quinta-feira, 21 de abril de 2011

A diferença entre ser um algarvio e ser o algarvio

Palácio na Primavera Nos últimos dias têm-me perguntado com frequência inusitada há quanto tempo vivo na Polónia, se não tenho saudades do meu país, se não sinto vontade de regressar. Sei que um português na Polónia é avis-rara, quase como um animal exótico, ainda por cima algarvio e com um razoável domínio do idioma indígena. Sinto-me confortável no papel de um quase alien que desperta a curiosidade das pessoas que me interpelam e que querem saber os motivos e razões que me prendem a esta terra – ainda ontem tive uma última aula com um grupo de estudantes de nível principiante e lá tive de relatar o meu conto, os altos e baixos e algumas peripécias da minha vida na Polónia. Constatei o ar de satisfação que exibiram após a minha confirmação de que quero realmente passar aqui mais anos e que gosto muito da forma como o País me aceitou, eles ficaram contentes e eu também. Uma dessas ouvintes fez-me uma pergunta pertinente:

- E não tens flash-backs? Por exemplo, andar na rua e algo te inspirar uma imagem, um momento ou uma rotina da qual sintas falta na tua terra?

A questão tem de interessante o que tem de impossível. Varsóvia é demasiado diferente de Faro para que cause esses lampejos de memória, para que me faça cair na nostalgia do passado ou na tristeza dos idos da juventude. Nada em Varsóvia me recorda Faro. O Vístula não é a Ria Formosa, a rua Chmielna não é a Rua de Sto. António, as peladas na Hala Pilkarska não são iguais às do Liceu, o Żurek não é feijão com massa nem as pernas femininas se podem comparar. Em Varsóvia não há casas térreas caiadas nem senhoras de idade sentadas à porta de casa apanhando sol, não há carros com pranchas de surf ou wakeboard no tejadilho a caminho da praia, não se combinam acampamentos no Farol ou na Ilha de Tavira nem se vai jantar fora todos os sábados como se faz(ia) em Faro. Varsóvia tem bares e discotecas do tamanho dos pavilhões de Faro, tem mais pessoas num restaurante que Faro tem na Praça, agora que o tempo está bom há mais gente a passear na Nowy Świat e na Krakowskie Przedmieście numa tarde do que nos três dias da Batalha de Flores em Loulé.

- É que no folclore da minha terra se diz que quando temos flash-backs é porque estamos no ano da nossa morte. Então, ou regresso ao meu país (ela é romena) ou parto para outro e começo de novo.

Compreendo o ponto de vista dela mas entendo que é muito cedo para ponderar qualquer uma das opções. Regressar a Portugal a título definitivo está totalmente posto de parte a curto / médio prazo por razões que já aqui foram amplamente divulgadas e trocar a PolóniaScrat por outras paragens, apesar de algumas tentações, também não está em análise porque considero não ter ainda conquistado um décimo do que sinto poder atingir cá. Por cada porta que quero abrir tenho de me esforçar para alcançar a chave através de processos morosos que passam por conhecer as pessoas certas através duma ação massiva e constante no sentido de estabelecer reputação e renome, tentar estar no sítio certo na altura devida e saber procurar a sorte de nos ser dada a oportunidade de pormos em prática os talentos, a habilidade, o saber que pode fazer a diferença. Quando alcanço essa chave para essa porta e abro-a vejo que se descobrem às vezes mais duas ou três portas, cada qual com a sua chave de complicado acesso, cada uma encerrando oportunidades, possibilidades, desafios cada vez mais exigentes e portanto irresistíveis. É um vício, este de andar atrás da chave que abre uma porta só para saber quantas portas ela tem atrás de si.

Sinto-me um pouco como o Scrat do filme “A Idade do Gelo”, ainda só tenho conseguido esgravatar a camada superficial de gelo mas pouco a pouco consigo vislumbrar as cores da terra e da relva, sinal que vai havendo cada vez menos distância entre mim e os meus objetivos. Tenho saudades, claro, das minhas coisas e gentes muito farenses e algarvias mas enquanto eu tiver genica para andar a correr atrás das chaves não vai haver flash-back nenhum que me prenda o passo. Além do mais, não vou desperdiçar três anos e meio de adaptação e integração na sociedade e costumes polacos a não ser por um muito bom motivo.

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