segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Natalgarve

Vem do Norte e entra no Algarve na diagonal, atravessado mas com o nariz apontado ao lugar esperado como que se já farejasse as filhozes e o bacalhau. Vai descendo à medida que se aproxima do mar, parece um mergulhão que viu um peixe na ria e que se precipita a pique sobre o futuro almoço. A Serra do Caldeirão vê-se em baixo, montes e valedos que se estendem até ao barrocal algarvio, região onde as elevações se tornam mais baixas empurrando as casas para o mar e assim continuam até a terra se espraiar no Atlântico, um espelho cristalino apenas rasurado pela espuma das ondas que beija a areia da costa. O avião desce mais um pouco e sobrevoa a Ria, o labirinto de canais desenhado no sapal, castelos de lodo onde moram caranguejos e bocas, petiscos que se apanham à mão nua e que vão diretos do parchal para a mesa. E vê-se a linha da costa, uma faixa alaranjada que define a província, um mimo para a vista a partir do céu. O meu país é bonito mas a minha região é linda, é uma pena muito grande vê-la a transformar-se num cemitério de ilusões.

Talvez por isso me doa mais ver no que Portugal e o Algarve se tornaram, terras que a esperança abandonou e nas quais as pessoas vivem num torpor que agonia, sem opinião nem reação. Parece que se submeteram a uma lobotomia coletiva e passam o tempo como o Jack Nicholson no final do “Voando Sobre Um Ninho De Cucos”, em transe, alienados só faltando o fio de baba escorrer ao canto da boca. É uma pena o que fizeram ao Algarve e aos algarvios. Não obstante toda a alegria inata que exibem percebe-se que é uma alegria contida, quase amordaçada, parece que são obrigados a evitar manifestações espontâneas com medo de algum fiscal dos Serviços Centrais de Controle Comportamental. Se calhar é esse estado de morbidez mental que leva muitos portugueses a seguirem a par e passo as aventuras idiotas dos protagonistas dos reality-shows e a comentarem com mais entusiasmo a expulsão da Fanny do que a perda do próprio subsídio de férias ou um primeiro-ministro que convida indecentemente os compatriotas a sairem de Portugal.

O Hugo, um rapaz que todos os dias sai de Portimão para trabalhar em Tavira, apontou o caminho a seguir de forma muito clara e acertada no meu ponto de vista. Diz ele:

- Trabalhem. Não leiam jornais, não ouçam rádios nem vejam as notícias na televisão, ignorem o que as pessoas dizem e façam o vosso trabalhinho tranquilos. Levantem-se todos os dias para trabalhar e desempenhem o vosso serviço sem dar ouvidos ao que para aí dizem.

Parece-me que ele tem razão, quanto mais lemos e ouvimos as declarações dos governantes portugueses e europeus menos confiança temos no futuro, ficamos mais pessimistas e com menos vontade de lutar contra as adversidades. Haja força nas canetas para ir bulindo e conservando a fé em dias melhores, é o que eu faço naqueles dias em que saio de casa às 7:00 da manhã com –15º C na rua.

Festas felizes com saúde e sorte!

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