade como no campo, não há lugar mais agreste em Varsóvia que a zona do bairro de Praga Norte que compreende as ruas Stalowa, Strzelecka, Szwedzka e Środkowa (um quarteirão que faz o Soweto parecer uma estância de turismo) e por vezes conduzimos centenas de quilómetros país fora sem vermos sinais de presença humana. A língua, essa, é do mais agreste que há sendo uma das três mais difíceis de aprender e que frustra o mais dedicado estudante quando confrontado com os labirínticos casos da sua gramática. Varsóvia é agreste porque tem sempre a fasquia na posição mais alta e não tem compaixão pelos mais fracos, tanto premeia os lutadores que não se acomodam aos sucessos conseguidos como castiga os acanhados e não perdoa os laxistas. Portanto não admira que na Polónia exista um fruto chamado Agrest do qual se fazem tartes agrestes.

O sabor deste fruto da família da groselha, também denominado uva silvestre ou uva espinha, raramente é suficientemente doce para ser comido cru pelo que é mais utilizado para a confeção de xaropes e marmeladas mesmo que algumas variedades sejam consumidas depois de cozidas. A uva silvestre difere-se da groselha mais conhecida em Portugal pela cor esverdeada em vez de vermelha e por crescer isolada e não em cachos. Na Polónia como na Alemanha e na França, doces e geleias de uva silvestre são muito comuns. Eu próprio, nos primeiros tempos em Varsóvia, experimentei uma gelatina instantânea de agrest não tendo ficado muito impressionado com o sabor amargo da sobremesa.uva 'agreste'

A aula com a Ola estava marcada para as 19:00, hora e meia antes do treino, altura ideal para um lanchinho. No café onde combinámos o encontro, a montra de bolos não tinha nada por que eu ansiasse. Não tinha mil-folhas nem pastéis de nata, não tinha bolos de arroz nem lulas mas em compensação apresentava um leque interessante de açucarados regalos tais como merengues de baunilha, bolos de queijo e de chocolate, tarteletes de morango, queques de mirtilo, semifrios de amêndoa e uma intrigante proposta: tarte de uva silvestre. Enchi-me de brio e pedi uma fatia da dita guloseima para acompanhar o mocha. Comentei o caso com a Ola, perguntei-lhe se o agrest era mais uma daquelas bagas azedas como fel pelas quais os polacos se pelam ao ponto de fazerem compotas e licores. A resposta dela, apesar de correta ao nível da sintaxe e da semântica para meu regozijo, revelou-se inconclusiva pois não consegui identificar o fruto de que ela falava.

A coisa faz jus ao nome, é agreste, acerbo, amargo, azedo mais o raio que os parta que conseguem comer coisas que até ao diabo dá arrepios.

domingo, 26 de abril de 2015

Um artigo sobre uma cidade e prazeres avulsos que a mesma me devolveu

Rio Brda em Bydgoszcz Ultimamente tenho andado com a estranha ideia de que o clima polaco é melhor do que o algarvio. Este é um pensamento que não me atrevo a dizer em voz alta porque não quero que me espetem o garfo dos hereges no pescoço mas que matuto cada vez mais à medida que o tempo vai melhorando. Se calhar esta minha afirmação tem a ver com a subida da temperatura que já me deixa andar de manga curta na rua ontem à noite em Bydgoszcz, prazer desde há muito vedado pelos condicionalismos do frio mas que ontem foi finalmente concedido. Na Polónia temos o pior do frio e o melhor do calor, estamos em contacto com realidades extremas, aprendemos e adaptamo-nos, sabemos estimar o doce do sol porquanto penamos o azedo da neve.

