segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A Velha Senhora

Depois da bonança vem a tempestade. Traduzindo, depois de três meses no ripanço de papo para o ar começa a labuta fera do dia-a-dia, o ter de esgravatar oportunidades para comer porque ele não cresce do chão, ir progressivamente engatando mudanças porque o ritmo de Faro não se iguala à vertigem de Varsóvia. Pouco a pouco a passada alarga-se, os dias vão tenho menos horas, as distâncias crescem e o redemoinho do trabalho trata de colocar-me no estado de máxima atividade. É um mundo que separa a tranquilidade de Faro e a voragem de Varsóvia, incomparável.

A readaptação não foi feita com calma ou por etapas, Varsóvia não tem tempo para formalidades e exige que as pessoas funcionem imediatamente. Nesta primeira semana pós-verão pouco tempo tenho tido longe do portátil, 5 ou 6 horas por dia incinerando a íris por fazer planos e programas, projetos que dependem da minha assinatura e não tem havido muito vagar para olhar para a cidade, perguntar-lhe como passou o verão sem mim, saber da novidades, das pessoas, das coisas que fazem parte da nossa vida. Varsóvia não se deve sentir muito sensibilizada com a minha curiosidade e, por isso, não deve ter vontade de responder às perguntas que tenho para lhe fazer. Lá segue ela grisalha e nublada, zangada com tudo e com todos mas sempre com aquele porte garboso próprio duma grande senhora do leste europeu.

Varsóvia nunca me perguntou se eu tinha feito boa viagem ou como tinha sido o meu verão, não se se por ciúme do meu bronzeado algarvio ou se por não ter simplesmente tempo para essas simpatias hipócritas. Varsóvia viu-me chegar, jerozolimskieolhou-me por cima dos óculos, apertou-me formalmente a mão, mandou-me regressar ao trabalho porque as pessoas estavam à minha espera e mergulhou na papelada que furiosamente assinava na sua secretária. Ao sair do seu gabinete notei que Varsóvia levantou a cabeça para ver-me sair, talvez satisfeita com o meu regresso ou apenas para me tirar as medidas ao cabedal como mulher polaca que é. Olhei pelo reflexo dum vidro e vi o sorriso dela, um sorriso traçado do fundo da Aleje Jerozolimskie que revela o seu estado de espírito. Ela está contente, e eu também.

2 comentários:

Paulo Soska Oliveira disse...

És um poeta, móss.

Ola disse...

Por fim algo positivo :) E muito. E sempre autentico. Gosto enormemente do que hajas escrito. Esta e a minha Varsovia tambem. Mesmo que chore, eu gosto dela e admiro-a. E apercebi-me duma coisa: quando eu estou contenta nela, ela sempre recebe-me com as maoes abertas. Enfim, tudo depende da nossa atitude.