domingo, 12 de outubro de 2008

A propósito de pastéis de nata

Neste fim-de-semana reuniu-se a comunidade de portugueses de Varsóvia em torno da mesa do restaurante português cá do burgo. Um menu bem nacional onde não faltaram pastéis de bacalhau de entrada, croquetes, camarão, sardinhitas e mais umas iguarias para sentirmo-nos mais em casa durante a noite de sábado. Foi uma janta tipicamente tuga a começar pela algazarra que se fez à mesa, matei saudades das petiscadas de praia ou na casa do Baranito, onde se começa a fazer o jantar às 21:00, sentamo-nos à mesa às 23:00, rimos à gargalhada já perdidos à meia-noite e a ramona põe fim à festa às 2:00. Ali não houve polícia para controlar o ruído mas às 1:30 ainda se enchiam balões de whisky para acompanhar a troca de impressões natural entre portugueses com diferentes experiências de vida nesta cidade.

Confirmei uma idéia que já trazia desde a última jantarada que presenciei, no final do ano passado; a de que há principalmente três tipos de portugueses em Varsóvia (não sei se o padrão estende-se pelo resto do país), a saber:

  1. Os estudantes de Erasmus - Vêm para a Polónia para passar uns meses, se calhar um anito. Provavelmente aprenderão alguma coisa mas dedicam-se fundamentalmente a coleccionar louras (cervejas e miúdas) e a curtir o mais possível até apanharem o avião de volta para o Atlântico porque aqui faz um frio do caraças no Inverno. Não têm problemas de ambientação pois a sua permanência é temporária e a incompreensão do idioma polaco não os aflige. Na dúvida no supermercado, qualquer pizza congelada faz o jeito e a Coca-Cola é universal;
  2. Os quadros superiores do Millennium e Biedronka - Vêm para a Polónia com interessantes incentivos salariais (leia-se bagalhuço) para que a deslocação valha a pena, o que lhes reduz imenso o choque que a transição Portugal-Polónia origina. Pouco se sabe desta comunidade pois são muito fechados em si próprios, quase não convivem com os restantes portugueses e, segundo relatos de tugas cá emigrados há anos, nem demonstram interesse em tal;
  3. Os "outros" - Vêm para a Polónia por causa da namorada, duma oferta de trabalho, dum desafio novo, duma prova às suas capacidades ou pela louca atracção pelo desconhecido. Uns partem cedo, vencidos pela pressão criada por tanta diferença, outros acabam por ficar, atraídos pela mesma diferença. Fazem pela vida, pagam impostos, telefonam-se, encontram-se, vêm a bola juntos, socializam, contam os zlotys para o infantário dos filhos... que são portugueses.

Aqui é que tá o busílis. Os portugueses de Varsóvia que têm filhos portugueses dizem-se abandonados pelas entidades oficiais no que toca à educação das suas crianças. Não há notícias nem programas preparados pela Embaixada Portuguesa (ou pelo Instituto Camões, ou... whoever) para o ensino da língua portuguesa aos descendentes de portugueses na Polónia. Um patrício nesta cidade que tenha um filho em idade escolar obriga-se a inscrevê-lo numa escola internacional, pagando o esperado balúrdio, para que a passagem da realidade portuguesa para a polaca não seja tão drástica. Não há ensino de português para as crianças portuguesas em Varsóvia (haverá noutras cidades da Polónia?) e não se consegue arranjar um "Magalhães" por nenhum canal. Como é que as crianças portuguesas de Varsóvia aprenderão português? Quem lhes ensinará a gloriosa História de Portugal? Quem lhes transmitirá os valores da nossa Pátria? Como entenderão o sentir Português?

O Paulo disse-me que "a malta anda aqui a patinar e eles tão convencidos que por sermos emigrantes tamos cheios de papel". Acabo por concordar com ele, estou cá há um ano e recebi apenas um sinal de vida da Embaixada: um convite para as celebrações do 10 de Junho. O Presidente da República esteve cá e eu só soube pela comunicação social. Há um certo descontentamento na forma como os organismos oficiais do Estado português acompanham estes emigrantes, isso nota-se na forma como eles, emigrantes, desprezam os actuais corpos diplomáticos (os anteriores tinham boa imagem, dialogantes e preocupados segundo me contaram). A distância não pode ser desculpa pois se aparecem milhões de escudos em investimento no solo polaco também deverá haver um gesto de reconhecimento para quem trabalha na sombra em prol da reputação portuguesa na Polónia. Os "outros" levantam o cu da cama às 6:00 da manhã e levam com neve no focinho para que o nosso país seja dignificado através do seu trabalho, das suas aptidões, das suas qualificações e talento. Cada um desses anónimos portugueses é a imagem da sua Nação e reflecte todo um povo a cada momento, é uma grande responsabilidade ser-se português neste país e isso não tem sido devidamente realçado e protegido por quem de direito.