Se nós estivermos constantemente expostos a bom tempo não o sabemos valorizar, não apreciamos o calor se não tivermos experimentado o frio. Uma das barbaridades repetidas por alguns dos meus companheiros de areal em frente ao Restaurante Zé Maria, como é hábito e costume, que sempre me fez confusão era: ‘Moss, já tou farto de praia!’ Haviam de levar com quase meio ano abaixo de zero para começarem a agradecer a bondade com que a criação do mundo prendou o Algarve e a desfrutar das noites temperadas quando elas aparecem. As primeiras semanas de calor do ano são recebidas por mim com muita alegria não só pela energia que o astro-rei me transmite, nem apenas pelo encurtar das peças de roupa que possibilitam a observação a olho nu de peles e carnes alvas que já estavam sufocadas pelo frio niveal, observação que obriga a redobrados esforços de concentração durante a aula e a maior rigidez muscular nos corredores da escola para não cair na tentação de micar os tentadores decotes ou as apetitosas coxas das estudantes, mas como pela nítida melhoria que os raios solares causam no humor dos polacos, qual sessão intensiva de psicanálise ao fim da qual temos um povo inteiramente liberto das lamúrias que foram espalhando ao longo do inverno.

Ontem tive uma atuação em Bydgoszcz, cidade com pouco mais de 350.000 pessoas e que é uma das capitais da província da Cujávia-Pomerânia. Foi a primeira vez que estive nesta cidade e estava com bastante curiosidade em conhecê-la porque já tinha estado em Toruń, a outra capital da província, tinha então tido uma ótima impressão e queria comparar as cidades até porque jáAbril, hormonas mil tinha ouvido que Bydgoszcz era bem mais feia que Toruń – talvez devido à rivalidade ideológica que separa as duas cidades desde há séculos. As imagens que guardei de Bydgoszcz foram bastante positivas, tanto a nível das pessoas que lidaram comigo como do ambiente que respirei ao caminhar por ruas bonitas como a rua Gdańska que com o seu garboso Hotel Pod Orłem me fez lembrar um pouco a rua Piotrkowska em Łódź, ou a rua Jagiełłońska que encaminha pessoas e viaturas para a Plac Teatralny, uma linda praça que abre a cidade para o rio Brda. Aqui senti aquela impressão que temos quando percebemos que estamos num lugar bom, há um rio em Bydgoszcz e só as cidades com caráter têm rio. Passeei alegremente pela praça e vi o trânsito de pessoas para um lado e para o outro, satisfeitíssimo da vida por enfim poder andar na rua de manga curta, por acabar a festa com o sol quase a raiar numa esplanada a comer pizza com algumas das miúdas que estavam na discoteca e por finalmente voltar a ouvir piropos de polacas, coisa que se vem tornando raro em Varsóvia devido à recente invasão de hordas ibéricas de estudantes e trabalhadores com certeza atraídos pelo que ouviram das lendas do leste europeu.

Andar de manga curta à noite na rua. Eis um pequeno prazer a que muitos não dão o devido valor. Foi preciso eu fazer 250 km até ao centro da Cujávia para compreender isso.

domingo, 12 de abril de 2015

Retalhos da vida de um Algarvio - Parte 23

Dando música a cidade A noite tinha acabado já de manhã, às duas, consequência duma sessão de discos e da insónia habitual depois da atuação, os ouvidos ainda a digerirem o ritmo, os dedos ainda a virarem cursores imaginários, a mente ainda a acertar batidas e a criar a playlist seguinte. Adormecer depois duma atuação é sempre um castigo porque o corpo continua a cem à hora bem depois das colunas se terem calado, por isso é preciso ir baixando a intensidade, ir apagando as luzes, pegar num livro e esperar que os vapores do sono cheguem ao nariz. Tinha acabado tarde essa noite, já de manhã, e no dia seguinte bem cedinho logo se ajeitavam caneleiras, se vestia o calção térmico, se calçavam chuteiras para mais um jogo de preparação para a segunda volta do campeonato, sete pontos que se têm de recuperar em onze jogos. Tarefa difícil mas se não fosse difícil não era tarefa para nós, por isso lá estamos debaixo duma morrinha chata que molha e arrefece o piso do Wembley - nome pelo qual é pomposamente conhecido o campo onde o Inter Warszawa treina e joga. A bola parece mais pesada do que o habitual ou será o músculo que está mais frouxo, é preciso entrar no ritmo rapidamente sob pena de ficar para trás no comboio dos titulares. Encheu-se de brio, o velho, e de tanto querer mostrar serviço até foi lá à frente mostrar como se faz um golo. No final de contas há motivos para ficar satisfeito e para preparar uma romaria a casas de copos e caras giras, meio a medo porque duas no mesmo fim de semana tem custos que o arcaboiço já custa a aguentar, especialmente depois com uma futebolada aguda por meio.

