segunda-feira, 18 de julho de 2016

Isto não foi só um jogo de futebol - II

Portugal derrota a CroáciaÀ medida que vou descendo à Terra e processando os factos vou finalmente compreendendo a dimensão do sucedido. O Portugal-França de 10 de julho não foi apenas a final do Campeonato Europeu mas também o final dum estado de coisas, Portugal é finalmente uma seleção vencedora!

Nascido na primeira metade dos anos 70 – ainda vivi quatro meses e meio de salazarismo – num tempo em que o futebol, não necessariamente jogado com bolas, era a diversão principal da malta, não foi surpresa que eu crescesse apaixonado pelo desporto-rei e que seguisse com devoção as peripécias dos meus dois clubes preferidos, Farense e Sporting por esta ordem. Em 1982 perguntei por que razão Portugal não estava no Mundial se a Espanha era mesmo ao lado. Eles teriam sido tão sacanas que nem nos tinham convidado para a festa? A resposta foi crua, não tínhamos sido suficientemente bons para nos qualificarmos e restava-nos apoiar o Brasil. A Seleção Nacional ocupava o lugar de um tio distante que me vinha visitar de quando em quando, não era muito famoso, não vencia muitas vezes e a primeira vez que deu sinal de vida foi aparecendo na televisão a partir de França em 1984 quando assisti a uma monumental chapelada de Sousa à Espanha, tremendas defesas do valente e saudoso Bento, incansáveis cavalgadas de Chalana na esquerda e ao felino Jordão a bisar frente a Bats. Pouco tempo depois em Estugarda, aquela castanhada imperial de Carlos Manuel fez-me manter os olhos no tio vermelho-e-verde porque afinal ele sempre era gajo para me dar umas alegrias.

Mas não, regressámos à vida de país pequenino habituado a ver os grandes na televisão, até que em 1989 e 1991 alcançámos triunfos à escala mundial. Iniciou-se então um período em que nos tornámos clientes habituais das grandes competições, presentes em todos os Mundiais realizados a partir de 2002 com um honroso 4º lugar em 2006 na Alemanha e nos Europeus desde 1996 registando uma presença na final de 2004 naquele que é considerado um dos dois maiores melões do futebol português. Em (quase) todas estas presenças, um denominador comum – jogámos muito, encantámos, iludimos… não vencemos. Era esse o nosso fado, a nossa sina, a dum povo bom mas brando, gajos porreiros, dão uns toques fixes mas acagaçam-se quando defrontam os senhores da bola. Quando chegava o momento das decisões terminava o futebol do “Brasil da Europa”, era insolente pensar que se podia ir mais além, ou era o árbitro que verificava o nosso peso reduzido nas instituições que regem o futebol ou erros próprios consequência de pressão psicológica insuportável, seguidos dos habituais discursos redondos “que é preciso levantar a cabeça e olhar em frente”. A atitude típica de quem “deu o que pôde e a mais não era obrigado”. Nunca se impôs um golpe de asa, nunca se exigiu uma superação, os Portugueses estavam habituados a serem como os testículos – de alguma maneira participavam na festa, até chegavam a bater à porta mas nunca os deixavam entrar.

Por culpa do chip de humildade e servilismo habituámo-nos a ver os senhores da bola a ganhar, contentando-nos com umas pontuais desfeitas à Holanda e Inglaterra e eventuais cócegas às Franças e Alemanhas. Sem ser em 2004, nunca nos aventurámos a fixar objetivos mais ambiciosos porque isso era sonhar demasiado alto e aos portugueses tal era terminantemente proibido. Sonhar. Sempre foi essa a grande diferença entre a Seleção Portuguesa e as grandes potências europeias – Portugal sonhava, os outros planificavam.

Escrevi as últimas linhas propositadamente no tempo pretérito porque é minha convicção que essa era findou. Um pontapé do mais mal-querido jogador da mais mal-amada seleção portuguesa que me lembro injetou uma dose cavalar de vaidade nos Portugueses. Vaidade, essa substância a que o Lusitano é tão visceralmente alérgico e que o faz desdenhar dos maiores portugueses contemporâneos – José Mourinho e Cristiano Ronaldo. De repente deixámos de ser aqueles gajos porreiros que se convida para animar um jantar para sermos uma sumidade continental do domínio do futebol, éramos campeões, Campeões, CAMPEÕES CARALHO!!

O contexto da vitória de Portugal no Euro2016 e a maneira como foi conseguida, desdeCristiano marafado com as barracas da nossa defesa o convencimento mundial duma derrota antecipada até à subtração dramática do seu timoneiro no relvado, quero muito acreditar que signifique o abrir de um novo capítulo para Portugal e para os Portugueses e que os meus compatriotas vão interiorizar a ideia de que também eles são capazes de triunfar indepentemente das circunstâncias. Os Portugueses não são inferiores a nenhum povo no globo, mostrámo-lo há 500 anos e recordámo-lo agora em condições muito adversas. Somos competentes, talentosos, profissionais, inteligentes, capacitados e ainda por cima somos desenrascados que é uma definição que não consta em nenhum outro idioma no mundo! Temos o direito (e o dever) de olharmos para todos olhos nos olhos, de reivindicar a nossa relevância, o nosso peso. Chega de fado, do destino, da fatalidade, dessas merdas todas com as quais jutificamos e desculpamos o fracasso.

Que nunca mais um Português se deixe subjugar pois o esplendor da nossa Pátria foi novamente levantado! O Europeu mostrou que quando o País se une alcançam-se feitos incríveis.

E que a classe política reflita na postura dos homens que representaram Portugal em França. Serviram o País com sentido de responsabilidade, com todo o esmero e sem olharem a interesses pessoais. Vejam como foram recebidos pelo povo. Agora pensem.

2 comentários:

antonio boronha disse...

Europeus e Mundiais a partir de...2000!

PM Misha disse...

Confere.
Corrigida a data para 2002, nem podia ser outra pessoa a lembrar-se desse Mundial ;)
Abraço e obrigado!