Alguns filósofos gregos diziam que cada um de nós já nasce com todo o conhecimento e que só temos de lembrarmo-nos, tese com a qual não concordo porque à data do meu nascimento não havia garantidamente nenhum recanto do meu cérebro que tivesse informação sobre gramática polaca passível de ser recordada décadas depois. Talvez porque no antigo dos tempos houvesse menos coisas para aprender e entender os gregos dispusessem de mais vagar para pensar, raciocinar e postular sobre o que observavam, coisa que eu também fazia não há muito tempo, hábito saudável de que tive de abdicar em favor duma maior carga horária de trabalho - o cifrão é quem mais ordena. Já não tenho tempo para me sentar a ver o vaivém de almas a saírem dos túneis de comboio e metropolitano como se tivessem sido vomitadas pelas composições cansadas de mastigar tão maçador e indigesto alimento, nada disso. No meu mester a coisa é de extremos, maré cheia e maré vazia, ou bem que fome ou bem que fartura, desde meados de julho que não folheava manuais nem assinava contratos, que não corria atrás de elétricos nem acordava antes do sol mas essa era já se finou, o vazio na grelha do horário está bem preenchido e é tempo de virar frangos, sete, oito ou oito horas e meia por dia a disparar regras e exceções, conceitos e definições com vagar só para molhar a goela e chupar um drope de menta entre salas e corredores. A coisa tornou-se mais apertada em virtude dum convite daqueles irrecusáveis, uma proposta dum "grande", o contrato da vida: A excelsa instituição que é a Universidade de Varsóvia reconheceu em mim capacidades bastantes para que constasse no seu corpo docente e abordou-me para que colaborasse com eles. Não se diz que não à Universidade de Varsóvia, por isso aceitei inchado de orgulho e honra tão ilustre convite e eis-me dum momento para o outro a passar portões ilustres, sentar-me frente a turmas de vinte e tal jovens que me tratam na terceira pessoa. Não pude esconder a impressão que me causou pedir as chaves na portaria, subir as escadas, enfiar a chave na fechadura e abrir a porta de uma sala, não qualquer sala mas uma sala da universidade mais conceituada do país. Olhei para as mesas e cadeiras, quantos líderes terão estudado nelas, quantos decisores terão por ali passado, quanto saber, quanta ciência, quanto conhecimento terá sido transmitido e apreendido dentro daquelas quatro paredes? Estava eu absorto e maravilhado com a minha nova realidade quando tocou para a entrada e os alunos ordeiramente trataram de ocupar os seus lugares, o espetáculo ia começar.
Passei as férias do verão em Faro, como é hábito e costume, mas também dei um salto à Grécia para me estender sob o sol mediterrâneo da ilha de Rodes. É importante conhecer além dos limites do nosso jardim e assim aproveitei uma promoção de último momento para adicionar mais um país e um povo à minha lista. Lá conheci o senhor Andreas, cinquentão de Atenas, cabelos anárquicos, barba descuidada, barriguinha de quem está de bem com a vida que, depois de uns tiros de tequila, me contou a sua história de vida, ele que foi engenheiro aeronáutico até se ter saturado do trabalho e ter montado uma fábrica de rótulos, posteriormente um restaurante e mais outro, logo três, todos em Atenas. Um dia estava a passear pela ilha de Rodes e viu uma enorme praia deserta sem vivalma por perto, teve a ideia de ali construir um bar, solicitou informações, pediu licenças e ergueu o Mojito Bar de madeira e palha. O estabelecimento é modesto, a eletricidade é fornecida por um gerador a diesel que está atrás da casa de banho, como a casa fica afastada da civilização - a esposa e filha moram na cidade de Rodes que fica a mais de 60km - o dono dorme numa rulote que não deve conhecer outro pouso há muitos anos. Nestas condições passa o sr. Andreas sete meses por ano, de maio a outubro. Quebrados alguns pudores, a tequila é um solvente de barreiras sociais, decidi atacar o tema que mais me estava a dar comichão:
- Ó sr. Andreas, mas isto rende alguma coisa?