Festa de anos duma amiga num clube da moda, um frenesim a que eu já não estou habituado pois ultimamente a minha presença em discotecas faz-se do lado de dentro da cabine. A rabugice inicial dissolveu-se depois dumas taças de vodca-Red Bull e deixei-me levar pela acertada escolha musical do DJ de serviço, não há mal nenhum no mundo que um bom par de malhas de house lançadas no momento exato não cure. Encontrados dois portugueses companheiros destas noites de boémia, ficou logo o mote dado para um resto de noite de brindes e perdição, gincanas suadas entre ancas e tranças, olhares de néon e lábios de carmim que se confundiam com o piscar psicadélico das luzes da sala de dança, três compatriotas inebriados pela música e pelo álcool, a combinação habitual nas noites varsovianas. Um dos tugas atirou a toalha ao tapete vencido pelo pulsar forte da noite e dos copos, saiu pedindo desculpa e prometendo melhor desempenho da próxima vez. Os dois restantes, ainda não satisfeitos, resolveram visitar mais uma casa para matar a curiosidade, um porque já tinha ouvido falar e outro porque tinha sido expulso da última vez que lá tinha ido. Motivações diferentes para o mesmo propósito. Mais shots, mais batidas, mais palavras gritadas ou sussurradas naquele idioma encriptado que causa subidas deAi, Varsóvia... pressão arterial quando saem da boca daqueles anjos eslavos louros. Saída de cena já com o sol a espreguiçar-se por trás das árvores, corpo cansado, alma cheia mas com vontade de dar mais uma voltinha. Não, diz o organismo. É altura de repousar.

Manhã de gatos e sótão, um pequeno-almoço que nunca poderia ser preparado por um homem (salada de queijo feta com rúcula e tomates cherry regada com molho balsâmico), o chamamento  irresistível do sofá doméstico a ouvir-se ao longe e o regresso a casa num autocarro estranhamente carregado de passageiros para as dez horas dum domingo. Por fim aninhado entre almofadas e a televisão onde passava um soporífero jogo da Liga NOS, recebo o sono como uma divina esmola restauradora, muitíssimo bem-vinda depois dum fim de semana exigente em termos físicos como poucos têm sido. À medida que vou sendo contaminado pela dormência, vou pensando na forma como me correu o dia, na maneira como passou a semana, naquilo que tem sido a minha vida nesta terra e abro um sorriso quando entendo que por muito negras que possam ser as trevas há sempre uma altura em que surge luz.

E assim adormeço, satisfeito por saber que o sol volta sempre a nascer.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Aqueles (poucos) dias em que me apetece mandar esta terra bardamerda

Faro, 1.4.2015 15:40 locais

Faro 1 Abril

Varsóvia, 1.4.2015 16:40 locais

Wawa 1 Abril

Fava, havia de te dar uma gangrena nos dedos por tirares fotografias dessas e mandares-me!

sábado, 7 de março de 2015

Postais da Polónia - 21

GAZ-21 A minha avó era o cúmulo da bondade, era incapaz de se zangar comigo ou de me levantar a mão. Aliás, ela não levantava a mão nem a um mosquito. Recordo-me que fiquei uma noite a dormir em casa dela e passei-a em branco porque tinha entrado um grilo dentro de casa (casa térrea na Rua do Alportel), o inseto levou a noite inteira a estridular, por certo contente com o ambiente acolhedor da casa da minha avó, mas não me deixou dormir e a cada rumor que ela sentia do quarto onde eu estava logo avisava: ‘Não mates o bichinho!’ E não consegui adormecer por causa da benevolência da minha avó para com um grilo. Se eu me portava mal o mais que ela fazia era dizer que ia ‘chamar a Côca’, um ser mítico de forma desconhecida que assustava os meninos rebeldes. No caso da minha avó, a Côca era representada por ela própria munida duma caraça, 148 centímetros de mulher com uma máscara (de Branca de Neve, acho) era o suficiente para me inspirar tal terror que ainda hoje me lembro de fugir corredor fora ao vê-la. A minha tia tinha a mão mais leve, às vezes recorria a socas para me pôr nos eixos mas a sua versão mitológica do bicho-papão era ‘O Velho Do Saco’, um dito senhor que passeava pelas ruas de Faro com um saco onde metia os meninos mal-comportados e que depois os levava para longe sem que eles nunca mais vissem a mãe. Eu não acreditava muito nessa léria porque já conhecia a Côca, era uma criatura real, ao passo que O Velho Do Saco não me parecia verosímil… até um belo dia aparecer um mendigo à porta da casa da minha tia, um velhote de barbas que carregava um grande saco de plástico às costas cuja visão me fez molhar os calções de medo. Teria 4 ou 5 anos e compreendi que tanto a Côca e O Velho Do Saco existiam e a qualquer momento podiam aparecer e castigar-me. Serve este preâmbulo para vos falar do que assustava os meninos polacos quando eles se portavam mal – a Czarna Wołga.

