
As ligações entre clubes de futebol e as claques tem sido motivo de muito estudo e reflexão tanto em Portugal como na Polónia, o mau comportamento dos adeptos e alguns negócios clandestinos e pouco lícitos são alguns pontos negativos atribuídos às torcidas que ensombram assim a sua atividade princial que é a de animar um jogo de futebol com cânticos de apoio à equipa preferida, coreografias de notável efeito plástico e criação duma atmosfera de festa em cada jogo. Nos últimos dias, e após o incidente da Final da Taça, a lei polaca sobre os espetáculos desportivos tem vindo a ser revista e o próprio governo central já interferiu na discussão tomando medidas severas, porém é importante contextualizar a situção.
É lendária a reputação de arruaceiro do adepto polaco de futebol. Violento e provocativo, torna-se pior quando passa as fronteiras do seu país talvez por ter de mostrar a força e o espírito guerreiro dos polacos. Na última Final da Taça da Polónia, disputada entre o Lech Poznań e a Legia de Varsóvia e decidida a favor da turma da capital no desempate através de pontapés da marca de grande penalidade, quando o defesa esquerdo legionista Jakub Wawrziniak ajeitava a bola para bater o tiro decisivo a claque da Legia irrompeu pela vedação ante a ineficiência dos atónitos stewards, invadindo a pista de atletismo e colocando-se em cima da baliza do guarda-redes adversário. Quando vi esta situação, pois estando em Faro acompanhei o jogo numa transmissão pela internet, temi uma catástrofe se Wawrziniak falhasse o penálti e um problema ainda maior de Kotorowski defendesse. Felizmente a bola entrou e a invasão deu-se com caráter pacífico, embora proibida, respondendo os adeptos dos ferroviários com o lançamento de cadeiras para o relvado. Como pena pelo sucedido os jogos seguintes da Legia e do Lech foram disputados à porta fechada numa decisão tomada pelos Governos Civis da Mazóvia e da Grande Polónia com a aprovação incondicional do Governo de Donald Tusk. As atenções dos jornais voltaram-se de novo para as claques com estas a protestarem contra a decisão e com o Poder Central a delegar autoridade ao Poder Local para que este mande encerrar estádios sempre que achar que não estão reunidas condições de segurança para os espetadores. Mais jogos se disputaram à porta fechada em Łódż e em Wrocław sempre com o mesmo pretexto, falta de segurança nos estádios, e com as claques do lado de fora do edifício a cantar e a apoiar os seus jogadores. No final do Legia – Korona os jogadores da casa quiseram agradecer aos adeptos o apoio prestado mas foram impedidos pelas forças policiais o que endureceu ainda mais a posição das claques, agora unidas sob a mesma bandeira.
Parece que na Polónia ainda se faz algum jornalismo de investigação e descobriu-se que as relações entre clubes e claques são mais do que institucionais, nalguns casos roçando a promiscuidade e passando
claramente a legalidade. Veio agora a público que a direção do Lech Poznań decidiu conferir a exploração de todos os espaços de restauração do Estádio Municipal (leu bem, municipal) a uma só empresa, figurando no contrato que todos os eventos a terem lugar na infraestrutura do estádio terão catering exclusivo dessa tal empresa. O facto é por si anormal por não ter havido concurso mas também porque a firma em questão pertence… ao presidente da claque do Lech, o que sugere um pacto implícito entre as duas entidades para que haja paz em dias de jogos. Um contrato perigoso que ainda prevê a indemnização de 10.000 zlotys (aprox. €2500.00) por cada ponto de venda à dita empresa no caso de ser contratada uma concorrente, situação recorrente pois a primeira empresa não tem estrutura suficiente para dar resposta às solicitações. Em Varsóvia a situação não é mais pacífica, as companhias que são responsáveis pela segurança durante os jogos são contratadas em negociações tripartidas entre um diretor do clube e dois diretores… da claque numa flagrante violação da ética senão mesmo da lei.
A propósito da claque da Legia e das ligações perigosas entre poder e futebol, conte-se um episódio interessante: O líder da Żyleta (claque da Legia) conhecido como Staruch, protagonista de inúmeros incidentes com a polícia, esperou os jogadores à saída dum jogo perdido em casa e agrediu um dos mais carismáticos atletas, Rzeźniczak. Imediatamente detido, Staruch foi proibido de frequentar as instalações do clube e posteriormente viu a sua pena agravada para a interdição de assistir a jogos de futebol em estádios de todo o país. Mal-grado o seu castigo marcou presença na final da Taça e foi amplamente fotografado a levantar o troféu nas bancadas que não podia pisar. Após investigações internas soube-se que a polícia pediu bilhetes e uma amnistia à Federação Polaca de Futebol para que Staruch pudesse assistir à partida ao vivo apesar da pena imposta. O comandante da divisão policial acabaria por ser rapidamente exonerado mas Grzegorz Lato, presidente da federação, não se coibiu de afirmar que “o Governo não consegue lidar com os vândalos e a polícia tem medo deles” indo mais além nas acusações culpando a “lei fraca” do país e observando que “na Inglaterra Margaret Thatcher conseguiu afastar os bandidos dos estádios mas aqui a solução é encerrá-los”.
O problema não é exclusivamente polaco pois se olharmos para os três grandes do futebol português vemos o presidente dos Super Dragões que anda de Porsche sem sequer ter atividade profissional reconhecida, os No Name costumam ter mais armas nas suas instalações que um quartel dos Comandos e que a Juve Leo (da qual fiz parte) era sempre ouvida – nem que fosse à força – quando novo treinador tinhe de ser escolhido (Mourinho não veio para o Sporting devido a pressões da Juve Leo).
O Euro2012 é já amanhã. Os estádios são modernos, bonitos e funcionais. Os homens continuam os mesmos, cá em Varsóvia ou aí à beira-Atlântico.