sexta-feira, 17 de outubro de 2008

200 + 1

06082008(002) 200 postas e um ano depois, parei para pensar e reflectir no que tem sido a minha vida neste país. Todas as diferenças que tenho sentido e registado neste espaço devem concerteza ter modificado a minha maneira de ser nalgum aspecto, não devo ser seguramente a mesma pessoa que era quando saí de Faro porque um ano a viver sob regras e num ambiente completamente distinto do habitat natural deverão modificar algumas coisas no ser. Sentei-me num café e passei para o papel as pequenas mudanças que, sinto, fizeram de mim um algarvio semi-polaquizado. Eis 10 delas:

  1. Já começo a falar com sotaque varsoviano, a inflectir o fim das orações. A cada meia duzia de palavras empurro a entoação final das palavras para cima ao estilo dos contos infantis. Às vezes ouço-me e pareço que sou de V. R. Sto António;
  2. Cumprimento homens e mulheres com apertos de mão, estou mesmo a ver que ao chegar à terra vou estender o braço para saudar as meninas e levar com um "tás parvo?" nos queixos. Beijinhos precisam-se, tenho de sair mais à noite;
  3. Abro portas de edifícios e elevadores para que entrem todos primeiro que eu. Os gajos são brutos que nem um pneu nos transportes públicos mas desfazem-se em protocolo quando há uma porta no caminho ou quando um velhinho chega-se perto no autocarro;
  4. Como junk-food que me pelo. McCaca, Kebabs, KFC, zapiekankas e outras merraças quejandas são aspiradas rapidamente nas deslocações entre os locais de trabalho. Ao menos a cola é light, o gesto de expiação num pecado constante ou a pequena nuance de saúde nesta cruzada diária a caminho do cancro de estômago;
  5. Faço a comida na sala. Quase todos os apartamentos em Varsóvia têm kitchenette e o meu segue a regra. Vá lá que o exaustor é potente e aspira os aromas dos pierogis;
  6. Alterei o conceito de "frio". Agora só me queixo abaixo dos 4ºC em vez dos 12ºC que me faziam resmugar em Faro. O ar é seco nestas latitudes e isso faz com que se aguentem melhor as baixas temperaturas;
  7. Bebo café. Nunca fui adepto da bica, nunca bebi café com leite ao pequeno-almoço, sempre fui menino de UCAL ou sumo de fruta mas cá mamo com cada cisterna de cafeína a meio da tarde que atá assusta. No Inverno é absolutamente necessãrio um balde de latte para dar estrica e suportar a escuridão das 16:30;
  8. Não abro a boca para concordar com as pessoas. Na Polónia é habitual, em conversação e mesmo ao telefone, abanar a cabeça em sinal afirmativo com um hum-hum de conformidade com o que dizemos em vez do típico sim, sim português. É esquisito porque parece que estamos a poupar palavras mas acaba por entrar nos nossos hábitos;
  9. Ando mais rápido. O relógio é implacável nesta terra, as distâncias são maiores mas o tempo nem por isso. A corrida entre metropolitano, elétrico e autocarro fez-se parte dum quotidiano nada habituado a estes stresses. Os dias são maiores e o ritmo é sempre elevado, Varsóvia não dá tréguas aos menos capazes;
  10. Esqueci-me de quanto vale o Euro. Tantas vezes a fazer as contas em zlotys, a adquirir produtos em zlotys, a ganhar o salário em zlotys, a comprar bilhetes de avião em zlotys, a pensar em zlotys quase que não me lembro das notas de euro. Vejo as notícias na tv e tenho de gastar algum tempo a traduzir euros em zlotys, um destrouxo;

200 postas e um ano depois creio que não sou o mesmo homem que 06072008(007) abalou de Faro em 2007. Estarei diferente nalguns aspectos, decerto, mas acredito que sinto-me bem preparado para enfrentar este país todos os dias. Mais crescido, mais apto, melhor.

Estranho esta mistura de definições, sou um algarvio adorando Varsóvia e que se sente silesiano. Que salganhada que aqui vai!

5 comentários:

Ricardo disse...

Aculturação.

No que a mim me diz respeito, mudei. Tenho já um polaquinho no coração, foi inevitável.