Tratava-se duma limusina negra, concretamente um GAZ-21 de fabrico russo com elementos brancos como cortinas, frisos ou pneus, que percorria as ruas das cidades e vilas polacas raptando os meninos. Nas décadas de 60 e 70, conforme a versão contada, a Czarna Wołga era conduzida por padres ou freiras, judeus, vampiros, agentes da SB que era a agência central polaca de segurança ou até mesmo pessoas com ligações a seitas satânicas. Também consoante as histórias, os meninos raptados eram levados para a Alemanha para se lhes colherem o sangue e tratarem meninos ricos alemães (ou ocidentais no geral ou até mesmo árabes) que sofriam de leucemia, ou eram vítimas de traficantes de órgãos ligados ao KGB. Esta última associação pode estar relacionada com o facto de que os automóveis do modelo em questão eram maioritariamente utilizados pelo aparelho do governo da União Soviética ou por membros oficiais do PCUS GAZ-24 (Partido Comunista da União Soviética) sendo que alguns elementos da Milicja, a polícia do Estado na Polónia, também tinham acesso. Sabendo que os polacos nunca morreram de amores pelos vizinhos soviéticos nem pelos ditames da PRL, foi fácil criar uma relação obscura entre os sinistros automóveis que eram um emblema do regime opressor e os funcionários que os conduziam e que eram mandados pelos mauzões de Moscovo.

A lenda urbana renasceu no fim do século XX com algumas modificações, já não se falava num GAZ (posteriormente um GAZ-24) mas num Mercedes ou BMW, curiosamente marcas provenientes dum país também ancestralmente hostil à Polónia, que era guiado pelo Diabo ou por - sinais do tempo – skinheads. Os automobilistas abordavam pessoas nas ruas para lhes perguntarem as horas e alegadamente matavam-nas ou as vítimas morreriam no dia seguinte àquela hora. Tanto na versão mais recente como na mais antiga nota-se o interessante registo de colocar antigos inimigos da nação como maus da fita, talvez de maneira deliberada por forma a incutir a aversão aos elementos visados desde tenra idade.

Seria curioso saber o que as avós contemporâneas dizem aos seus netos para os persuadir a serem bons meninos. Será que as ameaçam com o Putin?

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Um arrepio

Vais visitar uma amiga que está doente e deparas com esta caixa de pastilhas para a garganta em cima da mesa de cabeceira dela:

 

Doritricin

Por um segundo tive a impressão de ter ouvido o tropel de um exército a passar na rua dela.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Ilações a tirar duma noite de esdrúxula azia

DV1960070Azia? Azia.

Azia por ter visto uma muito boa exibição de futebol adulto não ter sido recompensada com a vitória merecida. Azia por ter visto os adeptos do maior rival celebrarem no nosso covil. Azia por verificar que alguns sportinguistas não se comportam à altura do emblema que (alegadamente) apoiam.

