O dia de Todos-os-Santos é celebrado na Polónia duma forma muito intensa, com autênticas romarias aos cemitérios onde toda a gente recorda os seus entes duma forma muito própria. De manhã cedinho começa o périplo pelas cidades onde hajam parentes sepultados e em cada uma das campas deixa-se uma vela, um vaso de flores e reza-se em sua memória.
À porta de cada cemitério há dezenas de vendedores de flores, velas, doces. A polícia controla o trânsito e o estacionamento, autocarros despejam viajantes constantemente, pessoas caminham quilómetros para lá chegar. Dentro dos cemitérios famílias inteiras sentam-se em frente às sepulturas conversando ou em silêncio. Centenas - diria milhares - de pessoas espalham-se pelos talhões enfeitando-os de flores e velas luminosas. Esta tarefa repete-se em cada parente ou amigo, ocupa a manhã inteira e só por volta das 15:00 a família regressa a casa para almoçar e talvez descansar um pouco. Sensivelmente às 17:00, já de noite, nova visita aos cemitérios para passear literalmente entre as sepulturas dos familiares mais próximos e homenageá-los com alguns momentos de silêncio e reflexão diante das suas lápides. Este passeio não se revela nada lúgubre porquanto todas as campas estão iluminadas com várias velas causando um supreendente efeito colorido no cemitério. De notar que, ao contrário que em Portugal, os cemitérios polacos não têm os chamados gavetões pelo que prolongam-se por áreas significativas chegando por isso a atingir hectares de extensão. A intimidade do momento impediu-me que registásse em fotografia a imagem de milhares de velas iluminando um espaço escuro por natureza. Impressionantemente bonito.
Depois da folga dormida é tempo de visitar parentes. Manda a tradição neste dia que a família junte-se na casa dum tio ou primo e que se coma e beba entre as conversas familiares. Alguns dos parentes vêem-se uma vez por ano, por esta altura, e é naturalmente grande o entusiasmo com que se saúdam. Foi a oportunidade aproveitada para fazer-se a minha apresentação pública à família, o tal português que já se tinha ouvido falar finalmente revela-se. Foram momentos de grande curiosidade, cheios de perguntas e dúvidas, naturais de quem está perante uma pessoa que viajou meio continente em 4 dias até chegar à terra deles. As diferenças, os choques culturais, aspectos positivos e negativos, comparações, bisbilhotices sobre a nossa vida privada vieram à baila entre copos de cerveja, cheesecake, batatas fritas e saborosos pratos de bigosz. A atmosfera é a de um aniversário tardio. A lareira acesa, as crianças correndo, os homens rindo, as mulheres vendo fotografias de casamentos, os doces surgindo, o vinho escorrendo, risos e gargalhadas, brindes e memórias.
Primos e parentes trocam números de telefone conosco, fazendo votos para que nos visitemos brevemente. A tia da Iza diz-me que nunca gostou tanto dum rapaz de barba por fazer até hoje. Eu agradeço em polaco para aprovação geral. Toda a gente abraça-se agradecendo o fantástico catering proporcionado e eu abandono esta casa com vontade de ficar mais uns minutos a desfrutar de tão agradável ambiente e companhia. Os Krupa são efectivamente uma família porreira.
Nos cemitérios polacos existe uma cruz gigante para que aqueles que perderam familiares na guerra ou para os que estão deslocados e longe dos seus poderem prestar-lhes os devidos respeitos. No de Tychy coloquei uma vela pela minha avó porque tem olhado por mim como pedi-lhe imediatamente antes de fazer-me à estrada no caminho para a Polónia.
Espero que continue fazendo-o e eu espero não defraudá-la como prometi-lhe.
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