No "meu tempo" a família ia para a Quinta do Eucalipto, onde fica a casa dos meus tios, situada a meio caminho entre o Aeroporto e a Praia de Faro, passar a Páscoa na companhia dos meus primos. Esta era uma época de refeições imensas que começavam na casa de jantar e arrastavam-se até ao sofá da sala onde a digestão era feita de forma difícil, entre filmes transmitidos circunstancialmente pela TV e mais uma concha de feijão com massa, uma dentada no pernil assado no forno ou nos chocolates com que o meu avô nos encharcava. Quando a hora do jantar chegava o almoço ainda não tinha terminado e não era de todo invulgar "colar" o jantar ao almoço, apenas esperar pela mudança de pratos e toca a enfardar outra vez. O meu tio é mestre nesta modalidade e nem os seus 84 anos o impedem de participar em maratonas gastronómicas, dando-me lições de performance hepática quando calha a altura. Outra massa de gente que já não se fabrica.
As tradições rituais nunca foram apanágio do meu pessoal, preferíamos mais o convívio à mesa e recordar outros tempos e outras gentes. Recordo que, para dar boa sorte, a minha tia e avó faziam questão que as crianças da família estreássem roupa nova. A intenção era boa mas as jogatanas de bola na rua que se seguiam davam cabo da roupinha toda. O Pedro da D. Vitória e o irmão Hugo não facilitavam e nas traseiras da casa do Gerard as peladinhas faziam fogo, cada carrinho dava dó por ver as calças a rasgar, cada barranaço na bola cuspia as notas de conto pagas pelos sapatinhos de sola de couro. Mais velhinho, comecei a aproveitar a Sexta-feira Santa para preparar a figadeira para o derrame de álcool que se seguiria nesse fim-de-semana. Belas noitadas com os amigos e grandes camadas pascais foram curtidas em Faro. Esta era a Páscoa do "meu tempo".
Neste tempo a Páscoa não começa na Sexta mas apenas no Sábado. É um fim-de-semana cheio de missas que têm diversos temas. Desde a missa da bênção dos alimentos até à benção dos elementos naturais (água, terra, ar, fogo), passando pela evocação dos santos mais importantes desta quadra. O Pequeno-almoço de Domingo é tremendo: Salsichas, fiambres, enchidos diversos, muito pão e mais manteiga ainda, hectolitros de chá. O almoço não fica atrás em termos de grandeza e como estamos na Silésia a Rolada Śląska protagoniza a refeição. A Sexta-feira não é feriado na Polónia... mas a Segunda-feira é.
A "Segunda-feira molhada" é um dia em que as pessoas correm o risco de serem precisamente molhadas se sairem à rua. A tradição de espirrar água para simbolizar o baptismo e a renovação começou como um antigo ritual folclórico nas cidades polacas. Tradicionalmente, os rapazes jogavam água nas mulheres solteiras, mas hoje muitos polacos nas ruas devem ter cuidado quando vêem jovens carregando baldes com água e molhando todos os que surgem no caminho. Pistolas de água também são usadas para atingir as pessoas que, no entanto, não barafustam e acham piada ao sucedido.
Respeito esta tradição como respeito a Tomatina de Buñol. Mandar com baldes de água às fuças dos polacos é coisa que me dá vontade de fazer às vezes mas este ano prefiro limitar-me a relatar o hábito em vez de fazer parte dele. Amanhã regresso de comboio a Varsóvia. Espero chegar seco a casa pois com o fresquinho que anda na rua não apetece nada andar de metro ensopado e apanhar uma constipação.
1 comentário:
Um balde de água? Então e um pano encharcado pela fuça, não? :D
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