Marco Silva tem tido imensas virtudes na criação e desenvolvimento do projeto futebolístico do Sporting 2014/2015, desde logo uma elasticidade notável na preparação dos onzes para enfrentar três competições onde o clube tem legítimas esperanças de fazer boa figura – Campeonato, Taça de Portugal e competições europeias. Enfrentou a Champions e os clássicos rivais nacionais com uma dupla de centrais que não calçava no Farense e (salvo em Maribor) não deslustrou em nenhuma circunstância, assinando até momentos de alto nível em muitos desses jogos. À qualidade individual superior dos adversários respondeu Marco Silva com sagacidade tática e muita competência na leitura do devir dos desafios, pecando apenas na falta de intensidade com que o Sporting defrontou os Moreirenses e Belenenses desta vida. No último dérbi, o Sporting entrou com sete rapazes da casa e dois defesas centrais com três jogos juntos. Não se notou nenhuma falta de rotina, Rui Patrício não teve remates para defender mas o Sporting não ganhou. Faltou-lhe qualidade e eficácia no momento de definir (com os adversários de domingo Liedson tinha enchido a marmita), faltou manha e ratice para congelar a bola durante cinco minutos, faltou o que falta às boas equipas para ganharem os jogos em que se apanham a ganhar. O futebol é cruel, é um mundo onde não há meritocracia, vence quem pode e não quem deve. Da mesma forma que soubemos encostar o rival ao último reduto (pena que Artur não tenha estado ao seu nível habitual mas contra o Sporting toda a merda de guarda-redes engata) também não soubemos guardar o ouro depois de o termos conquistado e demo-lo ao bandido. Azar, azelhice, azia.

Por isso os rivais naturalmente comemoraram. Foi o resultado esperado depois da estupidez de cantar olés a ganhar só por 1-0. Qualquer camelo sabe que esse comportamento só tem um resultado que é o relaxamento da equipa que está a ganhar – começa mais a pensar em cabritos e rodriguinhos do que em matar o jogo – e o espicaçar de quem está a perder – vai a todas as bolas por cima, espuma da boca, joga de raiva. Quando começaram os olés comentei com um colega de sofá que a coisa não ia acabar bem e que esse tipo de provocações era prematuro. Nem de propósito, a bancada leonina teve de engolir o pasodoble e rever a aula de futebol onde se aprende que o jogo só acaba no fim. Como se não fosse suficiente, tive de gramar a lendária fanfarronice do mascador de chicletes que esburaca o meu sensível tímpano gramatical cada vez que consegue articular três sílabas seguidas. Azelhice, azar, azia.

E não admira que essa frustração toda tivesse que ser expiada de um modo qualquer, nem que fosse apanhar o lampião mais à mão e descarregar nele a desilusão do pássaro julgado garantido que conseguiu fugir fora de horas. Neste ponto, onde o meu clube tem um historial quase impoluto, vejo um inusitado e crescente comportamento bélico, agressivo, de confronto constante e em todas as frentes. Se calhar devido à atitude pugnaz que o nosso Presidente tem adotado na defesa dos interesses do Sporting – postura que subscrevo no conteúdo que não na forma. É uma coisa que não é bonita de se ver nem coerente de se fazer, criticar as atitudes cínicas e reprováveis dos rivais mas imitá-las à primeira oportunidade. Não é assim que eu vejo o meu Sporting, não é desse jeito que eu destaco o meu clube dos outros.

A ilação que tiro é que desportivamente estamos no bom caminho e que o Sporting está a tornar-se uma equipa cada vez melhor apesar de haver ainda muita lenha para rachar, não tivéssemos sido tão laxistas em alguns jogos em Alvalade e o empate de domingo teria hoje um impacto bem menor. Mas que sociologicamente alguns sportinguistas estão a contrariar a teoria da evolução humana e a adotar posturas que são mais frequentemente conotadas com adeptos de emblemas tradicionalmente antagónicos ao Leão, seja através dos casos de agressão física e verbal que alguns sportinguistas protagozinaram, seja pela inútil troca de ‘bocas’ nas redes sociais que só servem para comprovar algumas teorias minhas relacionadas com os QIs dos adeptos de diferentes clubes portugueses. É essa a maior azia, não a de não conseguir ganhar a um adversário que se revelou perfeitamente ao alcance dum Sporting mesmo mediano que fosse – e atenção, não pensem que não fiquei fodido por não ganhar aos índios – mas a de alguns sportinguistas…, perdão, de alguns lagartos não saberem estar à altura da dimensão do Sporting Clube de Portugal no momento da deceção.

