Amarrotados da estopada diurna, satisfeitos por termos deixado aquele país de tantas aventuras mirabolantes, regressámos a outra realidade mais consentânea com os padrões a que os munines estão habituados, mais humana e mais agradável. A Polónia parece ter gente mais reservada e seca mas não tem o mesmo cinzentismo opaco que a Ucrânia que conhecemos e a sociedade é organizada de forma muito mais proativa que no seu vizinho de leste. Parecia que se sentia na pele o ar mais leve quando se saíu da Ucrânia, mais fluido, mais transparente. Não demorámos meia hora depois da fronteira para comemorarmos o retorno à civilização com um xixi e uma cigarrada, gestos de alívio e satisfação mesmo que faltassem mais de 5 horas até Cracóvia. Não importava, o importante era que o pior já tinha passado.
Tomámos então a estrada para Rzeszów para largar o tal amigo cuja namorada tinha uma camisola da Alemanha. Sendo que eles viajaram no carro do Daniel, não sei qual era o clima deles mas lembrei-me das palavras do Fava quando os apanhámos no aeroporto e cruzei os dedos para que a tivessem metido no porta-bagagens. O GPS apontava para uma estrada secundária não muito larga mas vazia àquelas horas (5:30 dum domingo), enveredámos pelo caminho em boa velocidade, uma curva em linha reta à esquerda e... um bloqueio. Duas filas de carros parados que se prolongava por vários metros bloqueavam ambas as faixas da estrada, impossível passar, um coisa estúpida e sem razão de ser. O Giga desconfiou logo do trajeto, “o GPS está avariado, devíamos ter ido pelo mesmo caminho da ida”, eu saí do carro e fui perguntar as razões daquele bloqueio, aparentemente ilegal, responderam-me com um encolher de ombros e só um homem mais solícito se dispôs a orientar uma passagem entre os carros, ação que não colheu grande entusiasmo entre os presentes. Um dos homens estacionados insurgiu-se contra o comportamento do restante pelotão e defendeu-me, “vocês não podem fazer isto, as pessoas têm de passar, têm o direito de passar” mas pregou para os peixes como Santo António, poucos o ouviram e os que o ouviram até o mandaram passear. Só se mexeram depois dele ter engrossado a voz, três motoristas mais sensíveis abriram um espacinho para que pudesse passar não sem que antes tivesse de passar por um campo de erva e lama, subisse uma ladeirazinha colocada, parecia, de propósito para acudir a situações do género. Soube entretanto que o ajuntamento de carros devia-se a uma feira de automóveis que abria às 7:00 e já todos se enfileiravam para conquistar a melhor posição no recinto. Tive de fazer um safari eslavo com o meu citadino, espremi o carro e passei por entre olhares de esguelha. Mais uma para o diário de bordo.
Despejados os amigos no hotel para alívio do Fava, inconformado pela camisola da rapariga, tocaram-se os restantes 170km até Cracóvia, apenas (ou mais) três horas que já não consegui cumprir até ao fim. Derrotado e exausto cedi o volante ao Giga quando faltavam 60km, ele que também não estava muito fresco, corria-lhe um fio de baba quando encostei o carro, mas que tinha pelo menos fechado os olhos durante a viagem. Eu já não aguentava a pedalada, não quis arriscar e passei a pasta. Abri os olhos já na circular exterior da capital da Pequena Polónia, sinal que o Gegante tinha levado o barco a bom porto e que em breve chegaríamos à pousada. Assim foi, o beliche essa manhã soube-me a nuvens, repousei umas saborosas cinco horas até me sentar de novo no carro para a viagem solitária de volta a Varsóvia.
Os munines continuaram a dormir, recuperando energias para a exigente noite cracoviana e para o segundo jogo em Lviv que era já na quarta. Eu prossegui o meu caminho para Varsóvia onde me esperava a minha querida caminha e o lindo sorriso da Ewa, o bálsamo indicado e adequado para um corpo e uma alma tão desgastados como os meus. Mas claro, faria tudo de novo se pudesse! Não sei é se o meu carro achava tanta piada assim…
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