terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Plucha

Plucha no centro de Varsóvia A mãe duma ex-namorada dizia, na sua simples mas imensa sabedoria: "Quem não tem nada para fazer faz colheres de pau". Sem nada para fazer mas com vontade de escrever, pensei em compor alguma coisa sobre o novo ano mas cedo me arrependi porque o leitor não é parvo e percebe que, se eu fiquei tão satisfeito por 2014 ter finalmente acabado, estou ansioso para entrar de cabeça em 2015 e esquecer tão depressa quanto possível todas as amarguras do pretérito ano. Assim decidi dar uma volta no meu bairro, apanhar o ar fresco que vem do bosque contíguo para me dar inspiração e tão distraído andava que meti a pata numa poça de neve mole e imunda, fiquei com a sapatilha toda suja e isso encurtou-me o passeio. Porém a tática resultou, ganhei ideias, sentei-me à escrivaninha e aqui está o produto.

Diz-se que os inuítes, comummente chamados esquimós, têm uma série de palavras para definir
neve. É uma lenda urbana criada a partir da profunda integração do povo Esquimó nessa matéria e da existência de duas palavras que soam muito diferentes: 'qanniq-' ('qanik-' em alguns dialetos), usado como verbo “nevar” e 'aput', que é o substantivo “neve”. No entanto não é verdade que haja muitas palavras para classificar diferentes tipos de neve, os esquimós não fazem tanta distinção assim entre neve fofa, neve dura, neve com vento, etc. Neve é neve e ponto. Já os portugueses classificam a chuva com múltiplas designações: aguaceiro, chuvisco, tromba (ou pé) de água, cacimba, chuvinha molha-parvos e por aí fora. Cada povo tem o seu glossário meteorológico e mesmo dentro do mesmo país há maneiras típicas de se falar da mesma coisa, se um filho de Faro for a Braga e queixar-se que 'está barbeiro' provavelmente receberá um encolher de ombros minhoto como resposta. É um pouco como na Polónia falarem de amêijoas, inútil eu dizer que existe amêijoa boa, amêijoa cão, macha, branca, quanto mais apontar as diferenças. Para eles é tudo igual ao litro, enfim.

Os polacos também têm as suas 'amêijoas', não essas nas quais o leitor mais perverso terá pensado, mas os cogumelos que para o português têm apenas uma designação mas que para o nascido na terra da águia branca pode ser tudo e mais alguma coisa: borowik, maślak, muchomor, pieczarka, górka, opienika, koźlarz, podgrzybek, czubajka só para mencionar alguns dos nomes com que os polacos batizaram os fungos a que os portugueses chamam simplesmente... cogumelos. O mesmo se aplica a algumas condições climatéricas, há palavras polacas que especificam o calor que se faz a partir duma determinada temperatura, o frio que se sente abaixo de um certo ponto, até para aqueles dias aborrecidos de céu cinzento, chove-não-molha que forma charcos daquela neve suja em fusão que nos enerva por sujar os tapetes do carro e a entrada de casa – Plucha.Mais plucha no centro de Varsóvia
 
Os primeiros dias do ano têm sido passado debaixo de plucha, entre a vontade férrea de limpar o céu de quaisquer nuvens por forma a ter um excelso e, permitam-me a presunção, merecido 2015 e os vestígios do negro 2014 que ainda se manifesta através de espasmos de arrelias que de vez em quando me batem à porta, o estrebuchar dum defunto anunciado e sepultado mas ainda pouco convencido da sua condição de morto. O meu mano John ensinou-me um truque para ultrapassar esta chatice: tomando por aceite que um ano tem dias bons e maus em equidade, risca-se um dia mau do calendário cada vez que o morto se agita e assim é menos um dia ruim na contabilidade, sobrando mais dias bons para o que resta da agenda. E pronto, lá acabei por falar no raio do ano passado que insiste em me assombrar. Está difícil, o sacana, de se me despegar da pele! Mas já esteve mais longe, a plucha também já não parece tão feia assim e eu também quero começar a escrever sobre outros assuntos que bater sempre na mesma tecla não tem assunto nenhum.

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