Senti-o verdadeiramente no casamento do Rui Vilela quando estava no meio de dezenas de compatriotas. Senti-os como os turistas e eu como um local que via perfeitamente as diferenças entre os dois povos. Tornei-me mais reservado e menos espontâneo, sinto-me pouco confortável em dar beijinho na cara em vez de passou-bem, nunca imaginei isso na minha vida!

No entanto não me habituei a muitas coisas; não aprecio vodka, kiełbasa, sopa de rabanete, galaretka, futebol polaco (principalmente dos seus adeptos), os abomináveis graffitis em todo o lado, a quantidade brutal de fumadores, a quantidade de bêbados e as tristes figuras que alguns polacos fazem a passearem de cerveja na mão e cigarro na outra.

Fora isto habituei-me ao clima e a apreciar as mudanças das estações, sernik (bolo de queijo), ao salmão fumado, a sopa de cogumelos e ao desporto nacional que é apanhá-los durante a época deles, tomar chá como quem toma café (bica), apreciar música polaca, saber quem é a Doda, o Kuba e a Mandaryna, a Kayah e no meu caso cantar canções de embalar em polaco!!! lol

Acima de tudo fiquei apreciador da vastidão, dos grandes espaços que tão frequentemente vemos na Polónia.

Fernando Pires disse...

Continuo a ler com entusiasmo as tuas crónicas e a dos portupolacos que se espalham pela blogosfera. Apesar de me enquadrar no primeiro de emigrantes que passam pela polónia (refiro-me ao post sobre o típico português na polónia), já que apenas vivi curtos 6 meses e erasmus, tentei sempre conhecer e retirar o máximo que podia da cultura polaca. E na verdade, senti-me bem com isso... Senti-me bem em ser estrangeiro e tal como o Ricardo sentia-me um passo acima de qualquer turista português que por aí passava... Na verdade, não consigo compreender como a Polónia me fascinou tanto e como, passado 8 meses, continuo diariamente a ler com grande entusiasmo as vossas aventuras contadas na primeira pessoa, continuo a ficar 'alerta' sempre que se fala na palavra 'Polónia' e não resisto a um 'Czesc' ou a trautear 'gdzie jest ulica gdzie jest ten dom' sempre que encontro algum polaco aqui por Portugal. Será que estou pronto para passar para o terceiro grupo de portugueses na polónia? :)

Paulo Soska Oliveira disse...

Caro Misha,

"Isto é que vai aqui uma açorda"... :)

Um abraço

Anónimo disse...

Caro Misha,
Leio regularmente o teu blog, mas só hoje decidi deixar uma palavrinha de mim, uma polaca que reside na tua terra (Faro)há mais de oito anos.
Tenho que me confessar: realmente adoro ler o teu blog!Maneira como escreves, como vês e sentes as coisas da terra, cuja cultura é tão distante da tua, os teus elogios e as dríticas (mas críticas produtivas, acho que nunca ofendam a ninguém, pelo contrario, até fazem rir um polaco).
Agora vejo bem que não só o polaco é que tem muitas dificuldades em adaptar-se num pais estrangeiro, hehe..Podes acreditar que no início para mim também era tudo tão diferente (mas interessante ao mesmo tempo): desde pão até a maneira de fazer a cama, por exemplo..Mas ao fim de cabo acabei por aprender a lidar bem com tudo e apaixonei-me pela essa terra pequena que hoje considero um verdadeiro lar para mim.
Espero que vais continuar escrever o teu blog ainda por muuuuuito mais tempo, porque estás a fazer um óptimo trabalho!!
Um abraço (sem beijinho, como uma polaca a 100% hihihihi), parabéns e muitas felicidades para o futuro..

P.S. Tens que perdoar os pontapés que dei na escrita, mas na minha escola (Universidade da vida de uma polaca em Portugal) assina devagar...
Pozdrowienia i wszystkiego najlepszego!!

bruno claudio disse...

deves urgentemente melhorar os teus habitos alimentares pá. bar mlezni sao os melhores pontos da cidade para comer á pressa.

entretanto,estou quase a abrir a minha tasca - www.ogrodowacafe.com . quando tiveres um tempinho passa por lá.