domingo, 31 de maio de 2009

O que é que a gente tá aqui fazendo? - 4

Começaram logo por me queimar a manhã de domingo. Só o reconhecimento deste período da semana (manhã de domingo) indica que algo errado se passou pois o domingo começa habitualmente ao meio-dia ou à uma da tarde, assim que a existência de uma manhã de domingo diz logo que a coisa vai mal.

Escrevia eu, começaram logo por me marcar um workshop no Museu Etnográfico às 11 da madrugada de domingo. Elegeram-me à revelia para representar a Língua Portuguesa no evento "100 Culturas, 1 Cidade", o que me honrou apesar da inconveniência do horário. Ante uma ávida turma de curiosos olhos azuis, cumpri a missão de desmistificar o exotismo do idioma de Pessoa e desmontei alguns estereótipos que os portugueses têm nesta terra como o proverbial atraso e incapacidade em cumprir horários, a expansividade de gestos, a generosidade muitas vezes caótica e a insaciável vontade de ajudar o próximo em dificuldades. Juntei-lhe uns pozinhos de gramática (a diferença entre SER e ESTAR), uma meia-duzia de saudações e vocábulos de despedida, frisei a inutilidade da Espanha e dei missão como cumprida.

Lá fora caía uma tempestade típica das Caraíbas, a trovoada e um calor pegajoso impediam-me de dar uma corridinha até ao metro e resolvi ficar pelo Centro, procurar um spot para almoçar e esperar que a chuva passásse. Acabei por ir com o Mário e a Dorota a um café na Rua do Ursinho Puff procurar alguma coisa para enganar a traça e verifiquei que o café, de sólidos, só tinha pierogi de espinafres. Foda-se, melhor que fome! Venha uma dose disso e um doppio espresso porque já são duas da tarde e ainda não tomei pequeno-almoço.

Chegam os pierogis, a tarte de maçã do Mário e o chá de erva-mate da Dorota. Eles puxam um tabuleiro de damas e põem-se a jogar enquanto eu vou tirando as rodelas de pepino e os feixes de aipo de cima dos meus rissóis. Na nossa frente, um polaco gago de cabelo comprido tenta impressionar uma loura alta mas de tanto tropeçar e hesitar nas sílabas começa a irritar-me, o Mário ri-se dele e bate ruidosamente com as peças no tabuleiro. Os pierogis sabem a lã e a chuva não há meio de parar, tenho sono e sinto-me impertinente.

Já o barulho das peças misturado com a gaguez do polaco me atazanavam os nervos de tal forma que só me apetecia virar aquele parvo de patas para o ar e perguntar-lhe "achas que vais comer a gaja, pá? Tu nem sequer consegues dizer o teu nome sem fazer a paradinha, achas que vais comer a gaja?!?". O jogo das damas acabou, eu mastigo dengosamente o antepenúltimo pierogi, a Dorota chupa um bocado de chá e começa:

- Comprei uma época inteira do Dr. House em DVD. Há um episódio em que um puto dá entrada no hospital com hemorragias monstras, quanto mais antibiótico lhe dão mais o puto sangra. Fazem mega análises até descobrirem que o miúdo tem um ninho de mariposas instalado no ouvido e que os insetos estão a comê-lo por dentro, e tal, e rá, e etc.

O Mário engole o fumo do seu cigarro e olha para mim desejando ironicamente que eu continue a desfrutar da refeição. Metralho a moça com o olhar para que ela perceba que a puta da conversa que ela está a ter não tem ponta por onde se lhe pegue mas as minhas pupilas descaem para o peito 40 que ela sacode como antídoto para a minha zanga. O polaco volta a gaguejar, faz mais paradinhas que o Zico no México 86. Cai água na rua que parece o Dilúvio, nunca mais vou chegar a casa. Os pierogis estão frios e desinteressantes, o café também. Encho os pulmões de aborrecimento, penteio as sobrancelhas com os dedos e limpo as unhas do mindinho enquanto lhes pergunto em voz baixa...

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