terça-feira, 5 de abril de 2011

A peladinha como estudo sociológico dum povo

Pavilhão de relva sintéticaJogar futebol com polacos é uma experiência engraçada pela abordagem diferente ao jogo que eles têm se comparada com as peladinhas portuguesas, é um estilo de jogo distinto cuja estratégia principal assenta na capacidade física, no trabalho árduo durante o jogo e pouco tem de comum com o jogo português exceto no objetivo que é meter a menina no baú. Ando a jogar peladas semanais e às vezes bissemanais com um grupo de malta fixe, a maioria polacos, e confesso que já perdi a cabeça com muitos deles por muitas vezes.

Se com as mãos pouco valia – não passei da 3ª divisão – com os pés valho muito menos todavia consigo pensar um pouco no que faço ou vou fazer com a bola nos pés. Isto em futebolês diz-se que “não sou parvo nenhum” e isto faz toda a diferença pois procuro soluções práticas sem complicar, jogo simples, os trinta e sete anos preferem tabelinhas e triangulações em vez de sprints à Futre e assumo um estilo mais pausado e pensativo, de pé para pé ao estilo português de sempre, estilo esse que germinou no viveiro da Escola do Carmo em Faro onde sempre se combinou pulmão com pezinhos, tipo de jogo que esbarra nos tratores polacos. Estes jogam deliberadamente para a frente porque é lá que está a baliza e é lá que a bola tem de estar não interessando como chega nem quem a leva, quem tem a bola que a transporte a correr ou que estique um bojardo para quem esteja mais perto da área adversária, não interessando se o jogador em causa está mais sozinho e desapoiado que um judeu em plena Faixa de Gaza. Até se consegue perceber este estilo de jogo na conjuntura social e cultural numa terra onde se valoriza mais o músculo do que a moleirinha, então aquele que mais remata, que mais corre, que mais carrinhos faz e que mais longe consegue meter a bola é o jogador mais apreciado, mais valorizado e mais respeitado. Está-lhes no DNA e não concebem outra realidade. Aqui entra a minha discordância de futebolista de características mediterrâneas, crescido num ambiente onde as altas temperaturas não convidam a loucas correrias e tento convencer os colegas a passar mais a bola, a correr menos mas melhor, a usar mais a cabeça do que o coração. Debalde! Para a frente é que é caminho e apesar de já ver alguns progressos nalguns (mais inteligentes) deles muitos continuam a chutar a 180º e a querer fazer golos do FIFA.

Ultimamente têm aparecido mais portugueses no nosso excelente pavilhão de relva sintética, uma estrutura usada pela Legia na pausa de inverno. Timidamente foram entrando nas equipas, fazendo uma ou outra amizade e eu como português mais velho e antigo do pelotão comecei a fazer lóbi para que a minha equipa tivesse o maior número de portugueses possíveis, o que não foi difícil porque os polacos preferem jogar entre eles e não são entusiastas de mexidas ideológicas no seuPavilhão 2 xadrez. O resultado foi que nas duas últimas peladas de domingo os portugueses deram vexame nos adversários jogando fiéis à sua genética, trocando a bola, progredindo em bloco, dando sempre linha de passe ao colega e aparecendo com duas ou três soluções de conclusão. Pela primeira vez em cinco meses de joguinhos senti como se estivesse de novo na Escola do Carmo com as fintas de corpo do Paulo Gomes, os dribles do Fábio, as cuecas do Amador, os bananos do Rui, o veneno do Lino e a estaleca do Artur, o meu jogar à bola de rua em menino contra um grupo de abnegados jogadores de viseira nos olhos, de sentido único, mecânicos e sem plano B. Razias sucessivas e crónicas goleadas para os tugas.

Anteontem dei-me a luxo de ganhar uma bola a meio-campo, fui puxando para a direita, passei por um adversário, ganhei a linha de fundo colocando o corpo (calculem!) e quando toda a gente esperava o tiro egoísta de ângulo difícil cruzei rasteiro e atrasado enquanto os gulosos avançados e os ingénuos defesas jogavam-se todos para a frente e apareceu o Aykut – turco – a finalizar fácil, golo bonito, assistência digna de televisão e almanaques, passe a vaidade. No abraço perguntou-me “É assim que tu queres?”

É pois, é mesmo assim que eu quero e não me parece que esteja a ser exigente. Mas também os percebo, entendo a forma pouco inspirada mas transpirada como correm que nem doidos até estoirarem fisicamente porque só assim entendem que participaram, que se compremeteram totalmente com o jogo e que deram tudo, mesmo que venha um algarvio quase quarentão dizer-lhes depois de mais um golo sofrido:

- Se tu correres cem metros ou se a bola correr cem metros, quem é que achas que fica mais cansado? Então faz a bola correr que ela nunca se cansa, é a bola que corre e não o jogador.

1 comentário:

JMineiro disse...

Excelent post sobre a sensação de jogar à bola nestes países :)

No meu caso a experiência foi mais na escandinávia, onde nem foras tinham, o futsal é jogado com tabelas!! Chuto para a frente e cá vai disto.

Invariavelmente os latinos venciam, excepção feita a alguns domingos de manhã onde o estado físico não permitia a vitória da "força da técnica"...