Sinais de que talvez já não se façam sportinguistas como antigamente.

sábado, 31 de janeiro de 2015

De novo juntos

Voltamos a ver-nos. A princípio fizeste de conta que não me tinhas visto, mantiveste-te no teu lugar dando nítido sinal de que tinha de ser eu a tomar a iniciativa. Eu não fui ter contigo, orgulhoso, também magoado pela tua indiferença. Pensava que tinhas tantas saudades minhas como eu tuas mas tu nem mostraste um pingo de alegria, ficaste na mesma, fria, como de pedra. Entristeceste-me justamente quando eu fiquei tanto feliz por te ver de novo, depois de tantas semanas, tantos meses sem uma palavra, sem um contacto, sem u2015 começouma ternura. Tentei perceber como podias comportar-te assim como se não tivesses sentido a minha falta, como se eu nunca tivesse feito parte da tua vida, como se eu não significasse nada. Ignoraste-me, logo a mim que tanto te quero, que te trato bem, que te estimo.

Engoli o sapo e fui falar contigo: 'Olá, pequena!', disse. Tu não reagiste. Não te afastaste, é verdade, mas também não te mexeste. Pensei: 'Cá calharás...' e voltei-te as costas. Fui ter com os meus colegas falar de outras mulheres, carros e telemóveis mas às vezes olhava para ti e tu ali quieta, impenetrável, altiva como um monumento num pedestal, junto às tuas pares sem me passar cartão. Que difícil foi para mim! Onde terias andado? Com quem terias estado? Ter-te-iam feito mais feliz do que eu fiz? Ter-me-ias esquecido para sempre?

Decidi correr. Fui correr porque estava nervoso, não sabia o que fazer nem dizer e fugi de ti. Dei voltas e mais voltas debaixo desta chuva parva de janeiro, quanto mais corria mais me lembrava da tua reação e mais vontade me dava de correr, correr até te esquecer, correr sem parar porque se parasse pensava e se pensasse chorava. Ah, sandeu! E acaso se esquece um grande amor? Acaso se olvida o sentimento maior? Acaso se apaga a marca eterna da nossa relação, da nossa cumplicidade, da nossa adoração mútua? Eu contigo era tudo, éramos um só, completávamo-nos, definíamos o conceito de harmonia, de graciosidade, de garbo. Quando não estavas comigo chamavas-me, penavas a minha ausência, sofrias atrocidades dos outros homens que nunca souberam dar-te o devido apreço, logo corrias para mim ou eu corria para ti e tudo ficava de novo como tem de ser. O mundo parava para nos contemplar, para nos admirar, para nos venerar. E um dia partiste, abandonaste-me e eu fiquei atordoado, sem ação. Nunca concebi o mundo sem ti, como iria começar a viver sem ti? Tive medo.

Quando parei de correr vi que estavas junto a mim. Não sei se fui eu que parei ao pé de ti ou se foste tu que vieste para perto de mim mas isso não importa. Repeti: 'Olá, pequena!' e tu como que rolaste para mim. Peguei em ti, acariciei-te, segredei-te 'Tive saudades' e tu rolaste para o meu peito. Abracei-te, beijei-te, atirei-te ao ar e por fim chutei-te para que o primeiro treino de conjunto depois da pausa de inverno começasse. Enquanto te mudavam de flanco, te pontapeavam à bruta ou te tocavam com delicadeza vi que tu só olhavas para mim, e quando por fim, cumprindo o teu destino, regressaste aos meus pés e anichaste-te na minha chuteira, de novo olhaste para mim e murmuraste encantada:

'Amo-te'

E eu a ti, bola.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sinistra Segunda

Quando a segunda-feira se apresenta desta maneira, tu mal podes esperar para ver como corre o resto da semana.

Segunda-feira

Imagina se o Sporting não tivesse ganho ontem…

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O que é que a gente tá aqui fazendo? - 16

Diálogo numa aula de Língua Portuguesa entre o Professor e uma aluna:

- Kasia, conheces a estória do Capuchinho Vermelho?

- Acho que sim.

- Então conta lá.

- Era uma rapariga que trabalhava na cafetaria dum aeroporto. Ela servia cappuccinos aos clientes que tinham pouco tempo para apanhar o avião, depois os passageiros embarcavam, o avião caía e os passageiros que tinham bebido o cappuccino morriam.