Portugal na Polónia não é só pastéis de nata.

 

ps - Tenho recebido ecos de insatisfação sobre a inexistência dos referidos pastéis nas Biedronka além-Varsóvia. Meus amigos, lamento imenso mas não sei o que vos dizer. Não sei se Varsóvia foi o tubo de ensaio para que se decidisse sobre a comercialização do produto à escala nacional. Sei que aqui os sacanas dos pastéis foram varridos do mapa e que quem eventualmente encontra uma loja com os ditos cujos guarda segredo e não se chiba. Fui ver o Suécia - Portugal a casa da Sónia, ela tinha alguns 30 de sobremesa mas não contou onde os comprou. O pastel tá má caro có pitrol, dieb! Butes fazer um lóbi?

8 comentários:

Anónimo disse...

Excelente post! Parabéns pela eloquência!

Incluo-me neste rol:

--Os "outros" - Vêm para a Polónia por causa da namorada, duma oferta de trabalho, dum desafio novo, duma prova às suas capacidades ou pela louca atracção pelo desconhecido. Uns partem cedo, vencidos pela pressão criada por tanta diferença, outros acabam por ficar, atraídos pela mesma diferença. Fazem pela vida, pagam impostos, telefonam-se, encontram-se, vêm a bola juntos, socializam, contam os zlotys para o infantário dos filhos... que são portugueses.--

A parte do infantário agradou-me particularmente, é bem verdade!

Quanto à embaixada vou confessar no blogue do Misha o meu lado rebelde... o lado que recusou o registo na embaixada, que me leva a não votar no partido da Maçonaria ou no partido da Opus Dei, o rebelde que se está nas tintas para aquilo que o corpo diplomático e consolar faz neste país que me recebeu. Um dia destes irei porventura a Varsóvia fazer o tal registo consular mas não tenho pressa nenhuma, de qualquer modo se é apenas para receber o convite das celebrações do 10 de Junho então o bacalhau quer alho...

Na realidade quase que fugi de Portugal por não poder mais com a situação em que me encontrava.

Antes da entrada da Polónia na UE a minha mulher foi praticamente convidada a regressar a casa e esperar que os malfadados SEF lhe dessem um visto de residência mesmo estando nós casados legalmente com todas as burocracias e despesas associadas. Associação de família? O que é isso? Nada que um bom pacote de euros não resolva mas a isto tudo juntou-se uma situação de desemprego que me deixou encurralado. Com o dinheiro do ultimo salário que me pagaram enchi o depósito do meu carro e apenas disse à Paula: "faz as malas que vamos viver para a Polónia". Ela quase chorou de alegria! lol

A verdade é que ela encontrou emprego em menos de um mês e eu em menos de dois. O resto foi natural; visto de residência obtido rapidamente, carro legalizado sem problemas, começar a construir uma vida a dois e tal como dizia Michael Douglas numa cena final do filme Instinto Fatal quando perguntado por Sharon Stone "what now?" "now, we fuck like weasels and have children". lol

Sim, no Inverno levo com a neve nas trombas, raspo o gelo e sacudo a neve do carro, sento o rabo num banco congelado e faço figas para que o motor rode mas afinal isso é o pão nosso do Inverno polaco. Se vais a Roma faz-te romano, não há meias conversas. Portugal é Portugal e a Polónia é a Polónia com as suas quatro estações bem distintas.

Viver num país estrangeiro e passar a vida em comparações com Portugal não faz nada bem ao espírito, além de que por vezes leva-nos a pensar que Portugal é um país excelente mas apenas para passar férias...

PM Misha disse...

ricardo,
as comparações são inevitáveis, praticamente acaba por ser a natureza deste blogue. as comparações destrutivas é que não interessam a ninguém e mal de nós, tugas na polónia, se entrássemos nessa onda. eu quando vim para cá liguei um filtro que impede que as más impressões me danifiquem, só retenho (ou interpreto-as assim) as boas ondas.
percebo um pouco a tua decisão em quereres vir para cá, a desilusão com o estado de coisas no nosso país levou-nos a tomar medidas tão extremas como emigrar para o fim (no tempo e no espaço) da europa. é pena que não sejamos destacados e apoiados como merecemos, mas também te digo: no dia em que existir um tuga enrascado será o fim do mundo em cuecas!
se precisares dalguma coisa daqui de varsóvia, não tenhas comichões.
abraço.

