sábado, 22 de março de 2008

Wiosna

21 de Março é o primeiro dia de Primavera, dia esse que é comemorado pelos polacos com festas e eu percebo bem porquê. O General Inverno retirou, por fim, as suas tropas dando lugar a um exército mais pacífico. O temperamento das pessoas melhora um pouco notando-se uma leveza de espírito mais presente que leva a que os sorrisos surjam finalmente no semblante constantemente cerrado desta gente. Vê-se até um pouco mais de cor na indumentária com que saem à rua, pelo menos nas meninas porque os homens continuam a vestir-se com roupas escuras próprias de quem vai a um funeral. Esta é a estação em que poderei estrear os fantásticos ténis cor-de-rosa que comprei num outlet em Ursus ao preço da uva mijona, ando desejando chocar os polacos com as cores da moda algarvia! Só que a Primavera de Varsóvia não é como na nossa terrinha à beira-mar plantada, pelo menos as primeiras horas têm sido de completa surpresa:

Imaginem que acordam de manhã, estendem a cabeça pela janela e um céu relativamente limpo autoriza-os a vestir menos casacos que o habitual. A advertência do frio é dada pela TVN Meteo e as extremidades do corpo (pés e mãos) são devidamente cuidadas com peúgos mais grossinhos e as luvas da ordem. Preparado para enfrentar a manhã polaca, saio à rua confiante e em desafio ao um clima que não mete medo a este bicho da Praia de Faro.

A viagem até ao primeiro posto de trabalho é feita sem grande stresses, sair de casa bem antes das 7 da matina é o segredo para evitar os engarrafamentos crónicos e agora agravados pelas obras na Puławska. O radio envia-me agradáveis composições cantadas em linguagem que começa a ser familiar, os cruzamentos e respectivas (falta de) regras são conhecidos, chego à empresa onde o habitual lugar debaixo da árvore espera-me para que estacione bem perto do edifício, cumprimento a recepcionista retribuíndo o lânguido sorriso com que ela me recebe, nunca sabendo se é por mera simpatia ou um descarado "fazer-se ao piso". Distribuo "bons-dias" em polaco aos funcionários que já me vão reconhecendo e adentro o gabinete do director dum departamento qualquer para uma cavaqueira de 2 horas. Terminado este talk-show é hora de debandar outras paragens, despedir-me do pessoal, mandar mais um corte de luzes à recepcionista e enfiar-me no problemático trânsito de Varsóvia. Ao sair do edifício... tudo branco!

No espaço de 120 minutos caiu um nevão tamanho que cobriu a cidade de uma alva camada de neve, o carro tapado, a relva invisível, as estradas encharcadas, os vidros embaciados, o algarvio congelado. Um pique à Futre resolve o problema imediato, fugir do briol. Enquanto se conduz, o aquecimento do carro devolve algum sossego e permite o raciocínio sobre o trajecto a escolher para evitar os carros enfileirados nas avenidas varsovianas. No meio dos cálculos sou atacado por um fulminante raio de sol que dissolve as restantes nuvens, abrindo completamente o céu e encandeando-me enquanto não mudo de direcção. Já não é Inverno, é a pura Primavera a penetrar no país e eu pulo de contente ao volante!

2ª paragem do dia, saio do carro e rodopio para ser totalmente atingido pela energia solar. Mais contente pelo estado do tempo preparo o próximo assalto com satisfação pois o solzinho finalmente chegou. Quando acabo esta etapa do dia tenho outra surpresa à minha espera: Uma chuva muidinha mas incessante ensopa-me o corpo de desilusão e obriga-me a caminhar cabisbaixo até ao triste carro que aguarda-me solidário para com o meu estado de espírito. Regresso a casa para deixar as rodas na garagem, almoçar, preparar o trabalho da tarde e limpar-me das más impressões que o clima me causa para que possa enfrentar a realidade sem saudosismos, não dando hipóteses as que as palmeiras da Baixa de Faro me tentem. No curto caminho de casa ao metro levo logo uma estalada doutro elemento da Natureza que ainda não tinha aparecido: O vento.

Fujo dos redemoinhos de pó que me cercam e atiro-me no último segundo para dentro duma carruagem de metro apinhada de grossos polacos com a mesma vida que eu. Chegando ao Centro da cidade já nem ligo à meteorologia e limito-me a seguir o meu caminho, por inércia, pond um pé à frente do outro só para que não caia. Ainda são 14:00 e já levei porrada que chega para uma casa de família.

O dia termina às 18:00 e corro para o Złoty Tarasy para a esperança do dia. O Sena e a namorada, o Cachola e o Gandhi estão à minha espera para mamarmos umas jolas e vermos o Legia-Wisła ao vivo. Após um megacagaçal de rir no shopping à boa maneira farense e como o tempo não está capaz de ir à bola, decidimos vir até à minha casa petiscar um queijinho e jantarmos no restaurante português. Caldo verde, bacalhau e bitoques para encher a barriga de sabores tugas, aqueceram o ânimo e contribuiram para muitas horas de riso, comparando as realidades portuguesas e polacas, traçando um paralelo com as repúblicas bálticas que eles haviam visitado durante a semana. Após concluirmos que a Polónia tem as piores estradas da Europa levantámos âncora e zarpámos para a pousada onde eles estavam hospedados e despedimo-nos com abraços de amizade e risos bastantes. O clima da madrugada varsoviana não afectava as almas algarvias que conviviam naquele momento, bem longe da Rua de Santo António, do Estádio de S. Luís, do Zé Maria, da maltinha, a mais de 3000km da nossa cidade.

Nesse momento voltou a fazer calor, calor humano que aqueceu o pessoal e permitiu à primavera polaca que se instalásse definitivamente. Agora vou à Silésia passar a Páscoa e ver a final da Taça da Liga, deixa lá ver se o coelhinho traz-me amêndoas docinhas ou caroços de azeitonas.

2 comentários:

Ron disse...

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