Um leitor classificou o post anterior de “choradeira atroz” por eu me sentir num estado de pré-depressão, antevendo a escuridão que me aguarda nas ruas da capital polaca e os cabazes de frio que serão distribuídos diariamente nos próximos cento e tal dias. Escreve também o referido leitor que daqui por uns dias vou desatar a cantar odes a Varsóvia por não conseguir viver longe dela e que afinal de contas concluo que Varsóvia é a cidade da minha vida com a qual me irei casar e blablabla.
Outra leitora refere o sussurro das folhas, o cheiro da chuva, o ar fresco (chama-lhe gelado!) das manhãs, vinho quente com canela e as pernas esbeltas encaixadas em botas de tacão alto. Muito sinceramente, as pernas sim. O resto dispenso, principalmente o vinho com canela do qual não consegui tornar-me fã. Dispenso o frio da manhã, a chuva, a folha caduca, dispenso isso tudo. Varsóvia tem mil outros motivos de interesse e atrai-me por tantos outros fatores mas nenhum é mencionado nesta bonita descrição.
Estou pré-deprimido e pronto, pouco há que me possam fazer para que mude este estado de espírito. O mar explode em ondas alegres que me chamam para nadar, o sol não está tão radioso como no verão mas vai mantendo o céu varrido de nuvens densas e ainda não consegui vestir um par de calças sequer. Daqui a alguns dias esta paisagem será apenas lembrança e outra bem mais exigente surgirá diante de mim.
E será apenas isto razão para me deprimir? Talvez não, mas lembrei-me que a Dona Amália faleceu há 10 anos, aquele que era certamente o maior vulto vivo dum Portugal universal, a réstia do Império, a voz da Nação, a cara da Pátria. Amália era portuguesa em toda a s
ua plenitude, na maneira como cantava o nosso país, nos cabelos e olhos morenos, nas formas pequenas tão lusitanas, na profundidade com que tocava burgueses e povo. Não há grandes diferenças entre a Esfera Armilar da nossa bandeira e o rosto de Amália, todos nós têmo-la na voz e ela era um pouco de todos nós. Às vezes imagino Camões a fazer letras para ela cantar porque um pouco de Portugal morreu com Amália e renasce sempre que ela canta o fado.
A Dona Amália faleceu há 10 anos… então, é isso que me deprime? Bom, se considerarmos que Portugal é Fado, Futebol e Fátima, se considerarmos que Fátima fica de parte devido ao meu ateísmo e que o Fado está orfão, sobra o Futebol.
- A seleção portuguesa está mais fora do Mundial do que dentro, mesmo que nos qualifiquemos para o playoff é mais certo apanharmos a França e irmos de barco;
- A seleção polaca já não tem hipóteses nenhumas de ir ao Mundial, lá se vai a minha segunda equipa nesse torneio;
- O Sporting joga pior que o último classificado da 7ª liga de Madagascar, não faz rigorosamente nada para mudar o estado de coisas e a única voz que se ouviu foi para falar do fundo de investimento dum clube rival;
- A Legia vai com 8 pontos de atraso em relação ao Wisła e vai ver o campeonato por um canudo para não variar;
Perante a real e concreta perspectiva de ter 2010 como o pior ano futebolístico da minha vida, perante uma mudança de 20º centígrados nos próximos dias, perante isto tudo que ainda por cima é feito de livre vontade… ainda acham que é choradeira?