Anónimo disse...

Dziękuję bardzo Micha

Parece-me que ainda não há "massa crítica" para podermos falar de uma comunidade se bem que muitos de nós têm (ou vão ter) filhos nascidos ou criados nesta terra e isso, por si só, já é motivo para falarmos de "comunidade portuguesa na Polónia".

Claro que a minha Diáspora foi uma mistura de revolta com uma vontade muito grande de mudança e evidentemente que tenho saudades de muitas coisas especialmente da família mais próxima.

E ainda não abordamos o tema da "aculturação" que é natural naqueles que vivem noutra cultura e convivem diariamente com outra realidade. Dou por mim a ser muito menos espontâneo do que era em Portugal, a não saber se devo dar passou-bem ou beijinho na cara (quando vou a Portugal), a beber meio-litro de cerveja como se fosse água e a dizer kurwa em vez de foda-se, cholera jasna em vez de merda (desculpem as asneiras)etc!

Já era tempo de abrirmos um fórum dos portugueses na Polónia! No Nasza Klasa tenho conta, mais para encher chouriços que outra coisa, mas sempre vai dando para encontrar e tentar reunir os compatriotas.

Anónimo disse...

Pessoal compreendo a vossa decepção e descontentamento. Ao ler o post de hoje eu confesso que a minha imagem sobre a Embaixada não muda nem o que penso da Estado-dependência dos Portugueses. Talvez não é este o vosso caso.
Quem se põe à chuva molha-se e este é caso dos aventureiros. Dos que deixaram a cultura e o povo por outros valores. Aqueles que vieram não com bilhete de regresso e que resistem aos ventos e tempestades Polacos. Talvez sejamos vulgares mas temos experiências que os Mileniuns e Briendrokas não têm.
Realmente esse tipo de Português que não se associa com outros só porque são de estrato diferente são a maior aberração entre o nosso povo.
Devemos ser orgulhosos por sermos Portugueses e ter a maior alegria quando nos encontramos. Estou longe de Varsóvia mas desejoso de encontrar pessoal que fala a mesma língua que eu.

Paulo Soska Oliveira disse...

Eu sou um bocado suspeito, visto ser português e polaco.
Mas como sempre vivi pelo Alentejo e Lisboa - à excepção dos últimos oito meses em Bratislava - enquadro-me também na tua terceira categoria.

Quanto à diplomacia, também aqui sou suspeito.
Enquanto trabalhei para o MNE polaco em Lisboa, todos se esforçavam para acarinhar a comunidade polaca na Lusitânia.
Fui tratado nas palminhas pela Embaixada de Portugal em Bratislava - comunidade pequena, onde até se viu o Euro em casa de membros do corpo diplomático, com queijinho e vinho a acompanhar. Convites para tudo e mais alguma coisa, e é claro para ir ter com o Presidente da República e ouvir a Mariza.
Na Polónia fiquei logo mal habituado - mas (ainda) não me queixo :)

Já no tocante aos pastéis de nata : tenho uns 20 no congelador :D na biedronka junto à Hala Wola está a arca cheia... A Jerónimo Martins pensou em mim, ou existem mais portugueses nas Jelonki?

PM Misha disse...

pastéis... hala wola... tás fodido!

Paulo Soska Oliveira disse...

Ó Misha, chega pra todos :D

bruno claudio disse...

eu enquadro-me no 3º grupo.
em relaçao ao nosso consulado, a unica coisa que me fez voltar lá pela 2a vez foi a polaca na recepçao, cota boazona e com ar de malvada. de resto, nem me dei ao trabalho de deixar lá uma foto, e a unica noticia que tive dessa gente foi um convite para uma merda qualquer no dia de camoes, que eu gentilmente mandei "foder" e fui jogar á bola. estou-me nas tintas para esses fulanos e para quem os elege. já vivi em 6 paises diferentes e nunca senti nenhum tipo de apoio ou aproximaçao dos nossos consulados, nao procuro e oxalá nao venha a precisar de pedir auxilio. estou a investir neste país, mas nao quero ser associado ao grupo de empresarios portugueses, que vergonhosamente é representado pela badalhoquice dos biendronkas.