Estamos na época de euforias causadas pela subida da temperatura, a primavera que chegou e todo o novo ciclo de vida que representa. Nova disposição para enfrentar a vida, nova energia para resolver problemas, nova luz para encontrar soluções, moral e vontade. Tudo novo. Limpam-se casas de lés a lés e trocam-se mobílias, lavam-se carros por dentro e por fora mudam-se os pneus de inverno pelos de verão, compram-se peças de roupa mais frescas, começa-se a planear os feriados de maio. A primavera é um botão de reset para os polacos, todas as situações más que existiam há quinze dias são agora relativizadas, a questão das incómodas obras na cidade é agora encarada como necessária e até a sua celeridade é enaltecida. Parece que vivemos noutra terra sem nada a ver com o lençol branco e frio em que Varsóvia se transforma no inverno, uns cheirinhos de sol fazem milagres a este povo.
Aqui o vosso amigo não embarca no comboio da euforia primaveril, porque não se joga para o chão no inverno a chorar e a queixar-se do frio e da baixa pressão atmosférica como fazem os polacos, porque o inverno polaco é (para mim) 10 vezes melhor que o inverno algarvio - basta dizer que em quase quatro anos e meio que cá vivo constipei-me uma vez - e porque a primavera polaca não é uma estação de taaaaanto sol e de taaaaanto calor assim. A diferença é que temos dez graus positivos em vez de dez graus negativos e substituimos o cachecol pelo guarda-chuva, para eles é uma enorme diferença, para mim uma razoável melhoria.
Estou mais atento às ditas obras, principalmente a construção da segunda linha do metropolitano que me está a causar algumas comichões. Habituado a levar 25 minutos da porta de casa ao trabalho, agora tenho de contar com o dobro do tempo dado que a estação mais próxima do trabalho está encerrada tal como o cruzamento entre as duas ruas que uso para chegar à Universidade. Há dias tive de cancelar um compromisso devido a um evento triste, um suicídio na estação de metropolitano Centrum que empatou todo o trânsito de comboios entre o norte e o sul de Varsóvia, somando mais pessoas aos já repletos autocarros e elétricos que servem de alternativa. Comentei o sucedido com duas pessoas que me respoderam: "E tinha de ser no Centrum e àquela hora? Não podia matar-se fora da hora de ponta e numa estação menos concorrida?"
Fiquei admirado com estas reações, chocou-me a indiferença perante o drama de alguém cujo desespero foi ao ponto de terminar a própria vida num dos pontos de maior confluência de gente, onde havia mais testemunhas, onde o impacto era maior. A mesma indiferença com que eu tinha recebido a primavera, isso assustou-me, tomara que não seja um sintoma de aculturação em demasia.
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