sábado, 26 de julho de 2014

Retalhos da vida de um Algarvio - Parte 21

Varsóvia dum 40o andar 1:30 da manhã no quarteirão de um dos hotéis mais finos da Cidade Capital, por consequência arrisco a dizer, do país. Tinha acabado de cumprir mais uma noite como disc-jockey na noite de Varsóvia, desta vez sem o grande bumbumbum das antigas noitadas transpiradas do Muza ou na louca vertigem do Platinium. Uma atuação tranquila e sossegada dentro dum registo lounge, 118 bpm no máximo, adequado ao espaço que foi concebido para o convívio luxuoso... ou sigiloso consoante a intenção. Hotel cinco estrelas, clientela de carteira generosa, garrafas abertas de seguidinha, baldes de frapê a passarem à minha frente para desaparecerem atrás da porta de correr feita de vidro baço com a indicação 'VIP Room'. Ainda lancei um olho curioso para saber o que acontecia atrás daquela entrada por onde passavam tantas pernas delgadas e vestidos justos mas a curiosidade ficou centrada entre a trança loura e a anca delgada da barmaid, acabei por não perceber que rebaldaria havia naquele compartimento que exigia tanto champanhe e também não tive muito sucesso com a barmaid pois ela não se deixou impressionar com os meus arreganhados agradecimentos quando ela me entregava o Ice Tea que lhe pedia para me refrescar do efeito da spotlight que eu tinha apontada enquanto tocava. Entristeci-me, nem consegui ver a paisagem do reservado nem saquei um sorriso à empregada do bar. Se calhar melhor assim, consegui concentrar-me no set e logrei uns abanos de cabeça ao ritmo da música por parte dumas senhoras de idade que se tinham sentado na mesa ao meu lado. Um triunfo para uma noite tão calma.

Povo amigo chegou entretanto, claramente com o propósito de me rebocarem para copos apesar de eu cumprir uma noite abstémica por causa do trabalho e também por ter de guiar de volta para casa. Ao sábado os malinos andam sedentos de multas e uma matrícula estrangeira chama mais a atenção na via rápida que conduz ao meu bairro, por isso não quis arriscar no xarope mas acabei por sair com eles. Estava uma típica noite quente de verão varsoviano, o ar doce e pegajoso a ameaçar chuva, a fazer lembrar Sevilha até pela movida que se via na rua com carros e limusinas em romaria para o centro lúdico da cidade. Tinha estacionado atrás do hotel, na rua das putas. Elas lá estavam, caminhando dum lado para o outro sem dar bola aos transeuntes, sem espicaçar, sem provocar, maneira curiosa de atrair a freguesia. Nem olham para os homens, talvez de esguelha mas nunca mostrando interesse. Não seiCapital de todos os contrastes se por uma questão cultural ou legal, não vejo prostitutas de rua em mais lugar nenhum de Varsóvia a não ser naquele quarteirão do Centro e também nunca vi que fossem interpeladas pelas autoridades. Parece que a polícia fecha os olhos, desde que elas ali estejam confinadas não andam em mais lado nenhum, não dão mau aspeto à terra, os clientes sabem onde encontrar o produto e todos ficam contentes.
 
Não deixa de me fazer impressão mais este contraste na capital de todos os contrastes. Nas traseiras dum empreendimento de alto gabarito, paredes-meias com a igreja de Sta. Bárbara, vagueiam as mulheres da vida, defendendo-se como lhas deixam das tolheitas da vida, expostas ao frio glacial do inverno e a canícula de verão, fazendo o que podem para ganharem uma miséria ao passo que outras comem e bebem do bom e do melhor, rebolam-se em lençóis de cetim e banham-se em tinas de mármore. Tanta diferença e tanta semelhança entre as putas da rua Emilii Plater… e as senhoras do reservado do bar do Marriott.

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