Às dez horas da noite
em Tarchomin parece que estou numa cidade da península de Kamchatka.
Não se vê vivalma na rua, ninguém se aventura a sair de casa e
enfrentar a poeira de neve que cai e que cobre os carros, as últimas
pessoas a pisar aqueles passeios já debandaram há muitas horas,
vieram da missa das sete enfiadas e atarracadas nos casacos e gorros
caminhando a passadas curtas mas rápidas, meteram-se em autocarros
ou em carros particulares, muitas moravam ali perto e depressa
recolheram ao quentinho do lar. Eu dou uma vista de olhos ao bairro e
certifico-me que de facto não se passa nada.
É dos livros, quando
chega o inverno o humor dos polacos cai mais depressa que o escudo,
resguardam a iniciativa em alguidares de café para se manterem
acordados ou em vasilhas de chá para se manterem aquecidos. Não sou
adepto desse desporto mas rendi-me à cafeína matinal, ajuda mesmo a
despertar o encéfalo e a enfrentar os alfarrábios de Conjuntivo e
preposições que me esperam ansiosos nas prateleiras da escola. O
Homem é um animal de hábitos e a capacidade de adaptação e
flexibilidade faz a diferença nestas paragens, a substituição ou
aquisição de novos hábitos por mais estranhos que sejam faz parte
do processo de integração, muitos deles até ajudam a enfrentar as
condições climatéricas agora que o ar arrefece e a vontade de sair
da cama é menor.
Pois é. Eu procuro
sempre ver o lado positivo da coisa, mesmo na altura em que toda a
gente lamenta a chegada do inverno eu consigo perceber que os dias
começam a ser mais longos a partir do solstício de dezembro, quando
a neve cai aos caixotes eu alegro-me porque isso é sinal de subida
de temperatura, quando o termómetro marca -15º ou -20º eu ainda
encontro motivos de satisfação pois nesses dias geralmente o
sol brilha (não aquece, é certo, mas ao menos brilha) e quando os
dias estão encobertos significa que vai estar à volta de -5º e
assim já não preciso de cachecol nem de gorro. Há sempre uma outra
face em cada moeda e eu tento olhar para aquela que mais me agrada ou
que melhores sensações me desperta, ainda estou para descobrir o
que é que esta rua nevada dum bairro do norte de Varsóvia tem de
positivo. Mas tranquilo, alguma coisa boa há-de ter e eu hei-de
encontrá-la para evitar que o meu munine Rui Miguel faça a pergunta que dá título ao artigo.
1 comentário:
Não é comum um português ser assim tão ótimista. Aliás, até somos um povo emocionalmente reprimido, quando comparado com os outros países latinos. No entanto, quando olho para essa fotografia, acredito que a qualquer momento sairá da neve uma polaca fresquinha para aquecer o ambiente! Sem dúvida que isso tranquiliza a alma! :)
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