O carro quase que nem arrefeceu e deve ter acordado assarampantado com a pressa, ele que pouco habituado está a estas corridas - passa 4/5 dias por semana a dormir na garagem. “Lá vêm os gajos outra vez” pensou. Os mesmos gajos que o fatigaram no dia anterior já lhe estavam a abrir portas e a enfiarem-lhe coisas no porta-bagagens estava ele sossegado a dormir, isto pouco passava das 10:00. Nem os bons-dias lhe disseram e já tinha outra longa estrada para engolir, esta ainda mais aborrecida que a anterior, a estrada de Cracóvia para a fronteira com a Ucrânia. Ainda por cima a rapaziada não estava na melhor das formas, o Giga mal dormido, o Fava com o chassi ainda amolgado das escalas aéreas do dia anterior, o Rui com as pernas amarrotadas de ter estado no banco de trás do carro, o Xavier e o Pimpão porque partilharam o quarto com duas canadianas - nunca se soube o que aconteceu, talvez nunca se saberá - e eu ainda ligado à corrente depois da despertina de Red Bull e trompetes. O Dani encolheu-se à meia-noite e por isso estava fresquinho a contrastar com o bolor dos outros companheiros de viagem. Era este o estado do plantel quando se lançaram ao caminho.
A paisagem é diferente das planícies da Mazóvia, agora é mais feita de rios e montes, casinhas aninhadas nas encostas e bosques frondosos a ladear a estrada estreita que ginga pelos sopés. É escusado recordar o martírio que é circular nestes caminhos claramente impreparados para o caudal de turistas da bola que rolava em si. Radares, semáforos, camiões, pavimento em mau estado, curvas apertadas, tudo o que possa protelar o trânsito foi cuidadosamente colocado naquela estrada. O computador de bordo do carro indicava uma velocidade média de 53km/h, andávamos a pisar ovos e o Giga começa a enervar-se, "Foda-se pá! Vamos chegar atrasados! Eu já sabia, devíamos ter saído às 8 ou às 9!", a eterna mania de querer uma no papo e duas no saco ou a vontade de aproveitar a noite de Cracóvia até à última e ao mesmo tempo arrancar para Lviv pela fresquinha. O Fava finalmente aborrece-se e manda um par de gritos para o Giga se calar, o Rui continua amarfanhado no banco de trás sem tugir nem mugir, eu bebo um golo de água enquanto faço os meus cálculos, mais 50km até Rzeszów onde vamos apanhar um casal amigo, dali 85km até à fronteira e a partir daí o GPS não ajuda. Tento tranquilizar as hostes, que temos vagar mas a passagem por mais uma vila, Jarosław, desespera de vez o Gegante, 1,90 e 90 e tal quilos de impertinência no lugar da frente, já vai contagiando as pessoas e até eu começo a fazer contas se sumir em vez de somar. Apanhamos um funeral, mau sinal para as minhas fés, mas a seguir um casamento, o que neutraliza o mau presságio. Livramo-nos da vila, caminho livre até à capital da Subcarpácia onde recolhemos o tal casal, ele vestido à português e ela com uma camisola... alemã. O Fava dá um salto, "Moss, mas a gente vai levar inimigos para o jogo? Essa gaja fica já aqui, que merda é essa?!" Eu respondo que eles ajudam no orçamento da gasosa e a fera amansa. No outro carro, o Pimpão conta que desejou boa sorte aos noivos do tal casamento e eles meteram-lhe uma garrafa de vodca pela janela do carro, Wyborowa, foi o rir. Tudo bem, vamos lá para a Ucrânia de vez.
Finalmente estrada limpa de trânsito mas sem grandes velocidades devido às patrulhas pelo caminho, a 1km da fronteira vê-se uma fila imensa de carros, imóveis, pessoas fora dos carros a comer e a fumar. O Giga, a tensão quase a 22/13, inquieta-se e já não tem posição no banco da frente, aproximamo-nos da fila e vemos indicações para um corredor criada especialmente para os possuidores de bilhetes do Euro2012. Um guarda fronteiriço polaco pergunta: “Match?” e dá-nos uma credencial para passarmos à frente daquela manada toda, a temperatura dentro do carro arrefece um pouco. Alguns metros à frente, o controlo ucraniano, uma guarda de cabelo moreno apanhado atrás, farda militar, chapéu de polícia com uma pala de um palmo de altura, olhos escuros e sérios cravados num rosto esteticamente perfeito mas sem expressão, estica o braço e ordena rispidamente: “Passports! Papier auta!” enquanto verifica a matrícula do carro e rabisca um talão que há-de me dar mais tarde. O Rui abre a boca pela primeira vez em 6 horas: “Oi, a gaja é gira” e eu provoco: ”Metes-te com esta gente e vais para o calabouço passar uma semana a pão e laranjas” A malta ri, estamos bem dispostos mas os passaportes não voltam. Passam-se cinco, dez, quinze minutos e já estamos fora do carro a esticar as canetas. O Fava tem a infeliz ideia de tirar fotografias ao posto fronteiriço: “Bora lá, maltinha! Junta aí para a primeira foto na Ucrânia” mas logo surge um fiscal expedito a reprovar a ação: ”Niet! Foto niet!”. É óbvio, estamos num local de extrema importância estratégica e as fotografias não são autorizadas. Mais um cigarro, o Dani precisa de pôr gasolina mas ouviu dizer que não se deve usar a primeira bomba depois da fronteira porque o combustíve é de má qualidade, mais uma das muitas coisas que se ouviu da Ucrânia, a terra de todos os medos e mistérios. A guarda volta com os passaportes, diz qualquer coisa em ucraniano que podia ser um elogio ao meu penteado ou que eu cheirava mal da boca mas despede-se com um “Good luck” e um sorriso que limpou o céu e a nossa mente de todo o tipo de nuvens e preocupações. Aquele sorriso iria iluminar o nosso caminho para Lviv, a viagem e a estadia iam correr bem, a vitória seria nossa, força Portugal!, que os munines já entraram na Ucrânia.
1 comentário:
Continua Nuno que esta cada vez mais interessante. :)
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