domingo, 3 de julho de 2016

A angústia dum algarvio antes dos penáltis

O Portugal-Polónia era um jogo que eu não queria.

Patrício defende remate de BlaszczykowskiEste jogo começou logo após o Portugal-Croácia dos oitavos-de-final, num bar junto do Vístula onde vi o jogo com mais dois Nunos e um cento de polacos que tinham ficado a borbulhar em cerveja depois do jogo deles com a Suíça. Misturámo-nos no meio deles com as nossas camisolas das quinas e vimos o jogo todo em sossego salvo quando nos saltava um palavrão da boca ao que eles achavam piada. Sentimos leves mas amigáveis provocações de que a jogar daquela forma íamos apanhar duas ou très batatas, que o Lewandowski estava a guardar-se para Portugal, que o Pazdan ia engolir o Cristiano mas tudo num registo tranquilo. Depois do apito final apertámos a mão a alguns fãs polacos e entre risadas não desejámos boa sorte uns aos outros. Abandonámos o bar sem problemas e voltámos para casa pensando ver os quartos-de-final naquele mesmo lugar.

Entretanto começaram alguns amigos polacos com os mind games, que eles iam ganhar e que não tínhamos hipótese ao que sempre respondi com o clássico e definitivo “falo depois do jogo”. Curiosamente ou talvez não, entre os meus colegas de equipa recebi zero comentários o que é prova de que as pessoas do futebol sabem respeitar-se nos momentos em que o acaso determina o confronto direto.

Talvez compreendessem que não seria um jogo fácil para mim por se defrontarem a minha Pátria e o meu país adotivo, a terra onde cresci e aquela onde resido. Foi um desconforto enorme durante os dias que antecederam o encontro pois queria a vitória de Portugal – sem hipocrisias – mas não queria a derrota da Polónia e os dois resultados eram incompatíveis. Imaginava a tristeza dos meus grandes amigos polacos que viviam com intensidade a ideia que a sua Seleção criou – foi a primeira vez que a Polónia se apurou da fase de grupos e disputava uns quartos – se caissem aos pés de Portugal, uma equipa que eles com alguma razão consideravam ao alcance. Imaginava se sentiria alguma represália porque o meu carro tem matrícula portuguesa e apesar de toda a gente no bairro me conhecer talvez um bêbado resolvesse aliviar a frustração danificando propriedade portuguesa. Imaginava a cara dos meus colegas do Inter Warszawa quando recomeçassem os treinos (se eventualmente o joelho concordar), chateados por ‘eu’ lhes ter roubado a ilusão de chegar às meias-finais. Não foi cómodo viver com essa guerra de sentimentos, de saber que a minha vitória e alegria significava a derrota e mágoa dos meus amigos.

Vi o jogo em terreno neutro, na casa dum amigo brasileiro entre portugueses e polacos, prefiri ser prudente e evitar problemas do que reclamar o meu direito de poder ver o jogo onde quisesse e bem entendesse. Nem eles se coibiram de festejar o golo do Lewandowski nem eu me abstive de saltar do sofá quando a bola chutada pelo Renato Sanches beijou as malhas. Na segunda parte o ascendente português fê-los calar a boca e no prolongamento o receio mútuo era tal que o único som que se ouvia era da cerveja a ser sorvida das latas. Mas quando vieram os penaltis um pensamento me assaltou: “Uai mãe! E se os gajos ganham, vou ter de os ouvir durante quanto tempo?”

Então pousei a lata na mesa em frente ao sofá, juntei a mãos em torno do nó daMisha no rescaldo bandeira que tinha enrolada ao pescoço e comecei uma ladainha minha, lançando aquele feitiço que só as gentes de Faro conhecem (azoura, azoura, maria tesoura) com o resultado que se conhece. As minhas azouras nunca falham!

Os dias seguintes foram de sossego, ninguém me falou do jogo, ninguém tirou desforço, ninguém mandou bocas. Só uma amiga com quem eu tinha combinado um almoço se desculpou com o trabalho e brincou com o facto de não ser dia para se encontrar com portugueses. Eles reagiram com relativo fair-play enaltecendo os seus jogadores enquanto lambiam as feridas agradecendo a prestação da sua seleção no Europeu, eu continuo a ratar unhas e a fumar que nem um forno até ao próximo jogo de Portugal. Tudo está como deve ser, ao cabo e ao resto.

2 comentários:

Anónimo disse...

Senti o mesmo e planei o evento da mesma forma. Tal como me foi ensinado de pequenino: "o seguro morreu de velho".
Prefiro a prudencia e o respeito. No trabalho felicitaram-me pela vitoria ao que respondia com um obrigado mas que nao fui eu que estive em campo.
Nunca puxei o assunto, a meu ver nao e de bom tom. Temos que saber perder e saber ganhar.

Abraco,
D

PM Misha disse...

Prodeceste exatamente como eu, se não falassem nisso eu também não mexia no tema.
O seguro morreu de velho e o meu carro tem matrícula portuguesa ;)