Há dias em que eu me pergunto se efetivamente estou a desempenhar um bom trabalho…

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Plucha

Plucha no centro de Varsóvia A mãe duma ex-namorada dizia, na sua simples mas imensa sabedoria: "Quem não tem nada para fazer faz colheres de pau". Sem nada para fazer mas com vontade de escrever, pensei em compor alguma coisa sobre o novo ano mas cedo me arrependi porque o leitor não é parvo e percebe que, se eu fiquei tão satisfeito por 2014 ter finalmente acabado, estou ansioso para entrar de cabeça em 2015 e esquecer tão depressa quanto possível todas as amarguras do pretérito ano. Assim decidi dar uma volta no meu bairro, apanhar o ar fresco que vem do bosque contíguo para me dar inspiração e tão distraído andava que meti a pata numa poça de neve mole e imunda, fiquei com a sapatilha toda suja e isso encurtou-me o passeio. Porém a tática resultou, ganhei ideias, sentei-me à escrivaninha e aqui está o produto.

Diz-se que os inuítes, comummente chamados esquimós, têm uma série de palavras para definir
neve. É uma lenda urbana criada a partir da profunda integração do povo Esquimó nessa matéria e da existência de duas palavras que soam muito diferentes: 'qanniq-' ('qanik-' em alguns dialetos), usado como verbo “nevar” e 'aput', que é o substantivo “neve”. No entanto não é verdade que haja muitas palavras para classificar diferentes tipos de neve, os esquimós não fazem tanta distinção assim entre neve fofa, neve dura, neve com vento, etc. Neve é neve e ponto. Já os portugueses classificam a chuva com múltiplas designações: aguaceiro, chuvisco, tromba (ou pé) de água, cacimba, chuvinha molha-parvos e por aí fora. Cada povo tem o seu glossário meteorológico e mesmo dentro do mesmo país há maneiras típicas de se falar da mesma coisa, se um filho de Faro for a Braga e queixar-se que 'está barbeiro' provavelmente receberá um encolher de ombros minhoto como resposta. É um pouco como na Polónia falarem de amêijoas, inútil eu dizer que existe amêijoa boa, amêijoa cão, macha, branca, quanto mais apontar as diferenças. Para eles é tudo igual ao litro, enfim.

Os polacos também têm as suas 'amêijoas', não essas nas quais o leitor mais perverso terá pensado, mas os cogumelos que para o português têm apenas uma designação mas que para o nascido na terra da águia branca pode ser tudo e mais alguma coisa: borowik, maślak, muchomor, pieczarka, górka, opienika, koźlarz, podgrzybek, czubajka só para mencionar alguns dos nomes com que os polacos batizaram os fungos a que os portugueses chamam simplesmente... cogumelos. O mesmo se aplica a algumas condições climatéricas, há palavras polacas que especificam o calor que se faz a partir duma determinada temperatura, o frio que se sente abaixo de um certo ponto, até para aqueles dias aborrecidos de céu cinzento, chove-não-molha que forma charcos daquela neve suja em fusão que nos enerva por sujar os tapetes do carro e a entrada de casa – Plucha.Mais plucha no centro de Varsóvia
 
Os primeiros dias do ano têm sido passado debaixo de plucha, entre a vontade férrea de limpar o céu de quaisquer nuvens por forma a ter um excelso e, permitam-me a presunção, merecido 2015 e os vestígios do negro 2014 que ainda se manifesta através de espasmos de arrelias que de vez em quando me batem à porta, o estrebuchar dum defunto anunciado e sepultado mas ainda pouco convencido da sua condição de morto. O meu mano John ensinou-me um truque para ultrapassar esta chatice: tomando por aceite que um ano tem dias bons e maus em equidade, risca-se um dia mau do calendário cada vez que o morto se agita e assim é menos um dia ruim na contabilidade, sobrando mais dias bons para o que resta da agenda. E pronto, lá acabei por falar no raio do ano passado que insiste em me assombrar. Está difícil, o sacana, de se me despegar da pele! Mas já esteve mais longe, a plucha também já não parece tão feia assim e eu também quero começar a escrever sobre outros assuntos que bater sempre na mesma tecla não tem assunto nenhum.