quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Tu é que jogavas a montes!

(este infeliz texto foi publicado a partir dum cibercafé da Estação Central de Varsóvia. Ainda não tenho net em casa, talvez só para a semana que vem)

Era eu puto na casa dos 8/9 anos e ficava todo danado quando ele roubava-me a bicicleta para impressionar as miúdas do parque de campismo com cavalinhos e outras acrobacias. Deixava-me o guarda-lamas todo raspado e eu ia aos arames por não encontrar a bicla como tinha deixado. Nem me pedia desculpa, no dia seguinte fazia o mesmo e eu ficava sem o meu brinquedo favorito até que ele chegásse à roulotte bem depois da meia-noite. Durante o dia tinha de ouvir perguntar por ele tantas vezes quantas as adolescentes que cruzássem o meu caminho e falavam do raio dos olhos azuis e do cabelinho louro... como se eu não fosse também louro! Era terrível e devo ter tido por esses dias a minha primeira crise de ciúmes.

A vida levou a que, no final desse Verão, nos separássemos por alguns anos - ele em Lisboa e eu em Faro - mas sempre com contactos esporádicos para manter a linha activa. Estava eu no Liceu e assistia ao crescimento do seu currículo como elemento preponderante de casas de referência na noite da cidade alfacinha, tais como o Trifásica e o Kremlin. Ao mesmo tempo a sua inteligência permitia que se mantivésse afastado dos esquemas perigosos e criásse alianças de estratégia empresarial com nomes grandes da sociedade lisboeta. Talvez devido à sua costela sportinguista (até nisso!) um dos seus sócios foi o filho do único algarvio presidente dum grande clube português.

Essa mesma costela permitiu que assistíssemos juntos ao primeiro jogo oficial no novo Estádio José Alvalade, quando ganhámos 4-2 ao Belenenses. Escolhi-o para partilhar esse momento histórico e ele fez a fineza de honrar-me com a sua presença, aproveitando a sua presença ocasional em Lisboa. Recebeu-me no seu belo apartamento na zona da Expo onde jantei também com a avó dele e conheci a sua encantadora namorada de muitos anos.

Ultimamente os laços eram mais estreitos, as visitas menos espaçadas e telefonemas mais amiúde. Invejava o seu estilo de vida e concepção da mesma, sempre um passo além dos demais e com uma estrutura de tal forma sólida que possibilitava-lhe experimentar coisas que, para mim, só havia nos livros ou na internet. Um dia em Praga, no seguinte em Amesterdão, no meu aniversário uma mensagem da “monarquia inglesa”. Recebia-me em Lisboa de Mercedes, visitava-me em Faro de Porsche em trânsito para Sevilha de férias. Era um cromo que admirava com espanto, como se de um futebolista famoso ou duma estrela de Hollywood se tratásse. Uma ocasião fui autorizado a convidá-lo para uma das festas de Agosto do Club Camané onde apareceu vestido de mouro de turbante e cimitarra à cintura. Ao fim de um bocado encontro-o a conversar com uma “tia” e um pouco depois nem “tia” nem mouro na costa. O que se passou nunca saberei pois o tema era sempre cortado com mais uma imperial.

O meu irmão César não é muito conhecido em Faro, penso que só a minha ex-namorada conheceu-o pessoalmente. Contaram-me por telefone às 1:15 (hora de Varsóvia) da madrugada de segunda-feira dia 5 que ele deixou-nos sem dar cavaco às tropas, à papo-seco, sem dizer avonde, de estalo. Aborreceu-se da vida terrena e foi em busca de outros horizontes, sempre ambicioso e insatisfeito, se calhar seguindo algum capricho mais exigente que terá sentido ou porque pura e simplesmente andava enfastiado com o que fazia. Esta manhã entrei para uma entrevista de emprego em Varsóvia enquanto a minha família despedia-se dele em Benfica (o que foi que te fizeram, mano?!). O abraço que ele me deu recebi-o na forma da resposta positiva por parte da empresa que irá contratar-me. À tarde vi nevar pela primeira vez na minha vida, terá sido algum sinal?

Mano César, fiquei muito triste com a tua partida, ainda agora choro incrédulo. E deixas-me muito preocupado com uma dúvida que assaltou-me e tem-me perseguido: Se as pessoas boas, como tu, insistem em morrer o que será do Mundo quando só sobrarem os filhos da puta?

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro amigo e companheiro. Os meus sentimentos pelo Cesár.
Acredito que esteja a ser super dificil, para alem do sucedido, ainda te encontras em pais alheio, e cheio de malta e costumes estranhos.
Força aí, não deixes o barco ir abaixo. Um abraço.
Rui Correia

Anónimo disse...

Ele já lá vai mas deixou-te muitas saudades. Não és o único pois outros sentirão a falta dele.
Ontem comecei a ler o teu blog e quero enviar-te um abraço especial. Em primeiro pelo teu irmão. Agora tens de ser mesmo forte. Depois um abraço sob forma de te encorajar a ultrapassar tudo e correr pela vida que ainda tens pela frente. Força... Tens muita coisa para viver outra página se inicia nesse capítulo chamado Polónia. Força.
Brevemente, Se Deus quizer, ainda que num lugar diferente nesse país vou fazer parte do grupo de portugueses por terras polacas.
Um abraço

Anónimo disse...

Mano...este post deixou-me um nó na garganta, sentimos a tua dor e fica sabendo que estamos sempre contigo cá, aí, onde for!
Beijos dos manos

Vera TEndeiro disse...

Lamento Parceiro! Não conhecia o teu irmão, mas a perda é sempre difícil. Sabes que apesar da distância os meus pensamentos estão sempre contigo... Força aí, e se a vida dele te inspirou dessa maneira, não deixes que a partida para outro lado te esmoreça....

Mil beijos da Parceira

Anónimo disse...

Kuando ficas triste ... eu fico triste ... por isso e pq n tenho jeito pra estas koisas ... um abração ...
Merx

Anónimo disse...

Meu comandante lamenta imenso a perda do teu irmao e espero k isso ainda te de mais forca pa seguires em frente os teus sonhos akele abraço de irmao decio e tiago

PM Misha disse...

obrigado pelas palavras, people. 5 estrelas, estava a precisar. q:)

josé: estarei por varsóvia pelo menos durante 6 meses, depois tenciono regressar a katowice ou experimentar cracóvia. se eu puder ser-te útil de alguma maneira não hesites em contactar-me. abraço.