No tempo em que eu era jogador tive um colega de equipa chamado Coelho, Washington Conejo, Zé Carioca ou apenas Doutor para os mais chegados. O Coelho era um tipo daqueles que não existe, grande companheiro de boémia, imperador do
bas-fond e dos
paradores além-Guadiana onde orgulhosamente apresentava as meninas aos colegas e, cliente assíduo, trazia depois o relatório da impressão causada no mulheredo. Dentro de campo o Coelho era genial, mago das fintas de corpo, desequilibrava os adversários só com uma ginga de cintura, não era um portento de força nem um torpedo de velocidade, mais jogador de tabelinhas, progressão lenta mas segura para depois assinar o último passe, normalmente açucarado para o avançado empurrar e marcar golo fácil. Washington tinha de genial o que tinha de indisciplinado taticamente, o treinador punha-o a jogar de segundo ponta ou
trequartista como se diz no futebol italiano e ele vinha buscar a bola à entrada da minha área nos pontapés de baliza, ralhando comigo se eu o enxotasse para a posição dele. Era dar-lhe a bola senão ele fazia um escândalo dentro de campo. Lá lhe passava o repolho e ele seguia quase a passo, driblando todos com o olhar e com aquela cintura malandra, a cabeça semi-calva denunciando os 30 e tais, serpenteando entre os pitões mais malvados que lhe ameaçavam o joelho onde morava a título perpétuo uma joelheira elástica tão velha quanto ele – nós no gozo dizíamos que ele às vezes trocava-a de joelho e que o acessório era só para dar estilo. Este meu camarada era também exímio na provocação aos adversários, malícia em pessoa e vi-o fazer coisas que eu não faria ao meu pior inimigo. Uma que ele me contou foi horripilante, num jogo de primavera, calor terrível, todos suados, o Coelho a ser marcado impiedosamente por um defesa mais duro que lhe mordia os calcanhares não lhe dando sossego, bufava-lhe no pescoço, chamava-lhe nomes, rogava-lhe pragas. Ao intervalo o treinador puxa-lhe as orelhas, diz que ele está a dar-se à marcação, que precisa fugir, ser mais bulicioso, evitar aquele defesa vampiresco. O Coelho entra na segunda parte com a cabeça em água da piçada que o mister lhe deu e só pensava em livrar-se daquela peste quando reparou que o gajo tinha bigode, vai daí tratou de meter um dos dedos no seu próprio “tubo de escape” e esfregou a colheita nas ventas do adversário desorientando-o de tal forma com o fedor e com a porca ação que puxou da culatra atrás e arreou um banano no Doutor sendo obvia e imediatamente expulso do jogo. Aí o Coelho respirou fundo liberto do bigode que empestava o balneário visitante enquanto espumava de cólera e pôde começar a jogar tranquilamente como sempre gostou naquela bitola mansa, cadência compassada, fintando os rivais como se se desviasse de buracos no chão.
Vem esta estória a propósito da mais recente controvérsia no futebol polaco, o caso ocorrido na passada sexta-feira no Polonia-Lech da 21ª jornada do campeonato e protagonizado pelo internacional polaco Ebi Smolarek, infelizmente bem conhecido dos portugueses, e o central colombiano naturalizado polaco Manuel Arboleda. Entre provocações mútuas normais dentro do retângulo de jogo, encostos, cotoveladas e ditos mais desagradáveis, de repente um murro de Smolarek em Arboleda e o colombiano a rebolar pelo chão contorcendo-se com o cartão vermelho a ser exibido perentoriamente ao avançado da equipa da casa e um amarelo mostrado ao defesa dos ferroviários. A polémica estalou com os microfones dirigidos a Smolarek registando as declarações deste que revelavam que “Arboleda quis enfiar o dedo onde não devia”.
Aqui os analista puxaram a cassete atrás e examinaram o comportamento do defesa sul-americano constatando que de facto o colombiano passou a mão pelo traseiro do polaco despoletando a reação deste último. Numa altura em que se estuda a possibilidade de Arboleda
representar a equipa polaca, Artur Sobiech, colega de equipa de Smolarek no Polonia e na seleção, já veio afirmar que “não precisamos de Arboleda na nossa seleção nacional”. O selecionador Franciszek Smuda já veio pôr alguma água na fervura dizendo que “se Arboleda for chamado à seleção as pessoas vão pôr os seus problemas pessoais de lado e irão apertar as mãos.” No entanto a opinião pública não tem Arboleda em grande consideração depois do sucedido no último fim de semana e fez do colombiano o vilão desta história, não fosse ele ter provocado o
menino querido dos adeptos da seleção polaca. A polémica prossegue nos orgãos de comunicação social da Polónia.
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