Já aqui se escreveu que muitos polacos gostam de um bom confronto físico, de uma boa cena de pancada, de qualquer pretexto que seja para puxarem da culatra e andarem ao banano uns com os outros. Não há muito tempo presenciei uma cena engraçada à porta de um restaurante, vinha eu e os meus companheiros Gravata e Pedra a sair do Lemon e vimos uma zaragata entre dois tipos completamente engalfinhados no chão com murros, pontapés e estalo a voarem generosamente. Enrolaram-se à batatada e ali andavam protegidos por um capanga que não deixava ninguém se intrometer, os táxis não podiam circular e a passagem para o outro lado da rua estava interrompida porque a luta devia continuar, qualquer pessoa que se aproximasse da bulha era logo repelida pelo tal fortalhão e assim não houve remédio senão deixá-los até que se cansassem de andar à bofetada. Por fim pararam e começaram numa aparente conversa de tréguas, encolheres de ombros como que a justificar tomadas de posição, gestos curtos a acompanhar as palavras e logo o rebentamento de nova sessão de tabefes e murros, cabeças enfiadas contra capôs de carros e eu a dar de frosques antes que a pancadaria se generalizasse e eu fosse contabilizado como dano colateral.
Mas o que muitos polacos também gostam é de uma fila, não importa onde nem porquê mas uma fila é um apelo irresistível para os polacos como um rabinho de criança para um padre católico. Basta a visão de um punhado de pessoas a agruparem-se enfileirados para imediatamente se juntarem mais e mais sem que cuidem qual a natureza da fila, para que se destina porque com certeza há alguma coisa interessante no princípio da fila. Se perguntar a algum dos elementos da fila “Olhe, desculpe. Esta fila é para quê?” é possível que receba um “Não sei” como resposta mas é uma fila, há que respeitar o apelo e pronto. Toca de perfilar e de preferência a respirar no cangote do vizinho da frente.
A questão das filas pode ser explicada no contexto da antiga República Popular da Polónia onde havia escassez de bens de consumo, poucas lojas havia e poucos produtos tinham, então as lojas que tinham produtos construíam longas filas de pessoas que esperavam a sua vez para ver o que podiam comprar. Às vezes só depois de entrar na loja é que o cliente sabia ao que podia aceder, se ia comprar papel higiénico, carne ou pão. As pessoas faziam filas pela esperança de receber alguma coisa no fim da procissão, não se sabia bem o quê mas como tudo fazia falta nada era recusado. As filas tinham a sua organização interna ditada pelos veteranos, normalmente os primeiros chegados ao local, que constituíam um komitet de receção e acompanhamento ao calouro da fila, presidentes e vices que compunham uma lista de nomes devidamente ordenados e a respetiva ordem de acesso. Como os tempos eram duros, as listas tinham um número quase infindável de nomes e muitas vezes não fazia sentido adicionar mais pessoas a uma lista já de si infinita, então o komitet começava uma nova lista que era uma “lista de espera para aceder à lista da fila”, traduzindo, uma pré-triagem de nomes que aguardavam a vez de se meterem ao frio e à neve numa fila enorme para uma loja onde iriam comprar não o que precisassem mas o que essa loja tivesse. Vestígios desses tempos ainda se vêem nas Universidades onde os alunos têm de esperar horrores para uma consulta com os seus orientadores, um dos casos que ouvi foi de uma rapariga que aguardou dois meses até ter direito a uma hora de audiência. Ela fez parte da lista-ante-lista e cumpriu diligentemente todos os passos até chegar à meta com a paciência que as coisas inevitáveis exigem.
Então não se espante se vir uma fila no meio do nada quando visitar a Polónia. Provavelmente não há-de haver nada de jeito na origem mas isso só se sabe depois de subirmos todos os degraus da labiríntica hierarquia que o komitet entretanto elaborou.
6 comentários:
Ri-me a bom rir com o segundo parágrafo!
E quando no Natal fazem fila para as carpas e quase andam à porrada? lol
Ha tambem de referir que eles sao muito experientes em passar a frente do pessoal nas filas. Eu vi a minha frente a fazerem isso a outros... e obviamente passaram-me a frente assim do nada. So me apateceu fazer uma cena como na primeira parte do post
Opá..Lendo isso até me sinto mal..Até parece um pais cheio de absurdo.. ( e é loool).. mas vcs nem conseguem imaginar, o que era ficar horas e horas na porra da fila para conseguir comprar seja o que for.. Só quem passou por isso, é que sabe dar valor as coisinhas mesmo pequenas, insignificantes hoje em dia.Eu nasci em 1976, cresci numa época muito difícil no meu pais.. e acreditem, ou não.. a ver estas fotos das filas, só causa um forte arrepio..tá?? e não me admiro nada a ler que os polacos gostam de passar em frente nas filas.. :D.. Volta para o ano 1980 www.zero.. e.. desenrasca-te sem fazer isso, loool.. Alguns reflexos ficam para sempre, meus meninos... Será o instinto de sobrevivência???:D
E outra.. loool.Com esse tratamento VIP na infância, ganhou-se uma paciência dum anjo.. loool.. Eu nem me importo de ficar cinco horas de seguida à espera para ser atendida por a minha médica de família em Portugal :P:P..Agora tentem lá fazer isso com um português loool..tá-se rapazes, né??
aga,
não somos melhores nem piores, somos diferentes e é esse o cariz deste blogue: as diferenças entre uns (nós) e outros (vocês) q:)
E por isso que adoro a ler o teu blogue :). Sigo a tua viagem desde que abalaste :P.. Acho, que és único da malta toda, que está na Terra do Nunca ( a Polónia ), que com a sua escrita não ofende, pelo contrário, faz rir e divertir com as suas experiências num pais tão diferente do teu..Estás de parabéns rapaz :)).. Continua assim!!
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