Para falar a verdade, o plano não era mais que um jantar e um copo, coisa tranquila e sem muita variação porque o dia seguinte ia ser exigente e foi nessa base que o pessoal se preparou. Ao princípio a fome determinou que chegássemos à pousada, arreássemos as coisas e arrancássemos para o restaurante do costume devorar os bifes com dois dedos de altura que eles normalmente servem, mas tivemos de esperar pelo Fava que fez a viagem por outra rota. Também a morosa viagem pedia um duche que renovasse a pele e o espírito e por isso reivindiquei banho ainda que eles protestassem. Borrifei-me para a opinião deles, enrolei toalhinha à cintura, champô e chinelos, barbeei-me e voltei fresco como uma alface quando, qual não era o meu espanto, vejo os companheiros de quarto, Fava, Giga e Rui, a puxarem das bolsinhas dos cosméticos e a prepararem-se também para lavarem as partes, os manhosos viram que era boa ideia e foram refrescar-se. Eu avancei com o Dani para o restaurante e servi-me duma cervejinha.
Cracóvia é uma cidade encantadora, sempre foi e sempre há-de ser. As charretes que passeiam casais de apaixonados na praça do Mercado, a Basílica de Sta. Maria continua a providenciar o toque da hora certa mais popular do país. O ar é diferente, mais leve do que em Varsóvia, as pessoas têm expressões mais ligeiras, gestos mais demorados, a velocidade das coisas é outra, mais pausada e por isso mais saudável. Sentar numa esplanada de Cracóvia é um prazer para os cinco sentidos, é admirar uma cidade-princesa que o rio Vístula banha com prazer, as suas margens são bonitas e frondosas, foram concebidas para virar a cidade para o rio e não como em Varsóvia em que o Vístula serpenteia em bancos de areia agreste, fauna selvagem e degraus de pedra cheios de limos como se a cidade considerasse o rio mal-vindo. Os munines foram chegando a conta-gotas, primeiro um e depois outro, já duas mesas de portugueses tentavam meter conversa conosco, a conversa parva do tuga turista – o pior turista do mundo – que imediatamente fez menção ao facto de “nós alugámos um charter!” como se o forro da carteira medisse o entusiasmo e fosse barómetro de apoio às cores nacionais. Começaram então, estes tristes, a entoar umas estrofes do hino nacional para exibir algum pseudo-patriotismo e mostrar que os portugueses são assim mas eu não embarco em festivais de cultura pimba e recusei alinhar pelo motivo de não cantar o hino numa esplanada de restaurante sem uma razão plausível. Admiraram-se, um mais entrado na idade travou-se de argumentos comigo, que era uma questão de entusiasmo e eu tive de responder que não precisava de embarcar em foleirices para demonstrar entusiasmo e que não era preciso ser-se piroso para apoiar a Seleção. A coisa morreu ali, eles bateram a asa meio azedos conosco, o Pimpão admirava-se com o tamanho da imperial, muitos gregos, espanhóis, italianos e polacos proocavam-nos amigavelmente e depois do jantar apontámos a agulha para as discotecas.
Não foi longa a borga. O Dani, graças aos conhecimentos adquiridos durante o período que trabalhou em Cracóvia, conseguiu infiltrar-nos num dos bares mais elegantes masiada desproporção homens/mulheres, uma festa do bombeiro por serem tantas as “mangueiras” na boîte. Juntou-se o desgosto de não se poderem ver aquelas polaquinhas carinha de porcelana, cabelos de mel e pernas de mármore de que rezam os manuais com o cansaço duma noite mal dormida e de uma viagem cheia de trancos e solavancos para que a impertinência começasse a tomar conta do pessoal e que todos os irlandeses, espanhóis e tropa do género incomodassem mais do que deviam. Ainda virei um par de vodcas-Red Bull para estimular o organismo e motivar o miolo mas o cadáver estava a precisar de cama, às 3:00 atirei a toalha ao tapete saturado daquele mar de homens e bazei para a pousada. Queria descansar, queria dormir para estar preparado para a invasão à Ucrânia, os Lusitanos em terra de Cossacos, ia ser uma deslocação enorme, exigente e cansativa e precisava de estar em forma.
Deitei-me e rolei na cama vezes sem conta. O Red Bull não me deixava adormecer, fazia envolvimentos Coentrão-Ronaldo, marcava cantos para a cabeça do Bruno Alves, constituições de equipas, Postiga ou Almeida. Rebolava-me desperto e desesperado, o Fava roncava, o Giga parecia uma múmia, o Rui não se mexia, todos a recuperar dos quilómetros e das cervejas do dia e eu naquela rabugice sem me dar dormido com mais quase 400km para fazer no dia seguinte.
O sol já entrava no quarto e clareava as paredes, mais um obstáculo ao sono. O trompetista tocava aos quatro pontos cardeais pontualmente a cada 60 minutos, agarrava-me à lucidez e não me permitia cochilos. O dia cada vez mais claro, eu cada vez mais irritado. Toca o relógio, eram nove da manhã. Os moços acordam cozidos em sono e álcool e eu ainda não tinha pregado olho. Não importava, tínhamos de nos despachar porque a Ucrânia, essa terra longínqua e misteriosa onde jogava Portugal, não era fácil de penetrar.
1 comentário:
Turistas cromos haverá sempre em qualquer parte. Nao acho que sejamos os piores.
Concordo com facto de termos compatriotas na Polónia que gostam de mostrar que tem dinheiro. Tenho amigos do género tendo mesmo de evitar sair com regularidade com eles por causa disso. Ja para não falar dos que se gostam de mostrar nos bares e pubs a rirem-se bem alto e arrotarem para chamar a atenção. Dessa espécie de tuga eu evito cruzar.
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