segunda-feira, 11 de julho de 2016

Isto não foi só um jogo de futebol - I


O emigra verga a mola

Num país que não é seu

Produz fortunas alheias

Com as mãos que Deus lhe deu

Zeca Afonso

Ponto prévio. Não sou daqueles que agora oportunisticamente dizem que acreditou desde o princípio. Não, não acreditava. Nunca pensei. Se antes do Euro me dissessem que chegávamos à meia-final eu ficava satisfeito, disse-o publicamente e repeti-o nos media polacos. Jogámos mal na fase de grupos, defendemos sofrivelmente e nada me fazia convencer que chegávamos longe. Apesar de mais estável e equilibrado no plano defensivo, o jogo da Croácia foi um barril de nervos e não vi nada de especial contra a Polónia, portanto só comecei a cogitar uma gracinha depois de termos marcado o segundo golo ao País de Gales.

EderzitoParis é a segunda cidade com mais portugueses a seguir a Lisboa e todos conhecemos a importância que a comunidade portuguesa tem na sociedade francesa, uma comunidade que é reconhecida unanimemente como trabalhadora, honesta e diligente. Comunidade modesta, como foram ensinados nos sombrios anos do fascismo do Estado Novo cuja doutrina nos entranhou uma tal humildade que não raro resvala para o servilismo ao qual fiz referência num artigo anterior, os portugueses começaram por ocupar lugares em setores de base como a construção civil e o housekeeping tendo sempre sido alvo da chacota dos franceses, povo generoso no que toca a demonstrações de petulância e sobranceria.

Quando trabalhei na então EuroDisney, corria o ano de 1993 e tinha o vosso escriba 19 aninhos, os meus colegas de trabalho não acreditavam que eu era português pelo facto de ser alto (uns 1,85 que fogem ao padrão fisionómico tuga) e falar quatro línguas. Mais parvos ficaram quando lhes mostrei fotografias da minha namorada ao tempo, uma modelo morena (das poucas vezes em que abri exceções a louras) que lhes arrancou ‘brravòs’ de aprovação porque eles pensavam que as mulheres portuguesas tinham bigode. Naquele tempo dizia-se que quando os portugueses chegavam à estação de comboios eles eram atirados à parede, os que ficassem agarrados à parede eram canalizadores e os que caissem eram ladrilhadores. Este exemplo dá uma ideia do que muitos lusos penavam na França, da forma como eram desconsiderados e vistos como raça inferior, nas dificuldades que tinham em subir na vida e criar estatuto. Éramos um país pequeno em tamanho e em relevância, europeus de segunda categoria, bons para assentar tijolo, servir à mesa e fazer camas.

Penso que nenhuma seleção gozou de apoio tão notável como a Seleção Portuguesa neste Euro2016, por via da comunidade portuguesa radicada em França que sempre acolhe os desportistas nacionais com especial carinho e efusão. A presença dos emigrantes à porta do centro de estágio onde a Equipa das Quinas ficou hospedada a 25km de Paris foi uma constante e não foi ignorada pela comitiva portuguesa como atestam os treinos à porta aberta, sessões de fotografias e autógrafos e o agradecimento final quando os futebolistas mostraram o caneco aos adeptos antes de abandonarem Marcoussis. Atrevo-me a dizer que para aqueles emigrantes, a ocasião de ter os seus ídolos à distância de uma braça é uma vitória semelhante à que os jogadores obtiveram no relvado.

E são estes portugueses que vivem num país altivo e presunçoso que passam diariamente por dificuldades só por terem nascido portugueses, estes valorosos compatriotas que se prestam a desempenhar trabalhos que os nativos arrogantemente se recusam a fazer, são estes portugueses que foram bombardeados com a propaganda dos meios franceses de comunicação social e das individualidades gaulesas de que a Final do Campeonato Europeu eram favas contadas, que os portuguesitos não tinham hipóteses, que iam levar na cabeça outra vez como em 1984 e 2000 porque era esse o desfecho condizente com a nossa condição de pequenos. Eles até já tinham um autocarro descapotável pintado com os dizeres “France Champion d’Europe 2016”!! Malta minha amiga de Faro foi ver a Final e contaram que no caminho para o pomposamente designado Estádio da França o taxista francês meteu conversa perguntando o prognóstico para o resultado final. Como os meus amigos respondessem que Portugal ia ganhar, o taxista, convencido, volveu:

- Vá, agora a sério. Qual vai ser o resultado final?

Domingo finalmente a justiça venceu no futebol. Não a justiça das quatro linhas porque Apoio dos emigrantes em Marcoussisessa é subjetiva e muda em função das interpretações das estatísticas e das intensidades das ações. Venceu a justiça porque venceram os oprimidos, os simples, os atormentados e alguma vez o cínico chauvinismo francês teria de ser castigado. Tínhamos de acertar agulhas com o passado e com o presente, com os 50 anos de presença portuguesa em França e com os Platinis corruptos, os Marcs Battas prepotentes, os Thierrys Henrys batoteiros, os taxistas convencidos, a atitude de galo inchado e ‘já ganhámos’ dos franceses, tínhamos uma série de contas antigas e recentes para corrigir. E aconteceu da melhor maneira possível. Tal como disse um amigo, também emigrante mas na Escandinávia:

Portugal ganhou; A França perdeu; A França perdeu com Portugal; A França perdeu com Portugal na França.

Mais lindo não poderia ser. Portugal, a terra dos trolhas dégueulasse a consumar o “Frexit” em pleno cœur futebolístico gaulês – afinal um aterro de traças. Imaginem como os nossos compatriotas radicados no hexágono terão ido hoje trabalhar :)

1 comentário:

Anónimo disse...

Amen.

D.