O céu está cinzento e a música já não se ouve, talvez o único som que se pudesse ouvir fosse o restolhar dos copos de plástico vazios a rolarem inertes no chão, de uma vassoura que leva as pontas de cigarro para uma pá de lixo, de alguma máquina de lavar louça ao fundo do corredor, vestígios de festas pretéritas. As toalhas e calções já foram lavados e engomados, colocados em gavetas longínquas, guardados até que venha de novo o estio. Os cremes e óleos também, catalogados e selecionados em sacos de plástico para não besuntar o resto, os talões do multibanco, testemunhos da farra sazonal, atirados para o lixo para evitar o agravamento da situação, olhos que não vêem é coração que não sente. O pingo nasal pela manhã recorda aquilo a que os meteorologistas batizaram de “acentuado arrefecimento noturno” e dá o mote ao fado que se vai escrever nos próximos dias, semanas, meses. Já não dá para dormir de cuecas, o lençol da cama tem de ser reforçado com uma camada mais grossa, mais agasalhadora. Faltam pouco mais que 101 dias para acabar o ano e três deles para começar o outono, a estação mais aborrecida do ano. Talvez por isso este estado conformado, resignado, talvez por isso este texto.
E então o regresso ao cinzento. O trabalho aparece a meio-gás, não ocupa muito o horário mas também não dá grande espaço para as outras coisas, deixa o dia picotado como os cupões de desconto dos supermercados. Não gosto destes dias, ou bem que os tenho inteiramente livres ou que estejam completos de trabalho. Dias como este sabem a qualquer coisa inacabada, uma insatisfação na boca, uma mulher linda com quem fazemos amor, um sonho de fêmea, mas sem nunca lograrmos chegar ao pico das emoções, uma bola ao poste depois de fintar meia equipa de enfiada. Os meus passos matinais recordam-me manhãs escuras de sol escondido, a garagem fria e a neve à minha espera, como possível tirar as pessoas do quentinho da cama a horas tão déspotas?, cafés com leite vagarosos, uma lástima de corpo cuja massa cinzenta ainda marina em lume brando algures na terra dos sonhos. Ainda não é tempo disso mas já se preparam as folhas caducas para o suicídio em massa, apenas esperam que alguém lhes dê o clique, alguém que as lembre que já não fazem falta. A rua Marynarska entope-se de carros em procissão a partir das 8:00, valha-me que a essa hora já estou dentro de gabinetes e escritórios, quando o pesado do rebanho avança numa direção já eu fujo no sentido contrário e não tenho de cheirar os cus de outras reses.
O que vejo através da janela não é tão ruim como o que verei daqui a 4 ou 7 semanas, contudo é uma paisagem bem diferente da que tive nas últimas 4 ou 7 semanas. É a volta ao cinzento que nem uma atuação bem conseguida na discoteca habitual consegue alegrar, apesar de já contar quase quatro anos a viver nesta terra sempre preciso de um período de mentalização para enfrentar a reentrada. Mas comigo tem de ser assim, forçar a nota no inverno para poder desfrutar no verão, não adianta lamentar nem barafustar. Alegra-me saber que amanhã o sol nasce outra vez e que depois deste cinzento todo que se avizinha o sol brilhará de novo, isso ninguém há-de mudar por muito ranzinza que Varsóvia seja. Como hoje.
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