- My friend - respondeu ele num ingrego de vogais abertas e érre carregado, os olhos fundos a fugirem do fumo do cigarro que mora permanentemente pendurado na boca - O ano passado faturei 200.000 euros, os meus empregados ganham 1500 por mês fora as gorjetas. Não tenho um tostão, só não rebento o que vai para os estudos da minha filha. Amanhã? Eu vivo hoje, amanhã não sei se vem uma tempestade e leva a barraca para o mar ou se me dá um ataque cardíaco. Vive o hoje, my friend, o que vier amanhã virá.
Aí parei e fiz contas. - Um mês de trabalho de verão naquele bar, 10 horas por dia, pagava-me três meses de renda de casa em Varsóvia. Hmmm… No fim da noite, eu e ele cheios de tequila e mojitos, ele ofereceu-se para nos levar ao hotel, uma marca da generosidade que já tinha demonstrdo ao deixar-me preparar caipirinhas para os meus amigos e de me ter dado uma garrafa de Bacardi Lemon (ele tem contrato de exclusividade com a marca e na Polónia não há esta versão do rum).Comparar a vida doida que levo agora com a despreocupação deste senhor, tranquilo e sereno, sorvendo tequilas e fazendo mojitos ao ritmo da calmaria que há naquela baía, pensando que não me importava nada de fazer o que ele fez, mandar tudo dar uma grande volta e fazer do relaxe modo de vida. Os gregos, o sr. Andreas e os outros que conheci, fizeram-me recordar dos portugueses há 15 anos, alegres e hospitaleiros, abertos e comunicativos. Os meus compatriotas agora estão mais tristonhos e cabisbaixos, não riem tanto, não celebram tanto. Percebo porquê, a vida deles não está para festas nem para foguetes. Os gregos, porém, têm muito mais problemas do que os portugueses e continuam a gozar a vida, a beber o vinho e a cantar como se fosse o último dia das suas vidas. Se calhar até será, no estado em que estão as finanças do país ninguém aposta um euro em que a Grécia chegue ao Natal. Se calhar é por isso que cantam e dançam, para afastar o pessimismo. Se calhar é por andarem e terem andado a cantar e a dançar que o país está nos apuros em que está, não sei.
Sei que a excelente Universidade de Varsóvia conta de novo comigo amanhã a partir das 9:45 da manhã para ensinar Português aos futuros timoneiros da Polónia, essa é a minha missão e que muito me orgulha… mas aquela vidinha de rum e hortelã durante metade do ano não me sai da cabeça.
7 comentários:
Ai esta um "bon vivant" como se diz para la da Alemanha passando por um pais que deveremos passar por terra se queremos ir a Portugal.
Rivalidade Krakow - Varsovia. Eu ouvi dizer que a melhor Universidade dessas terras fica em Krakow e nao Varsovia. Mas eu compreendo-te bem porque na hora do marketing pessoal ou de puxar a brasa a nossa saridnha fica bem dizer que aqui fica a mais prestigiada Universidade.
Vivi na Polonia 5 anos de 2002 a 2007 portanto falo com conhecimento de causa.
Seja Varsóvia ou Cracóvia, é de louvar! :)
Parabéns Senhor Professor!
antero,
não foi por rivalidade ou por soberba que escrevi que a UW é a mais conceituada, foi talvez por entusiasmo excessivo. também ouvi que a universidade de cracóvia é a melhor do país, faço aqui o reconhecimento público.
zekarlos,
obrigado, amigo q:)
Espírito de porco desse Antero silva! A Universidade de Cracóvia vive da fama do passado, hoje quem manda é a de Varsóvia.
parabéns!
sérgio,
não precisa entrar nesse espírito, isto não é nenhuma competição. o antero escreveu que "ouviu dizer", não afirmou nem fez nenhuma declaração. eu também "ouvi dizer" que a universidade de cracóvia tem melhor reputação do que a de varsóvia mas só conheço uma delas.
epá parabens amigo ou devo dizer parabens sr.professor..Lol. Abraço
Luis Coelho
Parabéns Nuno. Tenho a certeza que vais fazer a diferença no meio de muito cinzentismo que para lá deve andar. Imagino também como deve ser um prazer ver certas carinhas e olhinhos claros naquela anfiteatro... ;-)
Boa sorte!
Ricardo Taipa
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